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Retorno das gestantes ao trabalho presencial. PL 2.058/21

A emenda substitutiva, da deputada Paula Belmonte, avança no sentido de resolver o problema de o empregador ter que assumir a responsabilidade financeira sem o recebimento dos serviços, quando a gestante afastada das atividades presenciais não tiver como exercer seu labor em domicílio, em teletrabalho ou à distância.

18/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Linhas Gerais do tema 

Em 12/5/21 entrou em vigor a lei 14.151/21 que determinava o afastamento do labor presencial, remunerado, das gestantes durante a pandemia. Esta legislação causou uma série de dúvidas, principalmente porque não deixava claro quem deveria assumir a responsabilidade financeira pelo afastamento das atividades presenciais quando estas não pudessem ser realizadas a distância.

A lei 14.151/21, de efeitos imediatos, tornou ilegal manter a gestante em trabalho presencial, ainda que vacinada do COVID-19, e ainda que contra sua própria vontade de permanecer prestando serviços. Inaugurou-se um afastamento forçado, remunerado e sem qualquer exceção.

O custo deste afastamento ficou para o empregador. Alguns aventuraram ações judiciais para pleiteio do pagamento pelo INSS quando não houvesse condições do trabalho ser executado de forma não presencial. Em que pese a plausibilidade da tese de responsabilidade financeira estatal, sabidamente não logra êxito em larga escala, frente ao custo de estimativa inviável.

Pois bem, 5 (cinco) meses após todo este rebuliço, o cenário legislativo parece descortinar outro horizonte. O Deputado Federal Tiago Dimas apresentou o PL 2.058/21, sendo substituído pela reformulação proposta pela deputada federal Paula Belmonte em emenda substitutiva global. A reformulação foi integral, a tal ponto que o projeto original desapareceu do texto aprovado. A proposta depende de análise do Senado, não tendo qualquer obrigatoriedade ou aplicabilidade.

Com fito de facilitar o acesso à informação, abordaremos os pontos nevrálgicos do texto aprovado que seguiu para o Senado, compartilhando opiniões e reflexões. 

2. Texto substituído que seguiu para o Senado Federal 

2.1) Afastamento e vacinação 

A gestante continua com o direito ao afastamento das atividades presencias. Isto não foi alterado. A modificação é que se a gestante não puder exercer trabalho em domicílio, teletrabalho ou à distância receberá salário maternidade desde o início do afastamento até 120 (cento e vinte dias) após o parto, cabendo prorrogação na forma da lei 11.770/08.

Ficaram estabelecidas as hipóteses em que a gestante deverá retornar ao labor de forma imediata:

- Encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional (COVID).

- Quando o Ministério da Saúde considerar a vacinação completa.

- Quando a gestante, por termo de responsabilidade, e de legítima opção individual, decidir por não se vacinar.

- Quando houver interrupção da gravidez.

A gestante que incidir em qualquer das hipóteses de retorno ao labor cessará o recebimento de salário maternidade.

O empregador, portanto, só fica obrigado a manter a remuneração da empregada gestante que lhe prestar serviços, ainda que não presenciais. Caso não tenha condições do trabalho à distância, em domicílio ou por teletrabalho, o auxílio maternidade substituirá o dever do empregador em sustentar o período.   

Comentar a interrupção da gravidez parece inócuo, pois o motivo do afastamento é a gestação. Caso o fato gerador do afastamento inexista, também o afastamento obrigatório cessa.

O encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional deve ser o último ato estatal em relação à pandemia coronavírus e depende exclusivamente de decisão estatal. Certamente, o Ministério da Saúde irá considerar a vacinação completa antes do fim do estado de emergência e saúde pública. Talvez o legislador tenha cuidado de assuntos correlatos ou concomitantes, que poderiam ter sido colocados em alternativas.

O projeto de lei determina que a gestante retorne às atividades presenciais quando a vacinação for considerada completa ou extinto o estado de emergência e saúde pública. Desta forma, a gestante, ainda que vacinada, pode persistir afastada das atividades presenciais.

A emenda substitutiva criou uma OPÇÃO para a gestante que nos parece controversa e de aplicação tormentosa. A gestante pode escolher esperar o Ministério da Saúde considerar a vacinação completa e, vacinada ou não, ser compelida ao retorno ao labor. Em nenhum momento o substitutivo exige ou demanda da gestante a comprovação de vacinação. O projeto de lei tratou apenas da gestante que decidiu não de vacinar, que deve assinar termo de responsabilidade para retornar ao labor.

A ciência da vacinação da empregada gestante não é explicada em tal projeto de lei. Como a vacinação não é obrigatória, o empregador só tem como ter ciência por declaração da gestante, mediante apresentação do cartão de vacinação, ou notificando a empregada gestante a informar se está ou não vacinada.

Caso a empregada gestante, voluntariamente, forneça o dado pessoal sensível – estar vacinada - estamos diante de um dado fornecido por seu consentimento. Todavia, este consentimento seria livre ou decorre da subordinação ao poder do empregador? Há determinação legal que embase o empregador solicitar esta informação? O projeto de lei silenciou a respeito.

Como dado médico, estar vacinado ou não, é dado sensível, a Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD incide ao caso. A empregada gestante não está obrigada a fornecer este dado, pois inexiste lei a obrigando a tal. A legislação também não informa que o empregador, responsável pelo tratamento dos dados dos empregados, tem direito a exigir tal informação ou aplicar qualquer penalidade ante a recusa. Tudo isto, sem tocar no fato de que há direito de oposição previsto na LGPD.

O termo de responsabilidade, da gestante que optar por não de vacinar, caso não apresentado, o que o empregador poderá fazer? O próprio projeto de lei diz que o exercício da autodeterminação individual não pode ser imposto, como também não é imposta qualquer penalidade.

Com todo respeito ao elogiável esforço dos deputados, é difícil acreditar nos efeitos práticos deste termo de responsabilidade e na sua viabilidade e sustentação jurídica. O projeto de lei conflita com a LGPD ou pelo menos suscita questionamentos, bem como colide com a decisão do próprio Supremo Tribunal Federal na questão da vacinação.

As dispensas por justa causa pela recusa de vacinação, caso aprovado este projeto de lei, parecem ter pedido o objeto. Se a gestante pode optar por não se vacinar e por termo de responsabilidade retornar ao labor, não nos parece razoável e lógico não estender este direito a todos os empregados, homens e mulheres não gestantes. Por este motivo, o referido projeto de lei abre um horizonte para rediscussão de todas as justas causas aplicadas, pois não há falta grave se há permissivo legal de conduta. 

2.2) Autorização para desvio de função na gestante afastada das atividades presenciais 

Um ponto controvertido e que gerava insegurança era se a gestante em trabalho não presencial podia desempenhar tarefas diferentes para as quais fora contratada e se o empregador não estaria exposto a uma condenação por desvio de função. Pois bem, a proposta resolve esta questão, permitindo – expressamente – que o empregador poderá alterar a função desde que respeite as competências para o trabalho e condições pessoais da gestante, como também assegura que a empregada retorne à função original quando cessado o afastamento. Trata-se, portanto, de uma alteração de função com permissivo legal e sem direito a qualquer incremento salarial/remuneratório. 

3. Considerações Finais 

A emenda substitutiva, da Deputada Paula Belmonte, avança no sentido de resolver o problema de o empregador ter que assumir a responsabilidade financeira sem o recebimento dos serviços, quando a gestante afastada das atividades presenciais não tiver como exercer seu labor em domicílio, em teletrabalho ou à distância. Este ponto, sem dúvida, foi solucionado pela emenda substitutiva ao transferir este ônus para o INSS através da licença maternidade.

Outro ponto significativo para o empregador foi a permissão do desvio de função, ainda que com as balizas da condição pessoal da empregada e competências para o labor, quando do trabalho em teletrabalho, em domicílio ou à distância pela empregada gestante.

O terceiro avanço consiste em balizar o fim do direito ao afastamento de forma mais específica, ainda que a polêmica e debate sobre a vacinação ou não macule tal intento.

Assim, resta evidente, que a permissão contida no projeto de lei para que a empregada opte por não se vacinar, por termo de responsabilidade, fulmina a tese de justa causa em empregados não vacinados. Além, consoante já exposto, abrir o flanco para discussão sobre a subordinação contratual trabalhista como mitigante do exercício livre da autodeterminação.

Por derradeiro, a informação de vacinação é dado sensível, cuja proteção ao titular de dados (empregado) e incidência da LGPD geram implicações e até penalidades ao empregador que reverberam negativas na emenda substitutiva, como também implica em insegurança jurídica.

Dayse Coelho de Almeida
Advogada e consultora. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Autora do livro Direito do Trabalho e Coronavírus. São Paulo: Letras Jurídicas, 2020 e outras obras e artigos publicados.

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