Migalhas de Peso

O Direito brasileiro simbólico

Ineficácia da proteção dos direitos fundamentais diante de uma vasta legislação sem eficácia prática

6/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A Constituição de 1988 é conhecida como “Constituição Cidadã”. Isso porque ela prevê um rol extenso de direitos que, em tese, garantem a dignidade de todos os indivíduos. 

No seu art. 5º, a Constituição Federal assegura, em termos claros e expressos, o direito à igualdade. Pela Carta Magna, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Ainda, prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.  

Entretanto, de acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2019, a taxa de participação das mulheres na força do trabalho era 54,5% contra 73,3% dos homens. Ainda, no âmbito político, o percentual de mulheres eleitas vereadoras no Brasil era de apenas 16% no mesmo ano. Nas empresas, 37,4% dos cargos gerenciais eram ocupados por mulheres, enquanto 62,6% eram ocupados por homens (IBGE, 2021). 

Ainda, os dados da pesquisa demonstraram que, no ano de 2019, no Brasil, as mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas contra 11 horas). Embora na Região Sudeste as mulheres dedicassem mais horas a estas atividades (22,1 horas), a maior desigualdade se encontrava na Região Nordeste (21,8 horas contra 11,3 horas) (IBGE, 2021).  

Em 2019, as mulheres receberam 77,7% ou pouco mais de ¾ do rendimento dos homens. A desigualdade de rendimentos do trabalho apresentou-se em maior nível entre os indivíduos de grupos ocupacionais que auferem maiores rendimentos, como diretores e gerentes e profissionais das ciências e intelectuais, grupos nos quais as mulheres receberam, respectivamente, 61,9% e 63,6% do rendimento dos homens (IBGE, 2021).  

Um outro direito expressamente assegurado pela Constituição é o direito dos reclusos à integridade física, psíquica e dignidade, inerente a todo ser humano. O art. 5º, XLVIII, da Constituição Federal, garante que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. A Lei Suprema também determina, em seu art. 5º, L, que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. 

No ano de 2021, foram realizados levantamentos em que se verificou que o sistema carcerário possuía 682,1 mil presidiários, mas a capacidade era de 440,5 mil (déficit de 241,6 mil vagas no Brasil). Ainda, de acordo com dados publicados pelo Departamento Penitenciário Nacional, 74,85% dos estabelecimentos prisionais no Brasil foram construídos para a detenção de presos do sexo masculino, seguido de 18,18% para o público misto e 6,97% exclusivamente para as mulheres. 

Ainda, pelos dados fornecidos em 2017, cerca de 14,2% das unidades prisionais que recebem mulheres possuem um espaço reservado para gestantes e lactantes. 

Um outro direito expressamente previsto é o da criança, adolescente e jovem. No ordenamento jurídico brasileiro, o adolescente goza de intensa proteção, em diversos diplomas jurídicos. Nos termos do art. 227 da CF, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Conforme dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2018), no ano de 2016, o número de adolescentes em conflito com a lei foi de 26.450, sendo 46,6% pelo ato infracional de roubo, 22,5% pelo de tráfico de drogas, 9,8% por homicídio, 3,2% por furto, 2,9% por tentativa de homicídio, 2,5% por latrocínio e 1,9% por porte de arma de fogo, 1,2% por estupro, 1% por interceptação, 0,9% por tentativa de roubo, 0,7% por lesão corporal, 0,1% por sequestro e cárcere privado e 6,6% por outros tipos de conduta. 

Além disso, desde o ano de 1996, o número de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa aumentou gradativamente, salvo entre os anos de 2015 e 2016, em que observou-se uma pequena diminuição. 

A realidade vivida somente demonstra a ineficácia dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Nota-se, nesse sentido, que apesar de haver um amplo rol de direitos humanos expressamente assegurados pela Constituição, não há eficácia prática desses direitos. 

Thiago de Moraes
Procurador do MPF, Cientista Político Jurista.

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