1. Considerações gerais
Trata-se de uma novidade introduzida no direito brasileiro pela lei 14.195, de 26/8/21, por meio de nova redação dada aos artigos 15 e 16 da lei 6.404/1976, a par da criação do art. 16-A. A abordagem feita neste momento volta-se exclusivamente para as companhias fechadas, deixando-se para outra obra desta coleção o tratamento da ação com voto plural nas companhias abertas. Observe-se que no direito comparado esse tipo de ação se coloca no plano das exceções1.
Evidentemente esses títulos se colocam no plano do controle da sociedade – que fica sensivelmente favorecido conforme se verá em seguida. O controle, como se sabe, consiste em um fator essencial para a estabilidade das companhias e sua operação segura no longo prazo para o fim da maturação bem-sucedida do projeto econômico presente no estatuto social. A ausência de controle definido implica no caos e em um vazio de poder que será preenchido de forma acidental e instável na companhia por ocasião das assembleias gerais, com evidente prejuízo para o seu bom andamento. Nessas circunstâncias ficarão prejudicadas até mesmo questões de identificação do controlador para o efeito de sua responsabilização por abuso de poder de controle. Tudo indica que o legislador não pensou em quadros negativos como esse quanto á tutela do instituto em questão.
Tradicionalmente no direito brasileiro a cada ação ordinária tem correspondido um voto, tal como constava do dec.-lei 2.627/1940, nossa lei anterior sobre as sociedades anônimas e o tema do controle dessas sociedades, foi construído dentro de um processo de idas e vindas no tocante ao nível de participação do controlador no seu capital.
A lei anterior estabelecia o limite de 50% do capital social para a emissão de ações preferenciais sem direito de voto art. 9º, parágrafo único. Dessa forma o controle absoluto da companhia era proporcionado pela titularidade de 50% (cinquenta por cento) mais uma ação ordinária, o equivalente a uma fração acima de 25% do capital social.
Em sua redação original a lei 6.404/1976 modificou o regime anterior, tendo permitido que fossem emitidas ações preferenciais sem direito de voto ou com voto restrito até 2/3 (dois terços) do capital social. Essa mudança implicou na redução da exigência para o controle absoluto das companhias para o patamar aproximado de 16,67% do capital social.
Em mais um movimento pendular a lei 10.303, de 31.10.2001 restabeleceu no parágrafo segundo do art. 15 da lei 65.404/1976 a limitação anterior, ou seja, as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição no direito de voto ficaram limitadas a 50% (cinquenta por cento) do capital social.
Ao serem criadas as ações com voto plural na reforma recente a participação do controlador para o fim de ter o controle absoluto da companha ficou sensivelmente reduzida, no patamar de 4,6% do capital social para as sociedades que tenham ações ordinárias e preferenciais e para 9% se ele for formado apenas por ações ordinárias, considerando-se o limite máximo de dez votos por ação ordinária, na forma do novo artigo 110-A da lei 6.404/1976, adiante examinado em maior profundidade.
A evolução do pensamento do legislador até a opção ora presente significa que o controlador arrisca proporcionalmente pouco capital no empreendimento encetado sob a forma de uma companhia quando feita a comparação com os acionistas minoritários e disso podem resultar problemas relacionados a um excessivo apetite por risco por parte do controlador, que possa a levar até mesmo a quebra daquela. Dessa forma mecanismos mais eficientes da liberdade do controlador pela assembleia geral deveriam ter sido adotados pelo novel legislador, o que não aconteceu.
O interesse pelo voto plural nas companhias fechadas se dará nos casos em que determinado empresário de reconhecido sucesso vier a se aliar a investidores (em número relativamente pequeno) para a exploração de um projeto econômico que poderá reultar em altos lucros, precisamente pela fama pregressa do primeiro em relação a aventuras anteriores, que se revelaram de grande sucesso. Em um momento seguinte poderá ser feita a abertura do capital de tal sociedade.
8.4.2.3.5.1.2 As condições para o voto plural na companhia fechada
Em primeiro lugar, estabelece o novo parágrafo único do art. 16 que a alteração do estatuto na parte em que regula a diversidade de classes requererá a concordância de todos os titulares das ações atingidas, caso a matéria não tenha sido expressamente prevista e regulada. Ora, como o voto plural é uma novidade, certamente não houve no passado a sua instituição pelo estatuto e, portanto, a concordância unânime será sempre exigida. Mas a lei deixa dúvidas sobre essa interpretação. O certo é que essa regra valerá para o futuro, com o objetivo da criação de novas classes de ações dessa espécie, ao lado ou não das já existentes.
Conforme foi dito acima, nos termos do também novo art. 110-A da lei 6.404/1976 é de dez o número máximo de votos por ação de voto plural, dede que: (i) a criação dessas ações seja aprovada em assembleia geral extraordinária por metade, no mínimo, do total de votos conferidos pelas ações com direito de voto; (ii) metade, no mínimo, das ações preferenciais sem direito de voto ou com voto restrito, neste caso reunidas em assembleia geral especial convocada e instalada na forma da lei; e (iii) seja assegurado aos acionistas dissidentes o direito de se retirarem da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações nos teros do art. 45, a não ser que a criação das ações com voto plutal já estiver prevista ou autorizada pelo estatuto.
Observe-se que o estatuto social poderá exigir quórum maior para as referidas deliberações.
Segundo a regra geral da lei o voto plural tem o prazo de vigência de 7 (sete) anos, prorrogável por igual prazo. Neste caso deverão ser observadas as regras sobre a convocação da assembleia geral que deliberará sobre essa matéria, garantido o direito de recesso. Outra disposição da lei permite que os acionistas possam estipular no estatuto social o fim da vigência do voto plural condicionado a um evento ou termo. Terá correspondido o termo inicial ao projeto anteriormente aprovado pela sociedade para a sua consolidação a partir da direção dada pelo controlador, que não se torna mais necessária.
Nos termos da lei as ações com voto plural serão convertidas automaticamente em ações ordinárias sem esse voto nas hipóteses de: (I) sua transferência a terceiro a qualquer título, nas situações em que (i.1) o alienante permanecer indiretamente como único titular de tais ações e no controle dos direitos políticos por elas conferidos; (i.2) o terceiro for titular da mesma classe de ações com voto plural a ele alienadas; ou (i.3) a transferência ocorrer no regime de titularidade fiduciária para fins de constituição do depósito centralizado; ou (II) o contrato ou acordo de acionistas, entre titulares de ações com voto plural e acionistas que não sejam titulares de ações com voto plural, dispor sobre exercício conjunto do direito de voto.
Verifica-se, portanto, que é atribuída as ações com voto plural certo caráter personalista, vinculando-as ao acionista que foi originariamente favorecido com esse direito, caráter que as persegue nas transferências sucessivas em favor daquele ou de outro de titular dotado de igual direito, o que inclui a operação fiduciária específica acima nomeada. Não se percebe uma razão lógica para essa restrição, uma vez que, sem esse fator, seria a mesma a quantidade de ações com voto plural e, consequentemente, o eventual controle a elas ligado ficaria dentro do grupo de acionistas detentores desse direito. Isso significa dizer que, da forma como posto na lei, o adquirente de tais ações se desejar o controle da sociedade, terá de obtê-lo mediante a compra de maior quantidade de títulos que não estariam nas mãos do vendedor. Isso mostra a dificuldade eventual desinteresse de se operar com tais ações. Se é assim, o que explica a sua introdução na lei, diminuídas como se verifica.
A pluralidade de votos será desconsiderada nos casos em que a lei expressamente indicar quóruns com base em percentual de ações ou do capital social, sem menção ao número de votos conferidos pelas ações. Assim sendo, esse efeito não terá lugar, por exemplo, em relação aos casos do art. 136 da lei 6.404/1976 (pois o critério ali presente é o da metade, no mínimo do total de votos conferidos às ações com direito de voto), referido, precisamente, aos casos mais importantes da vida da companhia.
Por outro lado, é proibida a adoção do voto plural nas companhias fechadas em relação às assembleias de acionistas que deliberarem sobre a remuneração dos administradores. Mais uma vez não se entende a lógica econômico-jurídica para essa restrição, tendo o legislador demonstrado, mais uma vez, uma visão negativa do exercício de voto relacionado a tais ações.
Ao estatuto social cabe estabelecer, além do número de ações de cada espécie e classe em que se divide o capital, no mínimo: (I) o número de votos atribuído por ação de cada classe de ações ordinárias com direito a voto, respeitado o limite de que trata o caput deste artigo; (II) o prazo de duração do voto plural, observado o limite previsto no § 7º deste artigo, bem como eventual quórum qualificado para deliberar sobre as prorrogações, nos termos do § 3º deste artigo; (III) - se aplicável, outras hipóteses de fim de vigência do voto plural condicionadas a evento ou a termo, além daquelas previstas na lei.
Finalmente, observe-se que as disposições relativas ao voto plural não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista, às suas subsidiárias e às sociedades controladas direta ou indiretamente pelo poder público.
Ao fim e ao cabo a percepção que fica é no sentido de que a lei foi promulgada sem que estudos mais aprofundados tivessem sido feitos e/ou que tais títulos tenham sido regulados por um legislador docemente constrangido, mas pouco convencido. O futuro dirá se eles alcançarão sucesso.
1 Vide item 8.4.2.1, supra.