Migalhas de Peso

A caminho de um ambiente de negócios menos burocrático

A sociedade brasileira vem amadurecendo no sentido de se livrar de amarras burocráticas por vezes desnecessárias ou redundantes, buscando assim simplificar as relações entre empreendedor e Estado e dinamizar a economia.

27/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Brasil é reconhecidamente um dos países emergentes com maior potencial de crescimento, dado seu potencial de recursos naturais, diversidades regionais e a própria dimensão do mercado consumidor. Por outro lado, a pesada burocracia estatal sempre foi um inimigo das relações comerciais e particularmente do investidor estrangeiro. Números para ilustrar essa constatação não faltam.

A mais recente edição do relatório “Doing Business”1, publicada pelo Banco Mundial em junho deste ano, coloca o Brasil na 124ª posição – de um total de 190 países – no ranking de facilidade de fazer negócios. Diversos fatores explicam essa má colocação; um deles é o tempo para abertura de empresas. Muito embora os dados divulgados em fevereiro de 2021 pelo Ministério da Economia mostrem que o processo vem se tornando mais rápido – levando atualmente “apenas” 2 dias e 13 horas em média2 –, o Brasil ainda amarga a 138ª colocação nesse quesito, de acordo com o relatório do Banco Mundial.

Outro ponto que tradicionalmente engessa o ambiente de negócios brasileiro é o seu complexo sistema tributário. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)3, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 foram editadas cerca de 400 mil leis ou regulamentos em matéria tributária. O resultado desse sistema complexo reflete na incômoda posição de país mais lento no mundo para preparar, declarar e pagar seus impostos. Em média, as empresas brasileiras levam 62,5 dias (dados do último relatório “Doing Business” do Banco Mundial).

Para reverter essa tendência e modernizar o Estado, o governo vem editando medidas para desburocratização das relações comerciais no País e dinamizar o ambiente de negócios. A primeira dessas iniciativas foi a Medida Provisória 881, de 30 de abril de 2019, posteriormente convertida na chamada Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/19), que lançou as bases fundamentais para a modernização de algumas práticas burocráticas no país.

É nesse contexto que a Medida Provisória 1.040, editada em março deste ano, altera diversas legislações para “facilitar a abertura de empresas”. A matéria foi aprovada pelo Congresso Nacional e convertida na lei 14.195, que entrou em vigor no dia 27 de agosto.

Dentre as inovações trazidas pela lei 14.195, algumas são especialmente relevantes para o investidor estrangeiro.

A primeira, e talvez mais ruidosa delas até o momento, é o propalado fim das EIRELI (empresas individuais de responsabilidade limitada). A lei 14.195 determinou que todas as EIRELI existentes na data da sua entrada em vigor serão automaticamente transformadas em Sociedades Limitadas Unipessoais, independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo. Mais adiante, o artigo 57 da nova lei revogava os dispositivos do Código Civil que regulavam as EIRELI, pondo fim a esse tipo societário. Acontece que o artigo 57 da nova lei acabou sendo vetado pela Presidência da República, criando uma situação anacrônica, em que EIRELI novas poderiam ser criadas, já que a figura ainda existe no Código Civil.

Para pôr fim a essa situação, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) – órgão responsável por solucionar dúvidas na interpretação das leis relativas ao registro público de empresas – emitiu no último dia 9 de setembro um Ofício Circular, em que orienta todas as Juntas Comerciais do País a considerarem extinta a figura da EIRELI e absterem-se de registrar novas EIRELI em todo o território nacional. Segundo o órgão, os dispositivos do Código Civil que regulam esse tipo societário teriam sido tacitamente revogados pela Lei 14.195.

Na prática, portanto, as EIRELI deixaram mesmo de existir. É bem verdade que a figura da EIRELI já havia caído no vazio desde 20194, quando a lei 13.874 passou a permitir as Limitadas Unipessoais, retirando a exigência de pluralidade de sócios. De todo modo, elas agora deixam de ser uma opção para os empresários brasileiros.

Outra novidade relevante trazida pela nova lei é a autorização para que pessoas residentes ou domiciliadas no exterior sejam nomeadas Diretores de sociedades anônimas brasileiras. Até então, a Lei de Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) abria à participação de estrangeiros apenas a posição de conselheiro do Conselho de Administração; já os Diretores tinham necessariamente que ter residência no Brasil. Agora os estrangeiros residentes no exterior também poderão ser nomeados Diretores de sociedades anônimas brasileiras, desde que nomeiem procurador residente no País, com poderes para, até, no mínimo, três anos após o término do mandato em questão, receber citações em ações movidas contra o diretor ou conselheiro estrangeiro.

Dentre as várias dúvidas trazidas por essa inovação, talvez a mais relevante diga respeito às complicações práticas que ela trará, caso a companhia não possua nenhum diretor residente no Brasil. Já de cara vislumbra-se dificuldades para a abertura e movimentação de contas bancárias – lembre-se que o representante brasileiro não teria poderes para representá-lo perante instituições bancárias, mas apenas para receber citações. Outro entrave seria a obtenção de certificado digital da companhia – atividade que cabe ao diretor. Sem o certificado digital, ficaria prejudicado o dia a dia da empresa, como a transmissão de obrigações tributárias, escrituração contábil etc.

Talvez a saída para contornar esses e outros entraves práticos seja a manutenção de, pelo menos, um diretor residente no Brasil, ainda que outros residentes no exterior fiquem responsáveis pela gestão da companhia.

Outra alteração relevante no campo das S.A. é que, nas companhias abertas, passou a ser vedada a cumulação dos cargos de presidente do Conselho de Administração e do cargo de diretor-presidente, ou de principal executivo da companhia. Ainda com relação ao Conselho de Administração das companhias abertas, a lei 14.195 tornou obrigatória a participação de conselheiros independentes.

Mais uma novidade é a criação do voto plural nas S.A. Em linhas gerais, a lei 14.195 admitiu que as companhias, tanto abertas quanto fechadas, criem classes de ações que darão aos respectivos acionistas direito a até dez votos por ação nas deliberações societárias.

O objetivo desse breve artigo não é esgotar as inovações da lei 14.195, mas vale mencionar as seguintes novidades: a) a emissão automática de licenças e alvarás de funcionamento para atividades de risco médio; b) a eliminação das pesquisas prévias de viabilidade locacional e de nome empresarial; c) a liberação de operação do estabelecimento terá vigência indeterminada, salvo quando houver risco.

Esse conjunto de medidas, que se somam às demais iniciativas desburocratizantes anteriores, podem fazer com que o Brasil suba ao menos 20 posições no ranking “Doing Business” do Banco Mundial. É uma expectativa que o próprio governo federal já pontuou. Mais do que alçar novas posições no ranking, a principal contribuição é tornar o País mais competitivo e ágil - e, portanto, mais atrativo aos investidores nacionais e estrangeiros.

Como se nota, a sociedade brasileira vem amadurecendo no sentido de se livrar de amarras burocráticas por vezes desnecessárias ou redundantes, buscando assim simplificar as relações entre empreendedor e Estado e dinamizar a economia. Isso naturalmente não significa extinguir por completo a burocracia, o que seria não apenas inviável como também indesejável. Ao contrário, o que se busca com esse esforço é reduzir as burocracias ao mínimo necessário e otimizar aquelas efetivamente necessárias para o bom andamento do ambiente de negócios.

_______________ 

1 Disponível em clique aqui.

2 Conforme relatório “Mapa de Empresas”, disponível em clique aqui.

3 Disponível em clique aqui.

4 O Mapa de Empresas disponibilizado pelo Ministério da Economia registrou queda significativa no número de EIRELI abertas desde então. Disponível em: clique aqui.

Marco Antônio Junqueira de Arantes
Sócio da Mourão Campos, Fernandez, Cargnin e Zanatta Sociedade de Advogados é formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e especializado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024

Transtornos de comportamento e déficit de atenção em crianças

17/11/2024

Prisão preventiva, duração razoável do processo e alguns cenários

18/11/2024