Migalhas de Peso

Barbeiro tem vínculo de emprego reconhecido e comissões integradas no salário

A decisão fora proferida pelo juízo da 25ª Vara do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro, sendo reforçada pelos desembargadores da Sexta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Assim fora reconhecido o vínculo empregatício do mesmo e a inclusão do salário “por fora”.

27/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O processo 0010781-32.2015.5.01.0025 oriundo da 25ª Vara do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro apresentou espelhou os direitos trabalhistas de um barbeiro.

Na ocasião, em exordial, o empregado indicou a tentativa de fraude da Reclamada em criar um MEI, assim, caracterizando a pejotização.

A “pejotização” é um fenômeno em que a empresa contrata “funcionários” com CNPJ, contudo age em conformidade com todos os requisitos da relação de emprego preconizado pelo Art. 3 da CLT: “Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”.

Na decisão proferida pelo juízo supramencionado, no dia 20/07/2016, o magistrado reconhece o vínculo empregatício, posto que identifica todos os requisitos na relação entre as partes:

“Diante disso, reconheço o vínculo de emprego entre reclamante e reclamada pelo período de 05/11/2013 a 01/05/2014 e determino que a ré proceda à assinatura da CTPS do demandante, no prazo de 10 dias, para fazer constar o contrato de trabalho ora reconhecido, na função de barbeiro.” (Processo 0010781-32.2015.5.01.0025, p. 1).

Cabe aqui indicar, de forma rápida os requisitos para a caracterização de relação de emprego.

A pessoalidade é identificada pela relação intuitu personae do contrato de trabalho. Sendo assim, o contrato é firmado com pessoa física específica e esta, em regra, não poderá ser substituída. A não eventualidade ou ineventualidade é o segundo requisito da relação de emprego. Neste, a prestação de serviço do trabalhador tem de ser habitual, com clara constância e regularidade. O terceiro requisito é a subordinação hierárquica ou jurídica em que o trabalhador posiciona-se em relação de dependência de sua atividade laboral, sujeitando-se ao poder direto do empregador. O quarto requisito é a onerosidade, que, de fácil compreensão, indica a necessidade de o trabalhador receber contraprestação pelo seu serviço, seja este salário, comissão ou utilidades com pagamento feito diariamente, por horas ou mensalmente.

Portanto, ao analisar os autos, o magistrado entendeu pela existência de vinculo de emprego.

Na mesma decisão, o salário “por fora” fora abordado e dado procedência. Na ocasião entendeu-se que o Reclamante recebia comissões para cada corte de cabelo feito no patamar de 30%, alcançando remuneração semanal. Em depoimento, o Reclamante informou não receber salário, sendo corroborado pelo preposto da Ré, fato este que justificou a procedência do referido pedido.

Salário “por fora” é a remuneração acima do valor declarado em folha de pagamento, não integrando o contracheque. Nesse sistema “por fora” de pagamento, o objetivo das empresas é livrar-se dos encargos trabalhistas decorrentes do contrato de trabalho firmado.

Tal ato é ilegal, sendo comum sanção para as empresas praticantes, fato este que se replicou na decisão dos autos supramencionados.

Na ocasião, o magistrado definiu o valor de R$ 3.210,00 como o salário do Reclamante, valor este retirado do cálculo da comissão, de R$ 750,00, multiplicado por 4,28 semanas, conforme trecho da decisão a seguir:

“Diante disso, tenho por comprovado o pagamento de comissões sem registro pela ré, razão pela qual declaro que o reclamante recebia como salário o valor de R$ 3.210,00, considerando a comissão semanal recebida no valor de R$ 750,00, multiplicado por 4,28 semanas (resultando em 30 dias).

Ato contínuo, condeno a empresa ao pagamento do repouso semanal remunerado sobre esse valor (R$ 3.210,00).” (Processo 0010781-32.2015.5.01.0025, p. 2).

Há neste caso aplicação límpida do Princípio da Primazia da Realidade, em que a realidade dos fatos sobrepõe a formalidade do contrato firmado. No caso em questão, todo o cotidiano do Reclamante junto a Reclamada caracterizava vinculo de trabalho, sendo, portanto, as comissões “por fora” utilizadas como parâmetro salarial.

“Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” (CLT).

Cabe indicar que o Reclamante apresentou provas do fato constitutivo de seu direito, com fulcro no Art. 818, I da CLT:

“Art. 818.  O ônus da prova incumbe:

I - ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito;”

Entendimento corroborado por decisão proferida pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:

“SALÁRIO PAGO "POR FORA". É ônus do trabalhador provar a ocorrência de pagamento realizado “por fora”, nos termos dos artigos 818 da CLT e inciso I do artigo 333 do CPC. Assim, havendo prova robusta do seu pagamento, de se deferir a sua integração ao salário e respectivos reflexos. Recurso a que se dá parcial provimento. (Processo 0000777-35.2010.5.01.0081 – RTOrd).”

Cabe aqui informar que o Reclamante também alcançou sucesso em pagamentos por horas extras e verbas resilitórias.

Assim, a decisão do magistrado identificou de forma correta e objetiva os direitos pertinentes ao Reclamante, sendo confirmado a este a inserção das comissões em seu salário, assim como o reconhecimento do vínculo empregatício.

Não satisfeitos, a Reclamada apresentou Recurso ordinário no afã de ver modificada a decisão de juízo a quo.

Os pedidos indicados eram a redução do valor pago por comissões “por fora”, a improcedência do pagamento pelas horas extras e a redução do valor pago a título de verbas resilitórias.

Como resposta, a Sexta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região negou provimento do RO. Reforçou de pronto a decisão proferida por juízo a quo, consolidando os direitos do Reclamante.

Um fato importante a ser destacado consta na fundamentação da permanência da decisão quanto às comissões “por fora”. A colenda turma utilizou, por analogia, o Art. 7º, C, da lei 605/94, que apresenta a remuneração do repouso semanal. Sendo assim, a referida comissão recepcionada pelo Reclamante estaria contemplada pelo dispositivo legal indicado, fato este corroborado pela Súmula 27 do TST: “É devida a remuneração do repouso semanal e dos dias feriados ao empregado comissionista, ainda que pracista.”.

Quanto às horas extras, a ausência de apresentação pela Reclamada de folhas de ponto corroborou a manutenção da decisão de juízo a quo, em conformidade com a Súmula 338, I, TST:

“JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais 234 e 306 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.

I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)”.

Finalmente, conclui-se que as decisões indicadas apresentam a consolidação da busca pela paz social através do Direito do Trabalho, reafirmando a proteção constitucional ao trabalhador no Brasil.

Vitor Hugo Lopes
Advogado. Pós Graduado em Direito Empresarial e Direito imobiliário. Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

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