Em se tratando de divórcio, é difícil pensar em outra temática que seja tão recorrente quando a saída do lar por parte de um dos cônjuges.
Não há dados estatísticos sobre a questão, mas a experiência adquirida após mais de 3.000 (três mil) processos me autoriza sustentar que essa retirada do lar ocorre em quase 98% dos casos, inclusive como uma condição sine qua non para que o ex-casal se autointitule SEPARADOS e, consequentemente, passem a buscar as informações e apoio jurídico necessários a formalização.
A despeito de corriqueiro, muitos colegas não atentam para os desdobramentos jurídicos-patrimoniais decorrentes dessa postura, e, consequentemente, para as soluções e recomendações que podem ser apresentadas aos clientes, as quais poderiam se apresentar como diferenciais no mercado.
Apesar de se tratar de medida das mais recomendáveis, com vistas a evitar maiores desgastes, acirramento dos ânimos e consequente agravamento do conflito que deu azo ao rompimento da relação, não se pode negar que essa medida pode trazer à tona um foco de debate: É justo que, mesmo sendo ambos legítimos proprietários do bem, apenas um exerça a posse direta, enquanto o outro, que se retira, se vê obrigado a assumir novas despesas de moradia?
A depender das circunstâncias que envolvem o término do relacionamento, bem como a existência ou não de filhos em comum, a análise do tema por vezes se vê contaminada pelas emoções, mas nós, técnicos que somos, não podemos nos deixar influenciar por circunstâncias que, à luz da legislação em vigor, se apresentam irrelevantes (sob o ponto de vista técnico, e não emocional).
A decisão emocional por se abster de implementar determinadas medidas judiciais não deve ser nossa, mas do cliente, que, para tanto, deve ser ampla e suficientemente informado acerca de seus direitos em potencial.
O fato em sí, de todo inegável, é que um dos proprietários está sendo parcialmente tolhido do seu direito de propriedade, o que traz a reboque despesas adicionais, cuja duração é imprevisível, assim como o é a data de desfecho do processo.
Surge, portanto, a grande pergunta: O CÔNJUGE QUE SAIU DE CASA, QUE NÃO ESTÀ PODENDO USUFRUIR DE UM PATRIMÔNIO QUE LHE É COMUM, TEM DIREITO A UMA INDENIZAÇÃO EQUIVALENTE A METADE DE UM ALUGUEL?
Veja-se que o questionamento é quanto a existência - ou não – de um direito a INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE ao que seria auferido à título de aluguel, e não o pagamento de um aluguel em sí, na medida em que não há entre os cônjuges (ou ex-cônjuges) qualquer liame de natureza locatícia.
Tal ressalva se mostra de extrema importância, na medida em que, no dia-a-dia forense, é corriqueiro se escutar e ler em petições a postulação para pagamento de ALUGUÉIS, o que, com o devido respeito, nos parece de todo equivocado.
Retomando o cerne do debate, quanto ao direito a uma indenização pelo não uso do bem comum, a primeiro destaque a se fazer é que sim, o direito a tal indenização é reconhecido pelos mais diversos Tribunais, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, a resposta não é tão singela, já que – como sempre – HÁ CONTROVÉRSIAS que precisam ser esclarecidas.
Para que se entenda o ponto nodal da divergência, é importante entender que no curso do processo de desvinculação patrimonial entre os cônjuges, estes mantêm duas espécies de vínculo em relação aos bens: mancomunhão e condomínio.
Em linhas gerais, antes da partilha os cônjuges/companheiros mantêm um vínculo de MANCOMUNHÃO em relação aos bens imóveis (na hipótese de bem comum). As partes possuem uma proporção ideal, já que o bem ainda é juridicamente indivisível, ou seja, um dos cônjuges não pode vender a parte só dele para terceiro.
Por outro lado, após a partilha judicialmente sacramentada, passam a estabelecer um vínculo de CONDOMÍNIO; uma espécie de “sociedade” em relação ao bem. No condomínio o ex-casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos livremente, desde que preservado o direito de preferência do condômino.
Resumindo, enquanto não for feita a partilha dos bens comuns, eles pertencem a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, e depois da partilha as partes passam a manter uma relação de condomínio sobre os bens.
A importância de tal distinção se dá pelo fato de que as controvérsias acerca do tema que envolve a indenização pelo uso de bem comum ostentam ligação direta com tais conceitos.
Há quem sustente (doutrina e jurisprudência), como ocorre no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais por exemplo, que a indenização em destaque somente é devida após partilha, ou seja, quanto as partes passam a manter uma relação de condomínio.
Particularmente, descordo de tal posicionamento, na medida em que, antes ou depois de partilha - não interessa –, a fruição do bem por um cônjuge só é hipótese manifesta de enriquecimento sem causa.
Nessa linha, mas sob fundamento diverso, é o entendimento majoritário no âmbito do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ou seja, de que é devida a indenização mesmo antes de ter ocorrido a partilha judicial, desde de que, frise-se, seja possível a identificação inequívoca dos bens e do quinhão de cada ex-cônjuge antes da partilha.
Respeitando opiniões em contrário, nos parece que a interpretação adotada pelo STJ de apresenta como a mais acertada.
Vozes que surgem em contrário via de regra clamam pela preservação do melhor interesse da criança quando o cônjuge que permanece no imóvel se encontra acompanhado pela prole do outrora casal, mas, com a devida vênia, tal fato em sí não afasta o direito a indenização.
Por outro lado, em sede de fixação de verba alimentar a ser paga pelo cônjuge que se retira do imóvel, há o Magistrado de considerar a aludida indenização como despesa que compromete a capacidade financeira do guardião, utilizando tal circunstância para fins de fixação do quantum.
Em outras palavras. Deve o Juiz analisar, dentro de um contexto de alimentos, que aquela indenização equivalente a meio aluguel é uma despesa imposta ao novo núcleo familiar.
O se apresenta com inadmissível é a confusão entre duas obrigações/direitos natureza completamente diferentes: uma é alimentar e outra não; uma é preferencial e a outra não; uma pode dar ensejo a prisão civil e a outra não.
Por fim, sob o enfoque prático que este texto pretende ressaltar, importa destacar que o termo inicial do dever de indenizar se dá com a CITAÇÃO da ação e arbitramento da indenização, ou da citação no processo de divórcio, se o pedido se der de forma incidental.
Portanto, mais uma razão para que o Advogado(a) fique atento a tal possibilidade e a informe ao cliente, sob pena de causar-lhe prejuízos materiais e, mais ainda, jogar fora boas possibilidades de honorários.