A pandemia de covid-19 perdura por quase dois anos e, com ela, muitas discussões sociais já foram levantadas. A mais recente delas é o decisão do Estado de São Paulo de obrigar os cidadãos de estar com a vacinação em dia para o livre acesso a ambientes fechados.
Os que se opõe ao ato estatal, se apoiam em dois pontos fundamentais: (i) a não restrição do direito de ir e vir e (ii) a liberdade individual de preservação da integridade física. Já os que defendem a vacinação em massa, não se apegam à restrição de liberdades individuais, mas, basicamente, no direito fundamental de se estar em um meio ambiente saudável e equilibrado.
Lembremos que não é a primeira vez que o ente federativo paulista passa por circunstâncias semelhantes, no que se refere à decisão sobre as liberdades individuais em contraposição ao bem estar coletivo.
Exemplo clássico disso foi a lei antifumo, a qual passou por celeuma bastante parecido, transferindo ao particular (no caso, proprietários de estabelecimentos) o dever de não permitir o uso do fumo dentro de ambientes fechados, tal qual se pretende agora, através da imposição ser fiscalizada a condição atualizada da vacinação contra o coronavírus de sua clientela.
Assim como o "passaporte da vacina", a lei antifumo nasceu com objetivos bem parecidos, pois foi disciplinada na redução do risco de doenças provocadas pela exposição à fumaça do tabaco e de outros produtos fumígenos, a defesa do consumidor e a criação de ambientes de uso coletivo livres do fumo.
Naquela oportunidade, o poder público procurou harmonizar procedimentos para a aplicação das sanções previstas na lei antifumo. Veja que, à época, foi necessária a transferência de responsabilidade ao particular para que os ditames da lei fossem eficazes ao bem comum.
A conjectura atual não é diferente: o Estado de São Paulo vem buscando mecanismos de atuação para proteger o meio ambiente saudável e o bem comum, sem ultrapassar a decisão do indivíduo que não quer se vacinar.
Como bem se sabe os atos da administração pública devem ser regidos de acordo com os princípios, fundamentos e objetivos da Constituição Federal de 1988.
O artigo 1º de nossa carta magna é expresso ao ditar que a República Federativa do Brasil de 1988 foi fundada, dentre outros, sob os fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana. O artigo 3º, por sua vez, indica que um dos objetivos de nossa nação é o de se garantir o bem de todos.
Além disso, o artigo 225, da Constituição Federal impõe ao poder público o dever de preservar o meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Portanto, a manutenção da vida digna, em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, longe de doenças altamente infecciosas e, por muitas vezes, fatais, não se trata de uma discricionariedade, mas de um dever do Estado (e da coletividade!).
Levando a teoria para a prática, no que se refere à problemática ora apontada, inferimos que o bem estar coletivo de se viver dignamente, sem riscos à saúde, supera a decisão individual de não se imunizar.
Diz-se isso, pois está mais do que comprovado que o coronavírus é potencialmente perigoso e de fácil circulação, além de já estar legitimada cientificamente a eficácia da vacina para a diminuição da ocorrência de casos e de mortes por covid-19.
É dizer, sempre que uma decisão do ente público surgir, devemos, como cidadãos, analisá-la sob o viés de "nós enquanto sociedade" e não pelo viés de "nós enquanto indivíduos".
O direito à vida digna será sempre o nosso bem maior, de modo que são justificadas as decisões do Estado em restringir o acesso de pessoas não vacinadas, ante ao objetivo de dar condições mínimas de sobrevivência da coletividade.
Pensemos e sopesemos os pontos acima listados não pelo viés pessoal, mas pelos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, com a finalidade de uma sociedade sadia e livre de agentes que possam macular a vida digna.