Migalhas de Peso

Renegociação contratual em tempos de covid-19

Como pessoas e empresas podem renegociar seus contratos enquanto a pandemia continua afetando os negócios.

31/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Falar sobre como a pandemia do covid-19 afetou os negócios é algo comum – não há ninguém que não tenha sido, de alguma forma, afetado pelas mudanças sociais provocadas pela situação.

E, como todos os negócios são basicamente contratos postos em prática, é de suma importância saber como lidar com os efeitos da pandemia nos contratos.

O que é um contrato?

Basicamente qualquer relação entre duas pessoas, físicas e/ou jurídicas, é um contrato – seja ele escrito ou verbal.

Por exemplo, quando você compra algo de uma empresa, está fazendo um contrato de compra e venda, regido, na maior parte, pelo Código de Defesa do Consumidor.

Quando casa com alguém, faz um contrato típico regido pelo Código Civil. Quando abre uma empresa, faz um contrato social, regido também pelo Código Civil.

Como a pandemia afetou os contratos?

Restrições à circulação de pessoas, indefinições nas políticas públicas de enfrentamento à pandemia, uma sucessão de decretos estaduais e municipais restringindo as atividades econômicas e determinando o distanciamento social.

As empresas foram afetadas das mais diversas formas – mas, no geral, ou foram proibidas de funcionar ou sofreram uma queda abrupta nas vendas em razão da não circulação de seus clientes.

São raras as exceções e, dentre elas, não se tem notícias de pequenas e microempresas que estejam passando ilesas por este cenário.

O faturamento não caiu, despencou. As vendas sumiram.

As poucas pessoas que se aventuram a ter uma vida “normal” estão evitando gastos desnecessários, pesquisando muito antes de qualquer compra.

E o seu negócio, como ficou?

O aluguel segue vencendo todo o mês, os salários dos colaboradores são devidos (por mais que se perceba um esforço em relativizar as obrigações trabalhistas, o cenário ainda é de indefinição).

Como renegociar meu contrato de locação?

A renegociação de contratos de locação é uma das mais comuns nesse momento, especialmente se o tópico é o contrato de locação comercial.

A diminuição do fluxo de pessoas nas ruas, desde o início da pandemia, é inegável e muitos estabelecimentos comerciais (como restaurantes) tiveram um forte impacto na queda de faturamento.

Todavia, em grande parte ainda trata-se de negociação individual e cumpre as partes negociarem extra judicialmente uma diminuição temporária no valor.

O que se tem visto na prática é que muitos se socorrem diretamente da via judicial. Demandas para revisar contratos de locação estão especialmente em alta em sites que fornecem petições para advogados.

Todavia, na prática, o que tenho visto funcionar melhor são tratativas extrajudiciais.

Como renegociar contratos com os fornecedores?

Como mencionei no começo, a pandemia atinge a todos.

Tanto o empresário como seus parceiros compartilham das mesmas preocupações – incertezas do futuro, tributos e colaboradores.

Nada mais razoável que enfrentem juntos essa situação – cada dentro de sua capacidade operacional e financeira.

Muito tem se falado de caso fortuito e força maior na revisão de contratos, assim como da teoria da imprevisão – afinal, seu contrato não tem uma cláusula chamada Das Pandemias...

Seja qual for a teoria jurídica, todas chegam a um denominador comum: estamos diante de evento de proporções tão grandes que os contratos podem e precisam ser revistos.

E isso não é de agora.

A antiga Lei de Talião, aquela do olho por olho, dente por dente, é certamente a mais famosa a compor o Código de Hamurabi (que data do século XVIII a.C), que estabelecia a reciprocidade entre conduta/represália.

Mas tal Código continha outra norma absolutamente moderna, lá em seu 48º dispositivo, dizendo que se uma tempestade destrói a colheita, ou falta água, o devedor ficará isento de, neste ano, dar trigo ao credor, deixando de dever eventuais juros.

Sim! Desde o século XVIII a.C. os eventos alheios à vontade das partes são conhecidos das normas jurídicas, e relevante o suficiente para alternar os contratos.

No Brasil, o Código Civil deixa bastante claro que os contratos podem ser resolvidos em caso de onerosidade excessiva (Art. 478).

Nos tempos atuais, existirão casos nos quais os contratos serão, sim, rompidos – seja pelo encerramento das atividades de uma das partes, seja pela absoluta desnecessidade do serviço.

Porém, não acredito ser essa a regra geral, nem tampouco a melhor solução.

Nenhum empresário quer encerrar suas atividades, e nenhum fornecedor que perder um cliente.

É o momento de analisar contrato a contrato, obrigação a obrigação, e antes de rescindir ou de comunicar que não irá mais realizar os pagamentos, analisar caso a caso para ver como podem as partes atravessar este momento juntas.

Aquele que tiver maior musculatura deverá suportar um ônus um pouco maior do que aquele em situação mais frágil – não importando aqui quem é fornecedor/cliente.

E minha imagem, como fica?

Bom, dito tudo isso, fica claro que o foco deve ser: como queremos estar quando tudo isso passar?

Queremos estar juntos, retomando o crescimento?

Então é agora que vamos plantar esta retomada: suspender os pagamentos em alguns casos, em outros transferir para mais adiante, mas em todos o importante será renegociar as obrigações para que não fiquem pesadas demais para nenhuma das partes.

São diversas as soluções possíveis antes de simplesmente mandar um malfadado e-mail ou simplesmente fechar as portas e sumir do mapa.

Muito será perdido durante a pandemia. Vidas, empregos...

Mas algumas coisas podem, incrivelmente, sair fortalecidas, e dentre elas estão sua reputação e suas parcerias.

Pense nisso.

Vai passar.

E como você quer estar quando este momento chegar?

Williann Georgi
Advogado formado pela UFSM, especialista em Direito Tributário pelo IBET.

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