O processo 0010781-32.2015.5.01.0025 oriundo da 25ª Vara do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro apresentou espelhou os direitos trabalhistas de um barbeiro.
Na ocasião, em exordial, o empregado indicou a tentativa de fraude da Reclamada em criar um MEI, assim, caracterizando a pejotização.
A “pejotização” é um fenômeno em que a empresa contrata “funcionários” com CNPJ, contudo age em conformidade com todos os requisitos da relação de emprego preconizado pelo Art. 3 da CLT: “Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”.
Na decisão proferida pelo juízo supramencionado, no dia 20/07/2016, o magistrado reconhece o vínculo empregatício, posto que identifica todos os requisitos na relação entre as partes:
“Diante disso, reconheço o vínculo de emprego entre reclamante e reclamada pelo período de 05/11/2013 a 01/05/2014 e determino que a ré proceda à assinatura da CTPS do demandante, no prazo de 10 dias, para fazer constar o contrato de trabalho ora reconhecido, na função de barbeiro.” (Processo 0010781-32.2015.5.01.0025, p. 1).
Cabe aqui indicar, de forma rápida os requisitos para a caracterização de relação de emprego.
A pessoalidade é identificada pela relação intuitu personae do contrato de trabalho. Sendo assim, o contrato é firmado com pessoa física específica e esta, em regra, não poderá ser substituída. A não eventualidade ou ineventualidade é o segundo requisito da relação de emprego. Neste, a prestação de serviço do trabalhador tem de ser habitual, com clara constância e regularidade. O terceiro requisito é a subordinação hierárquica ou jurídica em que o trabalhador posiciona-se em relação de dependência de sua atividade laboral, sujeitando-se ao poder direto do empregador. O quarto requisito é a onerosidade, que, de fácil compreensão, indica a necessidade de o trabalhador receber contraprestação pelo seu serviço, seja este salário, comissão ou utilidades com pagamento feito diariamente, por horas ou mensalmente.
Portanto, ao analisar os autos, o magistrado entendeu pela existência de vinculo de emprego.
Na mesma decisão, o salário “por fora” fora abordado e dado procedência. Na ocasião entendeu-se que o Reclamante recebia comissões para cada corte de cabelo feito no patamar de 30%, alcançando remuneração semanal. Em depoimento, o Reclamante informou não receber salário, sendo corroborado pelo preposto da Ré, fato este que justificou a procedência do referido pedido.
Salário “por fora” é a remuneração acima do valor declarado em folha de pagamento, não integrando o contracheque. Nesse sistema “por fora” de pagamento, o objetivo das empresas é livrar-se dos encargos trabalhistas decorrentes do contrato de trabalho firmado.
Tal ato é ilegal, sendo comum sanção para as empresas praticantes, fato este que se replicou na decisão dos autos supramencionados.
Na ocasião, o magistrado definiu o valor de R$ 3.210,00 como o salário do Reclamante, valor este retirado do cálculo da comissão, de R$ 750,00, multiplicado por 4,28 semanas, conforme trecho da decisão a seguir:
“Diante disso, tenho por comprovado o pagamento de comissões sem registro pela ré, razão pela qual declaro que o reclamante recebia como salário o valor de R$ 3.210,00, considerando a comissão semanal recebida no valor de R$ 750,00, multiplicado por 4,28 semanas (resultando em 30 dias).
Ato contínuo, condeno a empresa ao pagamento do repouso semanal remunerado sobre esse valor (R$ 3.210,00).” (Processo 0010781-32.2015.5.01.0025, p. 2).
Há neste caso aplicação límpida do Princípio da Primazia da Realidade, em que a realidade dos fatos sobrepõe a formalidade do contrato firmado. No caso em questão, todo o cotidiano do Reclamante junto a Reclamada caracterizava vinculo de trabalho, sendo, portanto, as comissões “por fora” utilizadas como parâmetro salarial.
“Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” (CLT).
Cabe indicar que o Reclamante apresentou provas do fato constitutivo de seu direito, com fulcro no Art. 818, I da CLT:
“Art. 818. O ônus da prova incumbe:
I - ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito;”
Entendimento corroborado por decisão proferida pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:
“SALÁRIO PAGO "POR FORA". É ônus do trabalhador provar a ocorrência de pagamento realizado “por fora”, nos termos dos artigos 818 da CLT e inciso I do artigo 333 do CPC. Assim, havendo prova robusta do seu pagamento, de se deferir a sua integração ao salário e respectivos reflexos. Recurso a que se dá parcial provimento. (Processo 0000777-35.2010.5.01.0081 – RTOrd).”
Cabe aqui informar que o Reclamante também alcançou sucesso em pagamentos por horas extras e verbas resilitórias.
Assim, a decisão do magistrado identificou de forma correta e objetiva os direitos pertinentes ao Reclamante, sendo confirmado a este a inserção das comissões em seu salário, assim como o reconhecimento do vínculo empregatício.
Não satisfeitos, a Reclamada apresentou Recurso ordinário no afã de ver modificada a decisão de juízo a quo.
Os pedidos indicados eram a redução do valor pago por comissões “por fora”, a improcedência do pagamento pelas horas extras e a redução do valor pago a título de verbas resilitórias.
Como resposta, a Sexta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região negou provimento do RO. Reforçou de pronto a decisão proferida por juízo a quo, consolidando os direitos do Reclamante.
Um fato importante a ser destacado consta na fundamentação da permanência da decisão quanto às comissões “por fora”. A colenda turma utilizou, por analogia, o Art. 7º, C, da lei 605/94, que apresenta a remuneração do repouso semanal. Sendo assim, a referida comissão recepcionada pelo Reclamante estaria contemplada pelo dispositivo legal indicado, fato este corroborado pela Súmula 27 do TST: “É devida a remuneração do repouso semanal e dos dias feriados ao empregado comissionista, ainda que pracista.”.
Quanto às horas extras, a ausência de apresentação pela Reclamada de folhas de ponto corroborou a manutenção da decisão de juízo a quo, em conformidade com a Súmula 338, I, TST:
“JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais 234 e 306 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.
I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)”.
Finalmente, conclui-se que as decisões indicadas apresentam a consolidação da busca pela paz social através do Direito do Trabalho, reafirmando a proteção constitucional ao trabalhador no Brasil.