O Governo Federal ajuizou recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF), em 24 de agosto, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) para suspender liminarmente e extinguir os efeitos da lei 14.128/21, que prevê indenização de R$ 50 mil àqueles profissionais da saúde que faleceram ou foram incapacitados pela Covid-19. Vale analisar: se trata de uma real preocupação fiscal ou certo descaso por aqueles que se arriscam para combater a crise sanitária?
A lei da Indenização prevê compensação financeira aos profissionais da saúde e auxiliares, ambos à frente do combate ao Coronavírus, bem como a seus familiares dependentes, observando-se uma série de requisitos.
Não obstante o amplo apoio parlamentar para sua aprovação, a lei foi totalmente vetada pelo Executivo, sob o argumento que descumpria limites fiscais por expressa proibição na concessão de benefícios indenizatórios para agentes públicos, além da ausência de estimativa de gastos, prevista pela equipe econômica em R$ 3,7 bilhões. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pontuou, por fim, uma suposta invasão de competência.
O veto foi analisado e derrubado pelo Congresso por 73 a favor e um contra no Senado Federal e por 439 a favor e 19 contra na Câmara dos Deputados.
Duplamente derrotado no campo legislativo, o Executivo faz novo esforço contra a indenização, agora no Judiciário. A Advocacia Geral da União (AGU) repete, naquela ADIn, as mesmas alegações do veto presidencial. Apesar dos afagos feitos na peça processual à classe médica e à boa intenção do legislador, tenta desconstituir o direito à indenização alegando, inclusive, insegurança jurídica em razão da suposta amplitude da categoria de profissionais alcançados pela lei.
É certo que esta não é a única forma para requerer indenização, contudo, se não for pela lei da Indenização, o caminho processual é mais longo e difícil, podendo terminar em precatórios – também na mira do Governo Federal, vide a “PEC do calote”.
Disso tudo, percebe-se claro descaso aos profissionais da saúde. Não há alternativas legislativas propostas pelo Executivo para contornar os entraves legais apontados pela AGU. Pelo contrário, sobram notícias na inadequação ou falta de insumos nas unidades de saúde, bem como a tímida ou, se não, a atrasada campanha nacional de conscientização contra a covid-19.
Não é absurdo concluir que a ineficiência das políticas públicas sanitárias é diretamente proporcional a quantidade de infectados pelo Coronavírus, e o consequente óbito ou incapacidade dos profissionais da saúde. Segundo dados recentes do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o Brasil ostenta a triste liderança mundial na morte dessa classe em razão da pandemia.
Embora ADIn siga aguardando julgamento, a lei da Indenização já está em vigor.
Para além da mencionada compensação de R$ 50 mil e outros valores, nada impede outras medidas judiciais para buscar espécies diversas de indenização. A ineficiência sanitária governamental, a má gestão das contas públicas e o discurso errático de alguns setores do Executivo não afastam a sua responsabilidade perante os profissionais da saúde. Nenhum sujeito pode valer-se da própria incompetência para afastar suas obrigações, principalmente o Estado.