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Arbitragem online em conflitos de consumo – Um novo olhar para o direito do consumidor

A aprovação do enunciado 103 na II Jornada de Prevenção e de Solução Extrajudicial de Litígios, promovido pelo Conselho da Justiça Federal, fomenta novas reflexões sobre arbitragem online em conflitos de consumo.

11/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Um novo e necessário olhar sobre o Direito do Consumidor. Calcado nessa realidade, no último dia 27 de agosto, foi aprovado, na II Jornada de Prevenção e de Solução Extrajudicial de Litígios, promovido pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), o enunciado 103 que trata sobre arbitragem online em conflitos de consumo.

Enunciado 103 - É admissível a implementação da arbitragem on-line na resolução dos conflitos de consumo, respeitada a vontade do consumidor e observada sua vulnerabilidade e compreensão dos termos do procedimento, como forma de promoção de acesso à justiça.

O enunciado referendado teve a concordância de 87% dos votantes na Comissão de Arbitragem e, na Plenária Final, atingiu o quórum mínimo de 2/3 necessário, sendo aprovado pelo percentual de 71%. Ratifica-se, portanto, a plena compatibilidade do Código de Defesa do Consumidor com a instauração do juízo arbitral1, integrando os princípios atinentes à Política Nacional das Relações de Consumo delineados no artigo 4º do Estatuto Consumerista, ao promover o incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo (inciso V, parte final).

Diferentemente do que muito se pensa sobre o tema, a arbitragem online em conflitos de consumo tem como função elementar o fomento do acesso à Justiça do consumidor brasileiro, como historicamente o é na robusta e exitosa2 experiência portuguesa3 em seus Centros de Arbitragem em conflitos de consumo.

No Brasil, o consumidor dispõe de alguns meios para resolução de um conflito com o fornecedor, na via administrativa ou na via judicial. A solução administrativa – por meio de entes como o PROCON ou Plataformas governamentais como o Consumidor gov4 – destaca-se no cenário internacional e deve ser valorizada por sua eficiência. Ocorre que, inexistindo composição, o consumidor precisará transpor as vias administrativas, ocasião em que poderá optar pela Justiça comum ou pelos Juizados Especiais.

No entanto, a depender da localidade de sua residência e da proximidade do foro, terá que arcar com os custos de deslocamento e tempo. Uma demanda simples, da qual se obtém baixo valor econômico5 em benefício do consumidor, poderia sair mais cara pela necessidade de locomoção e perda de dias de trabalho. Não raro, essa conta levará o consumidor a desistir de reparar a lesão a qualquer de seus direitos, deixando de exercer plenamente sua cidadania.

Além disso, há de se ter em conta o caráter continental do Brasil, em que a realidade daqueles que residem no interior difere daqueles alocados em cidades de maior porte. Na prática, há cidades que não possuem qualquer órgão administrativo de defesa do consumidor, o que dificulta a resolução de eventual problema de consumo.

Para esses casos, existe a Plataforma Consumidor.gov, instrumento público importante para resolução dos conflitos que têm como finalidade realizar o approach nas negociações entre o consumidor e o fornecedor, sendo um instrumento intermediador nos conflitos na relação de consumo.

Contudo, é necessário avançar mais. Os consumidores que não conseguem a solução de seu problema na plataforma se veem sob duas alternativas6: a) relegar sua insatisfação a um segundo plano e ficar inerte ou b) buscar a resolução do conflito por meio do Poder Judiciário.

Bom que se mencione que boa parte das vezes são demandas de pouca complexidade, com matéria probatória meramente documental e que, facilmente, poderiam ser resolvidas através da arbitragem online.

Assim, o entendimento adotado pela II Jornada de Prevenção e de Solução Extrajudicial de Litígios tem como premissas a celeridade, expertise do julgador, comodidade ao consumidor e a efetiva justiça.

Aliás, na visão de Cappelletti7, uma ordem jurídica justa passa por 3 etapas de solução: a) assistência judiciária; b) novos modelos de tutelar os interesse difusos e coletivos, especialmente no âmbito do consumidor e na esfera ambiental; c) denominada de enfoque à justiça, essa terceira etapa engloba as demais e visa fundamentalmente aprofundar as formas de transpor os obstáculos ao acesso à justiça, de forma mais articulada, notadamente através dos meios alternativos (leia-se adequados) de resolução de litígio, fundado nos diversos instrumentos processuais. Em suma: o acesso à justiça passa, necessariamente, por caminhos concretos para que o cidadão atinja o seu objetivo de solucionar seu conflito.

A arbitragem online de consumo não será e sequer tem a pretensão de ser a solução mágica para todos os conflitos de consumo. Pelo contrário, não custa lembrar o caráter residual da arbitragem em sede de mecanismos adequados de resolução de litígio, ou seja, tenta-se inicialmente a negociação, conciliação ou mediação; não logrando êxito, o consumidor terá a possibilidade de resolver seu conflito através da arbitragem.

Não se descura que a proteção do consumidor deve ser resguardada, como pontua o enunciado ao delinear que deve ser respeitada a vontade do consumidor e observada sua vulnerabilidade e compreensão dos termos do procedimento.

Inclusive, houve debate durante a sessão plenária da Jornada para substituir a palavra “vulnerabilidade” por “hipossuficiência” no texto do Enunciado 103. Como se sabe, prevaleceu a opção pela “vulnerabilidade”, que abrange a técnica, a fática, a jurídica e a informacional e termina, então, por proteger mais o consumidor que opta pela arbitragem online ao que faria o vocábulo “hipossuficiência”.

Em se tratando da vulnerabilidade informacional e sua assimetria8, ela será combatida com todos os esclarecimentos necessários promovidos pelo árbitro antes de iniciar o procedimento (deveres passivos de esclarecimento), bem como através de folhetos informativos e perguntas e respostas nos sites do Centros de Arbitragem, sejam eles públicos ou privados, independentemente de o consumidor as solicitar (deveres ativos de esclarecimento). A informação é a medida da compreensão e, portanto, é requisito sine qua non para o correto procedimento. 

Ainda sobre esse ponto, deve se ter em conta que a arbitragem online em conflitos de consumo funcionará por videoconferência, em que as partes e eventualmente as testemunhas irão acessar um hiperlink fornecido pelos Centros de Arbitragem. A gravação da audiência será requisito imprescindível, seja para resguardar eventual ação anulatória por parte do consumidor, ou até mesmo para confirmar que não houve qualquer digressão à norma pelo fornecedor, permitindo ainda que o árbitro possa assisti-la a posteriori, quantas vezes entender necessário para o efetivo julgamento.

Em síntese: na sociedade de informação, em que o tempo é protagonismo nas relações de consumo, a arbitragem online em conflitos de consumo é mais um caminho para a incansável busca pelo acesso à justiça em plenitude, respeitando sempre a tutela do consumidor.

________

1 Referida ideia já é defendida há algum tempo, confira: CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. São Paulo: Atlas, 2009.p. 52 e ss.

2 A professora Paula Costa e Silva compreende que “a relação de alternatividade inverte-se em sua forma: é o sistema judicial que funciona como meio alternativo, de existência necessária, relativamente à arbitragem”. Confira: SILVA, Paula Costa e. De Minimis Non Curat Praetor - O acesso ao sistema judicial e os meios alternativos de resolução de controvérsias: alternatividade efectiva e complementariedade. In: CUNHA, Paulo de Pitta e; MIRANDA, Jorge (Orgs.). Estudos em homenagem ao professor doutor Paulo de Pitta e Cunha, Almedina, 2010, p. 300 e 301. Nesse sentido, a Professora Teresa Moreira explica que a resolução alternativa de litígios de consumo em linha, através da Plataforma RLL representou um marco na política europeia de defesa do consumidor consubstanciado num enquadramento jurídico harmonizado do acesso a uma justiça simples e fácil. Confira: MOREIRA, Teresa. Novos Desafios para a Contratação à Distância a Pespectiva da Defesa do Consumidor. Estudos do Direito do Consumidor. n. 9. 2015. p.19–36

O grau de satisfação das pessoas, quando utilizam esse tipo de mecanismo de resolução do litígio, atinge 82%, seja pela praticidade seja pelo custo reduzido. Sendo, por consequência, elevado o índice de reincidência no uso dessa ferramenta pelo consumidor. BARROS, João Pedro Leite. Arbitragem Online em Conflitos de Consumo. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019. p. 40 e ss. Por sua vez, a Professora Paula Costa e Silva reitera que além da celeridade, a confidencialidade do processo arbitral e a especialização técnica dos árbitros são vantagens desse mecanismo de resolução de litígio. Confira: SILVA, Paula Costa e. Os meios de impugnação de decisões proferidas em arbitragem voluntária no direito interno português, disponível em: . Acesso em 17 de agosto de 2021.

4 Disponível aqui.

5 Sobre o tema, confira : CORDEIRO, António Menezes. Arbitragem de consumo. Revista de Estudos de Direito do Consumidor, 2016, p. 70.

6 Sobre o tema, confira: BARROS, João Pedro Leite. El Arbitraje em línea em conflictos de consumo en Brasil. In Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação. n.13. Coimbra, Almedina, 2020.p. 143 e ss.

7 Confira: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução e Revisão Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002, p. 34 e ss.

Consoante ensinamentos do Professor Federico Ferretti, a assimetria de informação faz referência aos diferentes conhecimentos ou informações que uma parte de uma transação comercial tem sobre a outra parte, isto é, uma parte possui as informações inerentes aos riscos relativos à execução do contrato quando a outra não possui tais informações. Confira: FERRETTI, Federico. EU Competition Law, the Consumer Interest and Data Protection. United Kingdom: Springer, 2014.p. 8 e ss.

João Pedro Leite Barros
Advogado. Doutor em Direito Civil pela UnB e Doutor em Direito Civil pela ULisboa. Mestre em Direito Civil pela ULisboa. Professor em Direito do Consumidor na UnB. Advogado.

Débora Fernandes Maranhão
Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília. Advogada.

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