Desde os primórdios, os animais são tratados como instrumentos à disposição do homem auxiliando na locomoção, carregamento, caça e até como seres de companhia – confirmando a crescente importância para o progresso da humanidade. Nesse diapasão, na atualidade, ocorre um paradoxo interpretativo, pois muitas legislações atestam que os animais são bens semoventes não reconhecidos como sujeito de direitos, contrariando a concepção atual de que são criaturas sencientes (capazes de sentir sensações de forma consciente). Por conseguinte, diante de novas interpretações, a população, os legisladores e o poder público questionam sobre a necessidade da criação de leis que apliquem eficientemente a punição adequada a quem abandona e maltrata animais.
Segundo o Código Civil de 2002, os animais podem ser adquiridos com intuito de auxiliar o homem e se tornam uma propriedade deste. Neste contexto, quando se questiona a utilização de animais na indústria de cosméticos, na medicina ou na festa da Farra do Boi, percebe-se que a posse de animais descrita na lei pode mascarar a verdadeira finalidade de “auxílio,” cujo viés interpretativo se perfaz economicamente, visando o lucro. Desse modo, há questionamentos sobre a possibilidade de criação de uma legislação específica para preestabelecer um paradigma de proteção a estes seres indefesos.
Nesse plano de discussão, está em pauta um projeto de lei 6054, no Congresso Nacional, com finalidade de discutir a natureza jurídica sui generis dos animais, pois podem ser denominados sujeito de direito despersonalizados com necessidade de tutela jurisdicional específica. Outrossim, cada vez mais estes seres fazem parte da família e se tornam indispensáveis na companhia e no lazer. Faz-se relevante que se observe o que foi descrito na Constituição Federal, no artigo 225,” todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, devendo-se proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Todavia, num país com aproximadamente 100 milhões de animais domésticos, todo este aparato legislativo não tem conseguido inibir a prática de crimes que, muitas vezes, passam despercebidos pelas autoridades.
Finalmente, em 2020, o STJ aquiesceu que os animais são seres sencientes, abrindo um leque de interpretações no sentido de ampliar a proteção aos seres vivos. Nesse contexto, foi aprovado o aumento de pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa para crimes de maus-tratos e abandono de animais, na específica lei de Crimes Ambientais. Destarte, começou-se a perceber que os animais não são mera propriedade, mas sim seres que requerem cuidados especiais e respeito. Segundo a advogada criminalista e professora Adriana Filizzolla D`urso, todas as inovações legislativas que estão surgindo podem incentivar a promoção do combate à violência contra os seres vivos, possibilitando respostas aos questionamentos e anseios da sociedade em geral.
Diante do exposto, a evolução legislativa deve acompanhar o contexto histórico e teleológico de proteção animal. É fato que muitas legislações, ainda em vigor, não estão acompanhando as mudanças associadas às tratativas dos animais, que auxiliam a humanidade desde o pretérito. Faz-se necessário que estes seres apresentados como sencientes, sejam respeitados e haja punibilidade à altura dos danos causados pelos atos de crueldade e exploração.