A legislação brasileira, por meio da lei Nacional 12.846/13, implementou a possibilidade de as empresas brasileiras adotarem os chamados “Programas de Integridade”1. Tais programas, inclusive, motivam a diminuição de penalidades em razão de irregularidades administrativas praticadas pelas empresas em desfavor das administrações públicas nacional e estrangeira.
Como sabemos, o Compliance não é um sistema em que apenas se declara e patrocina o mero cumprimento de leis e regulamentos. Para isso, já basta a força impositiva de nossa legislação nacional, à qual todos nós estamos subordinados e devemos obediência. O legislador brasileiro impõe, nos limites da Constituição Federal de 1988 e das leis decorrentes, aquilo que está autorizado, vedado ou permitido à sociedade brasileira, assim como ao próprio Estado brasileiro (governo e administração pública).
Os programas de Compliance, portanto, se destinam a algo a mais; passam eles, além do necessário engajamento no cumprimento de leis e regulamentos, pela (re)construção de uma cultura efetiva de ética e integridade, que no caso se inicia pelo sempre bem-vindo bom exemplo da alta administração; mais valem as boas ações do que somente as palavras.
Um programa de Compliance efetivo – que, no caso da referida lei 12.846/13, almeja a prevenção e a repressão à corrupção administrativa - pressupõe o patrocínio da alta administração das empresas. Esse, à luz do artigo 42, inciso I, do Decreto Federal 8.420/152, é um dos pilares essenciais de um efetivo programa de Compliance.
Vejamos a redação do mencionado artigo 42, inciso I, do decreto 8.420/15 (com destaques meus):
Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;
De acordo com tal preceito normativo, a alta administração (direção) das empresas que adotam programas de Compliance deve patrocinar referidos programas com declarações públicas, concessão de autonomia às unidades internas de Compliance3 e disponibilização razoável de recursos materiais e pessoais4. Ademais, a alta administração deve apresentar-se como o exemplo máximo nas organizações empresariais, sendo a inspiração para que seu corpo de colaboradores, parceiros etc. haja de forma correta, simplesmente porque a coisa certa deve ser feita, sempre e sempre.
A esse propósito, vejamos o seguinte e importante trecho contido no livro Compliance para Muitos, página 220:
Falamos no tópico 3.2 sobre a influência que poucos podem exercer sobre os muitos, de como somos influenciados pelo que fazem e falam os líderes quando olhamos “para cima”.
E, em todos os atos e decisões levados a efeito pelas empresas, não apenas a legalidade externa e a legalidade interna da empresa devem ser observadas, como já percebido acima. As empresas e entidades necessitam agregar às suas posturas, além do rígido cumprimento das leis e dos regulamentos, elementos éticos, impessoais e a própria finalidade e espírito das regras, observadas, aí, a sistematicidade, a organicidade e a complexidade das normas sociais de conduta vigentes.
Um exemplo: em determinado processo licitatório, não se pode eleger vencedora a proposta de uma certa empresa disputante em razão de elementos políticos ou mesmo por amizade existente entre pessoas representantes do órgão licitante e pessoas representantes da empresa participante. Deve-se selecionar o fornecedor, impessoalmente, com base nas regras licitatórias e contratuais aplicáveis ao caso, com apoio nos princípios específicos da licitação, em atenção às regras procedimentais contidas no edital da licitação e, especialmente, em atenção ao critério de igualdade (isonomia) entre os concorrentes, pelo que, em síntese, pode-se alcançar com maior segurança e justiça a seleção da proposta mais vantajosa e adequada.
Nesse exemplo, a finalidade social do ato é a seleção de um bom fornecedor de bens ou serviços dentro do “fair play” licitatório e contratual, com ampla oferta de idênticas possibilidades de disputa às empresas que se apresentam ao certame. Essas são as regras do jogo, que somente poderão ser levadas ao máximo efeito se operadas dentro de seus limites e finalidade, somados estes à pré-disposição ética de fazer a coisa certa. O mero cumprimento de formalidades legais, sem o acréscimo da ética, moralidade e finalidade social do ato, fará com que apenas se cumpra um rigor normativo, entretanto, alijará a possibilidade de verificação do aspecto da legitimidade do ato, que é a legalidade “nua e crua” adicionada a valores morais e éticos, cujo resultado será o alcance de elementos mais próximos à justiça.
A alta administração, portanto, é raio, é luz e é espelho para uma empresa. Ela, a depender do exemplo dado, motiva ou desmotiva seu corpo de colaboradores, parceiros etc. a seguir o bom caminho da prática dos atos corretos. Fazer a coisa certa, intrinsicamente, é o que todos nós devemos observar na motivação de nossas ações e inércias, e as altas direções das empresas têm o dever de se apresentar(em) como o maior e melhor exemplo de integridade, assim como, em todas as suas decisões, levar em conta o interesse coletivo ou geral envolvido e as próprias necessidades e finalidade legal da instituição representada.
Afinal de contas, vivemos em sociedade e (imperceptivelmente) somos movidos pelos exemplos, muito mais do que pelo medo das altas penalidades e represálias previstas em lei. Os bons e os maus exemplos são o combustível principal das nossas ações, e, no campo dos programas de Compliance empresarial, nada mais imperioso do que o primeiro e bom exemplo ser sempre egresso da alta administração.
1 Vide artigo 7º, inciso VIII, primeira parte.
2 Regulamenta a Lei 12.846/13 na esfera federal.
3 Vide inciso IX do mesmo artigo 42.
4 Idem.