Lamento adicionar à minha coleção de sentidas ausências, a morte de Ovídio Rocha Barros Sandoval, uma das mais significativas influências que recebi em minha vida.
Conheci-o em 1976, quando fui nomeado Juiz Substituto da 13ª Circunscrição Judiciária em Barretos. Ali judicavam dois luminares: Caio Eduardo Canguçu de Almeida e Ovídio Rocha Barros Sandoval.
Eram referências na Magistratura e fui abençoado pelo convívio então iniciado. A consistência da erudição de Ovídio impressionava. Mas o que me extasiava era o conjunto de suas virtudes, que dele faziam o paradigma de ser humano que sempre foi.
Acolhedor e generoso, provido de infinita paciência para orientar os neófitos, prodigalizava cultura e passou a representar o padrão de excelência em tudo o que fazia.
Decisões solidamente estruturadas, fundamentos irretocáveis, redação elegante e precisa. Mas essa não era a porção mais relevante de sua exuberante personalidade. Era o protótipo do cavalheirismo: afável e realmente gentil para com todos os semelhantes. Vivenciava um catolicismo fincado naquilo que de melhor legou o Nazareno. Nele detectei a viabilidade na observância da regra de ouro do “amai-vos uns aos outros”. Era um crente fidelíssimo aos Evangelhos, que aceitava a falibilidade humana e praticava o perdão como a postura natural dos verdadeiramente bons. Por isso a incursão pelo sistema APAC, Associação de Proteção e Assistência Carcerária, que para Ovídio significava “Através do Preso alcançarás o Cristo”.
Aprendi com ele o que deveria ser um bom marido e um pai modelar. O carinho e respeito com que tratava sua adorada Ana Helena valia por um manual do casamento feliz. Era edificante assistir à contínua ternura devotada à sua companheira, o respeito amorável, a real veneração que perdurou por longos anos. Os adjetivos por ele utilizados serviam de guia seguro para a preservação de um matrimônio saudável.
Seus filhos eram o reflexo do amor que cimentava as relações naquele singular ambiente doméstico. Tiveram verdadeira pós-graduação em virtudes. Os pais não declinaram de oferecer as bases sobre as quais edificaram existências exitosas. Por isso, carregam o legado imperecível de um lar superlativo.
A proximidade fraterna me propiciou invocar o comportamento dos filhos de Ana Helena e Ovídio – assim como os de Malu e Caio – como prova de que a boa educação de berço não perecera.
Uma das mais confortadoras lembranças que tenho desse tempo, foi a representação natalina preparada por Ana Helena e Ovídio, na qual meu primogênito, João Baptista, havia pouco nascido, era o Infante.
Dentre os atributos que fizeram de Ovídio Rocha Barros Sandoval um raríssimo exemplar do que pode produzir a espécie racional, destaco a gratidão. Sempre destacava o papel do tio, Alberto Moniz da Rocha Barros, em sua formação. Assim como a experiência haurida junto a Vicente Ráo e José Frederico Marques. E assim permaneceu no decorrer dos anos, enaltecendo os perfis que o marcaram, dentre as quais Saulo Ramos, com quem passou a advogar.
Destemido, não hesitava em redigir peças contundentes para as causas que o motivavam a demonstrar sua inquebrantável firmeza de caráter. Acompanhei-o à residência do Desembargador Adriano Marrey, num dos frequentes embates enfrentados pela incompreendida Magistratura. Nunca nele se viu um resquício de egoísmo. Semeava afabilidade, congregava e liderava sem afetação.
Era dadivoso e desprendido, sabia partilhar. Assim, não hesitou em abrir mão de suas aulas na Faculdade de Engenharia de Barretos, para beneficiar o jovem Juiz Substituto que tivera redução de vencimentos, ao deixar o MP para ingressar na Magistratura.
Quando assessor do presidente do TJ/SP Marcos Nogueira Garcez, personificava o perfil de proa, seguro e imprescindível. Fez-se merecedor de incondicional admiração de círculos crescentes e continuou presente na vida de quantos afetos foi multiplicando vida afora. Sou pessoalmente devedor de inúmeros testemunhos de sua clemente amizade. Guardo como relíquia inúmeras de suas bondosas missivas, peças de um lavor talentoso. Não é possível sintetizar uma trajetória tão plena, sob o sentimento de dor profunda causada pela perda. Conforta-me haver privado de ocasiões felizes como os casamentos dos filhos, os telefonemas repletos de benevolência.
Só posso testemunhar que o percurso terreno de Ovídio Rocha Barros Sandoval constitui não somente o melhor atestado de uma vida verdadeiramente ética, na Magistratura, na advocacia, na Academia, na arte da amizade, senão o fiel roteiro a ser seguido por quem aspire a se tornar um homem justo.