1. Introdução
Com o advento da lei 13.129/15, que alterou a lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem – LArb), dentre outras mudanças, para formalmente autorizar a utilização da arbitragem como método de resolução de conflitos envolvendo a Administração Pública, aumentou ainda mais o número de processos arbitrais com a presença de entes estatais, seguindo uma tendência que já era observada mesmo antes da inovação legislativa.
Em 2019, levando-se em consideração todas as 277 arbitragens processadas nas maiores oito Câmaras Arbitrais do país, aproximadamente 17% dos procedimentos tinham como parte algum ente da Administração Pública direta ou indireta. Considerando que, no ano anterior, esse percentual representava 9,93%, é possível verificar uma majoração de aproximadamente 80%1.
Conforme se infere, a viabilidade do instituto não encontra óbice no monopólio jurisdicional por parte do Estado2. Muito pelo contrário, com o processo da reforma estatal, em que a Administração Pública passou a atuar de modo específico em ambientes que antes eram estritamente privados, a arbitragem passou a cumprir papel importante para a redução dos custos e riscos transacionais dos contratos administrativos, o que a transforma em uma ferramenta importante de incentivo ao investimento3.
No entanto, ao transplantar o instituto idealizado em âmbito privado à solução de divergências com a Administração Pública, ente que, em última instância, têm por objetivo precípuo a proteção do interesse público, há diversos percalços a serem transpostos.
Na atualidade, o maior desafio é adaptar a arbitragem aos parâmetros da Administração Pública, sem com isso esvaziar sua agilidade e funcionalidade própria, características inatas em um ambiente estritamente privado4.
Nesse passo, é preciso encontrar a justa medida entre a autonomia da arbitragem e os requisitos mínimos da demanda estatal, a fim de que o instituto seja preservado e tenha sua maior eficiência preservada em relação à justiça estatal.
Para Carlos Alberto de Salles, a chave para a adequação da Administração Pública à arbitragem se encontra no que convencionou chamar de estratégia minimalista, na qual os condicionantes de Direito Público a serem incorporados devem se limitar aos princípios constitucionais, cujo elemento central é a accountability, garantindo, além da escolha apropriada de árbitros, a adequada publicidade da sentença arbitral5.
II. O problema da publicidade nas arbitragens
Segundo o artigo 37 da Constituição Federal, atos administrativos da Administração Pública Direta ou Indireta devem obedecer ao chamado princípio da publicidade.
No que se refere à atuação do Poder Judiciário, a Constituição Federal, no artigo 93, IX, também determina, como regra, a ampla publicidade.
Com o advento da lei 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação - LAI), a publicidade ganhou novo destaque, tendo sido o acesso à informação elevado a direito fundamental e a sua execução garantida em conformidade com os princípios básicos da Administração Pública6.
Com a promulgação da LArb, em 1996, o princípio da publicidade não chegou a ser regulamentado de forma direta, entretanto, parte da doutrina já se posicionava de forma contrária ao sigilo nas arbitragens que tinham como parte a Administração Pública, entendendo que deveria ser dada ciência aos interessados a respeito dos atos essenciais do processo arbitral, preservando-se o sigilo dos debates e documentos7.
A despeito da desnecessidade de previsão legal, haja vista a determinação constitucional do artigo 37, com a reforma de 2015, a LArb incluiu no artigo 1º, § 3º disposição específica acerca do dever de dar publicidade às arbitragens que envolvam a Administração Pública.
No mesmo sentido, a lei 14.133/21 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), além de reconhecer a arbitragem como meio alternativo de resoluções de controvérsias8, seguindo a orientação da LArb, consagrou o dever de publicidade como regra expressa9.
No contexto internacional, talvez em razão do impulso que o regulamento da United Comission on International Trade Law (UNCITRAL) e da Convenção de Mauricia de 2017, que trata justamente sobre a transparência das arbitragens envolvendo a Administração Pública, a divulgação de laudos arbitrais se tornou prática entre a maior parte das Câmaras Arbitrais em todo o mundo, a exemplo do que acontece na Câmara de Comércio Internacional (CCI), que recorrentemente divulga em sua base de dados laudos arbitrais de arbitragens comerciais.
No Brasil, todavia, apesar das Câmaras possuírem regramento capaz de absorver a publicidade das sentenças arbitrais, essa não é uma medida que vem sendo realizada de modo regular e padronizado. Nenhuma das principais instituições faz qualquer publicação de laudos arbitrais com recorrência, a exceção da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM B3), que passou a publicar um compilado de ementários com a orientação do julgamento10.
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1 Levantamento de Selma Ferreira Lemes, disponível em clique aqui - acesso em 5/7/2021.
2 SALLES, Carlos Alberto de. A Arbitragem na Solução de Controvérsias Contratuais da Administração Pública. Tese de livre-docência – FDUSP. São Paulo: 2010, p. 20.
3 SALLES, Carlos Alberto de. A Arbitragem... cit., p. 423/424.
4 SALLES, Carlos Alberto de. A Arbitragem... cit., p. 425.
5 SALLES, Carlos Alberto de. A Arbitragem... cit., p. 426
6 Vide art. 3º da Lei n. 12.527/2011
7 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/96, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 52.
8 Vide art. 151 da Lei n. 14.133/2021.
9 Vide art. 152 da Lei n. 14.133/2021.
10 ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Confidencialidade vs. publicação de sentenças pelas câmaras arbitrais: das regas às condutas. In: Análise prática das câmaras arbitrais e da arbitragem no Brasil. Coord. Ronaldo Vasconcelos et. al. São Paulo: IASP, 2019, p. 364.