Necessário se fazem objetivas observações acerca do PARECER 10 COSIT, de 1º de julho de 2021, para que toda a comunidade jurídica, e, em especial, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), seja alertada sobre seus insuperáveis vícios, data maxima venia.
A Receita Federal se referiu no aludido PARECER ao quanto decidido pelo STF acerca da exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da Cofins no RE 574.706-PR. No PARECER está a posição da DIREI (Divisão de Contribuições Sociais sobre a Receita e a Importação) e da COSIT (Coordenação-Geral de Tributação), ambos órgãos da Receita Federal.
Referido documento foi endereçado à PGFN para que esta o confirme ou rejeite e, nesse passo, reside o nó górdio, porquanto o malfadado PARECER se fundamentou em pressuposto inteiramente falso, o que merece todos os holofotes e sua condenação de plano. Explicaremos.
Veja-se que o suporte das conclusões do PARECER é a presunção de já estar produzindo efeitos erga omnes o quanto decidido pelo STF no mencionado tema, fato absolutamente inverídico.
É importante enfatizar que, independentemente de a decisão da Corte Constitucional ter se dado pelo regime de repercussão geral, seu alcance será unicamente processual. Isso significa que se aplicará exclusivamente aos processos existentes sobre o tema, nos termos dos artigos 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil pátrio.
Isso porque, no âmbito do controle de constitucionalidade brasileiro, é essencial a participação do Senado Federal. Ele foi o incumbido pelo constituinte originário de conferir às decisões proferidas pelo STF a extensão plena de efeitos, tudo, tudo, em harmonia com a tripartição entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.
Confira-se o texto constitucional:
Art. 52 – Compete privativamente ao Senado Federal:
X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
O constituinte previu, em franca obediência ao princípio de equilíbrio entre os Poderes da República, que, após decidir pela inconstitucionalidade de uma norma, o Supremo Tribunal Federal necessariamente tenha de oficializar ao Senado Federal o encerramento do processo e sua decisão definitiva. Por sua vez, o Senado se encarregaria de efetivar a suspensão da norma inconstitucional, fazendo-o por meio da publicação de uma sua Resolução. E, somente após a publicação da Resolução do Senado, é que a decisão do STF tornar-se-ía aplicável a todos ou, em outros termos, passaria a ter efeitos erga omnes.
Entretanto, até o presente momento (setembro de 2021), não há sequer sinalização de manifestação do Senado Federal, valendo destacar que o RE 574.706-PR nem mesmo se encerrou.
Dessa forma, as normas que disciplinam a incidência das contribuições para o PIS e Cofins não foram suspensas nem alteradas, mantendo-se tais como postas, o que vale dizer que não afastam o ICMS de suas bases de cálculo, como se pode ver, verbi gratia, no artigo 1º, §3º, da lei 10.833/2003:
Art. 1º - [...] incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
§ 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas:
I - isentas ou não alcançadas pela incidência da contribuição ou sujeitas à alíquota 0 (zero);
II - de que trata o inciso IV do caput do art. 187 da lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, decorrentes da venda de bens do ativo não circulante, classificado como investimento, imobilizado ou intangível;
III - auferidas pela pessoa jurídica revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da empresa vendedora, na condição de substituta tributária;
IV - (Revogado pela lei 11.727, de 2008);
V - referentes a:
a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos;
b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita;
VI - decorrentes de transferência onerosa a outros contribuintes do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS de créditos de ICMS originados de operações de exportação, conforme o disposto no inciso II do § 1o do art. 25 da lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996.
VII - financeiras decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, referentes a receitas excluídas da base de cálculo da COFINS;
VIII - relativas aos ganhos decorrentes de avaliação do ativo e passivo com base no valor justo;
IX - de subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público;
X - reconhecidas pela construção, recuperação, reforma, ampliação ou melhoramento da infraestrutura, cuja contrapartida seja ativo intangível representativo de direito de exploração, no caso de contratos de concessão de serviços públicos;
XI - relativas ao valor do imposto que deixar de ser pago em virtude das isenções e reduções de que tratam as alíneas “a”, “b”, “c” e “e” do § 1o do art. 19 do Decreto-lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977; e
XII - relativas ao prêmio na emissão de debêntures.
Ou seja, nenhuma modificação existe na norma, de modo que é impossível admitir a conclusão firmada pelo malfadado PARECER justamente por inexistir o pressuposto em que se baseou.
E não param aí os vícios do referido documento. Os cálculos nele apresentados se mostram inequivocamente tendenciosos e não suportam uma confrontação com a realidade.
A infortunada manifestação da Receita Federal considerou o regime não-cumulativo do PIS e da Cofins como se nele fosse admitido que todos os pagamentos ou dispêndios das empresas entrassem no cômputo da apuração daqueles tributos ou, fossem reconhecidos como passíveis de créditos: pura falácia.
Sobre esse ponto, mesmo uma visão ligeira é capaz de constatar prontamente que pelo menos 8 (oito) dispêndios importantes não geram o chamado direito a crédito na sistemática da não-cumulatividade do PIS e da Cofins. São eles: (1) todos os valores relativos ao pagamento de compras em que haja suspensão do PIS e da Cofins, originadas de cerealistas; (2) todos os valores relativos a bens ou serviços não sujeitos ao PIS e à Cofins; (3) idem para os relativos a leite in natura originados de pessoa jurídica que exerça, cumulativamente, o transporte, o resfriamento e a venda a granel; (4) idem para os relativos a produtos in-natura de origem vegetal, classificados na TIPI com os códigos 09.01 e 10.01 a 10.08; (5) idem para ao relativos a produto in natura de origem vegetal, destinado à elaboração de vinhos de uvas frescas; (6) idem para os relativos a produtos agropecuários originados de pessoa jurídica agropecuária ou cooperativa de produção agropecuária; (7) além de todos os valores relativos à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados, adquiridos até 30 de abril de 2004; (8) e, o mais significativo, todos os valores relativos ao pagamento da mão-de-obra de pessoas físicas, ou seja, toda a folha de salários não gera crédito.
É que não pode ser tomada a não-cumulatividade de PIS e de Cofins como uma precisa apuração na sistemática conhecia como ‘base-contra-base’, expressão usada pelo desventurado PARECER, quiçá para impactar pelo tecnicismo. Aliás, é importante lembrar que, sobre a aceitação de créditos de PIS e de Cofins, restou vencido o posicionamento do Ministro Napoleão Nunes Maia, quando o STJ julgou a questão, objeto dos temas 779 e 780 dos chamados recursos repetitivos, ocasião em que se firmou o entendimento de que não há equivalência entre as despesas aceitas como dedutíveis de imposto sobre a renda e as aceitas como geradoras de créditos de PIS e de Cofins no regime não-cumulativo.
Em verdade, a Receita Federal construiu um inventivo exemplo em que surgiu um saldo negativo de arrecadação (- R$1,48) pelo simples fato de que apenas considerou uma margem de R$200,00 entre a compra e a venda – a mercadoria fora comprada por R$ 1.000,00 e vendida por R$ 1.200,00.
Contudo, o modelo cai por terra diante de uma singelo cotejo matemático, uma vez que, tendo a revenda ocorrido por somente R$19,50 a mais, inexistiria o aludido saldo negativo, o que, de fato, indica que qualquer margem real que seja superior a 21,95% desfaz o exemplo, o qual, deve-se destacar, parece oriundo de uma criativa estratégia de argumentação, criativa mas irreal.
Ora, somente a verdade material é lastro para cálculos e projeções. Por exemplo, dados do IBGE dão conta que, em 2018, o comércio varejista de informática, comunicação e artigos de uso doméstico operou com uma margem média de 55,4%, o de artigos culturais, recreativos e esportivos, com margem média de 65,1% e o de tecidos, vestuário, calçados e armarinho, com margem média de 86%, (dados oficiais e facilmente auditados – confira-se em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/55/pac_2018_v30_informativo.pdf).
Com todas as vênias, nosso Órgão Arrecadatório Maior, que deveria se conduzir pelo regramento sistemático da Busca pela Verdade Material, tem apresentado todos os indícios de apenas se pautar pelo que conhecemos como interesse público secundário,1 extremamente tendencioso, no qual a Administração é na relação jurídica apenas um dos polos adversários, como tem sido muitas de suas atuações em relação à iniciativa privada, premida pela sanha arrecadatória do Estado, em prejuízo do sistema constitucional pátrio (1 Alessi, Renato. “Institucines de Derecho Administrativo. Tomo I. Traducción dela 3ª edición italiana por Buenaventura Pellisé Prats.” Barcelona: Bosch, Casa Editorial, 1970).
Ilustra esse fato o que dissimuladamente ocorreu sob o subterfúgio de se por em prática a decisão do STF, quando a Receita Federal, sem nenhuma motivação plausível, inovou com um diferente manual para o PIS e a Cofins, o Guia prático da EFD Contribuições – versão 1.35: atualização em 18/06/2021, que erigiu uma quase insuperável dificuldade de requisitar que o levantamento dos valores indébitos, processualmente reconhecidos, seja apurado e demonstrado na metodização ‘produto-por-produto’ e para todo o lapso temporal, operação inviável de ser levada a cabo manualmente, sem morosidade inevitável, exaustivo trabalho e elevadíssima ocorrência de erros e inconsistências.
Daí a presente advertência, principalmente à PGFN, sobre o enganoso e insustentável PARECER 10 COSIT, de 1º de julho de 2021: artificialismo que busca uma descabida anuência para até mesmo desconsiderar os idôneos documentos fiscais exarados pela pessoa jurídica de quem o contribuinte do PIS e da Cofins não-cumulativos comprou suas mercadorias, títulos que, expedidos SEM excluir o ICMS do PIS e da Cofins, tomados seriam como se o fossem, vulnerando-se sua legitimidade, em total desrespeito à segurança jurídica, ferindo de morte a razoabilidade e a organização do próprio sistema tributário constitucional, a remeter novamente o tema ao STF.