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A OAB e o direito à ostentação

É dever, sim, da OAB regulamentar a publicidade na advocacia, e a essa, dados o veto à mercantilização e o zelo pela respeitabilidade da profissão, se impõe o comedimento e a moderação.

20/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente foi publicado neste portal um artigo de opinião de dois advogados1 sobre a vedação, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da ostentação na publicidade levada a efeito pela advocacia. Conquanto não se discorde totalmente do posicionamento adotado pelos autores, ante a polêmica provocada pelo texto, faz-se necessário pormenorizar o tema.

Isso porque as transmissões em massa, as manifestações de quem sequer leu o artigo ou o provimento 205/21 em sua inteireza ou até dos que desconhecem as bases normativas em que se fixam a advocacia conduziram a uma mixórdia que exige uma reparação rápida, mas que não pretende ser definitiva.

Pois bem; considerando os avanços sociais e tecnológicos, a relevância das redes sociais e, inclusive, o atual cenário de pandemia, o Conselho Federal da OAB (CFOAB), após intensa atuação de seu Grupo de Trabalho da Publicidade, aprovou e publicou o provimento 205/21, que “[d]ispõe sobre a publicidade e a informação da advocacia”.

Pela leitura de seus 13 artigos e anexo único é possível depreender que o provimento: (i) é uma norma que regulamenta a publicidade no exercício da advocacia; e (ii) como não poderia deixar de ser, respeita rigorosamente as balizas da lei federal 8.906/94 – o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB) – e da resolução 2/15 do CFOAB, que aprova o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (CED/OAB).

Daí porque antes de tratar especificamente da ostentação, tem-se por indispensável a transcrição de alguns dispositivos do EAOAB (uma lei federal, não é excessivo repisar):

Art. 2° O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1° No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

[...]

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

[...] 

Já do CED/OAB é válido pinçar: 

Art. 2° O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.

Parágrafo único. São deveres do advogado:

[...]

III - velar por sua reputação pessoal e profissional;

[...]

 

Art. 5° O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.

 

Art. 39. A publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão. 

A partir de uma interpretação sistemática2 dos dispositivos reproduzidos acima e do parágrafo único do artigo 6°3 do provimento 205/21 é possível depreender, no que tange especificamente à ostentação, que este último mais não faz que explicitar e adequar as orientações do EAOAB e do CED/OAB à publicidade na advocacia e, de modo muito especial, à publicidade na Internet e nas redes sociais.

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De fato, é preciso ter sempre em mente que a publicidade realizada pela advocacia dever ser focada em conteúdo, isto é, precisa estar “voltada para informar o público e para a consolidação profissional4” do advogado, da advogada ou da sociedade que eventualmente integrem. Os inscritos na OAB ou as bancas de advocacia podem – e devem – utilizar os canais válidos para divulgação de seus conhecimentos técnicos, de seus títulos acadêmicos, das premiações legítimas que receberem. Mas tudo tem de se dar de modo sóbrio, discreto, austero, comedido, moderado.

Nesse viés, considerando o uso cada vez mais intenso das redes sociais, o provimento 205/21, obedecendo aos preceitos do CED/OAB e do EAOAB, apenas detalhou o modo como os profissionais da advocacia e as sociedades de advogados devem se portar em tais redes, quando estiverem realizando publicidade.

Note-se que o parágrafo único do artigo 6° do provimento 205/21 se inicia com: “[f]ica vedada em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão”, deixando explícito que a proibição não atinge a vida privada do advogado ou da advogada. O parágrafo único no artigo 6° do provimento 205/21 também evidencia que até em vídeos, imagens ou áudios de caráter publicitário o que não se permite é a ostentação.

“Ostentar”, diz o léxico, é o mesmo que “[f]azer ostentação; mostrar(-se) com alarde e vanglória” ou “[u]sar de arrogância ou hostilidade para produzir impressão moral ou intelectual em (alguém); estampar, exibir, mostrar5”. Não é, portanto, igual a possuir, usar, manusear, portar. Aquele que ostenta algo o faz de modo deliberado, exagerado.

Na advocacia – atividade que presta um serviço público e que não pode ser mercantilizada, repita-se –, a publicidade precisa estar direcionada à apresentação dos atributos técnicos e éticos do profissional e da sociedade.

Para destrinchar ainda mais o parágrafo único do artigo 6° do provimento 205/21 cumpre reforçar que embora a vedação atinja a ostentação tanto de bens associados ao exercício da profissão quanto aqueles que nada têm a ver com ela, não há qualquer impedimento à imodéstia dos membros da advocacia enquanto cidadãos comuns, nas redes sociais ou fora delas.

Dito de outro modo, é óbvio que o advogado e a advogada podem, nos seus canais (virtuais ou não) pessoais, se gabar de usar roupas e acessórios caros, de possuir veículos de luxo ou de realizar viagens exclusivas. Não devem, no entanto, vincular tal suntuosidade à advocacia, sob pena de restar configurada a publicidade e, consequentemente, a vedação aqui tratada. Semelhantemente, não é possível que a sociedade de advogados se exiba como propiciadora de uma vida de riqueza aos seus sócios e associados.

A discrição, o despojamento e a singeleza, no agir ou no postar, não são exigíveis aos advogados ou a quaisquer pessoas. Raramente cumpre à OAB adentrar na vida pessoal de seus integrantes6, e a vaidade não está entre os aspectos que merecem a atenção da Ordem. No entanto, é dever, sim, da OAB regulamentar a publicidade na advocacia, e a essa, dados o veto à mercantilização e o zelo pela respeitabilidade da profissão, se impõe o comedimento e a moderação.

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1 OAB regulamenta ostentação de advogado nas redes sociais. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2021.

2 ROCHA, Leonel Severo. Interpretação Sistemática do Direito em Face das Antinomias Normativas, Axiológicas e Principiológicas. 1994. Tese (doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. 234f. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 18 set. 2021.

3 Art. 6° Fica vedada, na publicidade ativa, qualquer informação relativa às dimensões, qualidades ou estrutura física do escritório, assim como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional.

Parágrafo único. Fica vedada em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, como uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo, bem como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional.

4 Artigo 2°, II do provimento n° 205/2021.

5 Michaelis. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 18 set. 2021.

6 Veja-se, exemplificativamente, o artigo 34, XXV, XXVII, XXVIII e parágrafo único do EAOAB.

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O texto não reflete a opinião do Conselho Federal da OAB, sendo de inteira responsabilidade da autora. 

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Marina Gadelha
Doutora e mestre em Direito. Conselheira Federal da OAB pela Paraíba.

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