A recente ementa 60 ao Projeto de lei – PL 2337/2021 apresentada pela Deputada Tábata Amaral 1 surpreendeu inúmeros profissionais que atuam a área fiscal e jurídico-tributária.
O texto proposto cria a Agência de Proteção do Público que teria como competência “regulamentar a atividade do planejador tributário”, a saber:
"Art. 66-B. A Câmara dos Deputados criará a Agência de Proteção do Público, órgão com a competência de regulamentar a atividade de planejador tributário, estritamente com a finalidade de instruir a atividade legislativa relacionada aos objetivos desta lei, nos termos deste artigo, no prazo de doze (12) meses após a publicação desta lei.
§ 1º Será considerado planejador tributário o profissional que desempenhe funções voltadas para reduzir o pagamento de tributos federais pelos seus clientes, ainda que de forma lícita, sejam os clientes pessoas físicas ou jurídicas, independentemente da formação acadêmica do profissional ou do seu pertencimento a categoria regulamentada por conselho profissional.
§ 2º O disposto no § 1º alcança inclusive o advogado, o contabilista, o administrador e o bancário.
§ 3º A caracterização como planejador tributário independe da forma de formalização de sua atividade, alcançando inclusive o autônomo, o microempreendedor individual e o assalariado.
§ 4º O planejador tributário deverá obrigatoriamente notificar ao órgão de que trata o caput sobre quaisquer novas práticas que sejam de seu conhecimento e que visem elidir à tributação decorrente dos dispositivos desta lei, inclusive a tributação decorrente de revogação de isenção ou alteração de alíquota.
§ 5º O órgão de que trata o caput dará ampla publicidade às notificações de que trata o art. 4º, e informará às Deputadas e aos Deputados sobre quais medidas legislativas podem ser tomadas para restaurar os efeitos pretendidos com esta lei.
§ 6º É facultada a instituição do órgão de que trata este artigo por ato da Mesa Diretora."
Do texto fica evidente a intenção é impedir o exercício da autonomia privada. É uma tentativa de proibir ATOS LÍCITOS praticados pelos contribuintes.
Para restringir o livre exercício da atividade econômica praticada na forma da lei, pelos contribuintes e pelos denominados “planejadores tributários”, seria necessário alterar a Constituição Federal, assim como as leis de direito privado. Mais que isso, seria necessário modificar profundamente o sistema capitalista em que vivemos.
A justificativa da Emenda 60 é curiosa: “no mundo todo legisladores e servidores dos fiscos competem com uma gama de especialistas cujo trabalho - bem-remunerado - é encontrar formas de manipular riquezas para que paguem menos impostos”.
Nesse ponto, o texto de Pedro Fernando Neri causou ainda maior desconforto, ao superestimar os profissionais do “Sinditribo”, que em sua opinião teriam o poder de “deixar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres”.
Ledo engano. As falhas e injustiças do sistema tributário brasileiro não podem ser imputadas aos profissionais que nele atuam. Comparativamente é culpar os médicos pela doença. É praticamente uma inversão da lógica.
Ao contrário do que afirmam os defensores da Emenda 60, as lacunas e inconsistências são absolutamente conhecidas pelos profissionais da Secretaria da Receita Federal e atestadas por inúmeros estudos de organizações mundiais como a OCDE e o Banco Mundial. E mais, ousamos dizer que muitas das ambiguidades do sistema jurídico tributário são propositais, feitas para serem exploradas pelo Fisco, que com bastante frequência adota interpretação extensiva e analógica das leis tributárias. Tal emenda faz parecer que complicar a vida do contribuinte é um direito da Receita Federal, mas o direito de se defender está sendo tolhido.
E quem seriam os “planejadores tributários” que se pretende combater? Os “planejadores tributários” são profissionais habilitados, que durante anos estudaram direito, contabilidade, economia, administração e que prestam serviços a empresas. Muitos deles no regime usual de relação trabalhista. E estão sujeitos ao controle dos órgãos de classe: OAB, CRC, CRA e outros. Não são aventureiros, mágicos e nem sonegadores. São profissionais que agregam valor e eficiência na atividade econômica da empresa e pagam seus impostos. São pessoas que se dedicam a estudar esse sistema tributário caótico, que tem mais de 400 mil normas editadas pela União, por 26 Estados, pelo Distrito Federal e por mais de 5.500 Municípios. São pessoas que trabalham duro para cumprir as obrigações tributárias principais e acessórias, cuja burocracia é recorde mundial 2.
Os “planejadores tributários” são profissionais que agem de modo legal e constitucional. Não praticam e nem incentivam a prática de sonegação fiscal. A sua conduta pauta-se no direito do contribuinte de organizar seus negócios de modo inteligente e eficaz, para obter lucro. São a consequência do caos do sistema tributário e não a razão da desigualdade. Ao contribuinte cabe seguir as leis e procurar o melhor para seus negócios. Ao Governo cabe fiscalizar e punir aqueles que buscarem um caminho não legalizado para não pagar os impostos.
As causas da injustiça social são outras: a má qualidade do gasto público, a corrupção, pouco acesso à educação, ausência de serviços básicos e outros. Se vivemos em uma sociedade capitalista, desigual e injusta, a culpa não é dos “planejadores tributários”. O dever de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3, I da CF) é prioritariamente dos membros do Poder Legislativo e Executivo. A origem da desigualdade da sociedade brasileira não é forma a arrecadação de tributos, mas o destino que lhes dão.
A Emenda 60 propõe mais um gasto público, com a criação da Agência de Proteção do Público, que obviamente terá uma estrutura funcional para desempenhar a função de “caça aos Planejadores Tributários”. Somaremos ao já extenso rol do funcionalismo público federal – que segundo o portal da transparência tem mais de um milhão de servidores 3– outras centenas de profissionais cuja finalidade bastante questionável e já é exercida pelos auditores da receita federal do Brasil. A reforma administrativa – que é urgente e tem o potencial de alavancar nossa economia 4 – ainda não saiu do papel. Nesse ponto, cabe a observação do Professor Luis Eduardo Schoueri: “O molho não pode ficar mais caro que o frango” 5.
De forma um tanto ingênua, a Emenda 60 propõe que os planejamentos tributários sejam comunicados à Câmara dos Deputados, para que “a Representação Popular esteja a par de mecanismos privados de malabarismos que visem a diminuição de pagamento de tributos” e restaurem a eficácia da norma tributária. Os representantes do legislativo, que desde os anos noventa não conseguiram chegar em um acordo sobre tão desejada reforma tributária, ficariam encarregados construir um escudo “antiplanejamento tributário”.
Não é essa competência do Poder Legislativo. Ao Congresso Nacional cabe editar as leis federais sobre as matérias do art. 48 e exercer as competências exclusivas do art. 49 da Constituição Federal.
A execução das leis compete ao Poder Executivo e, nesse âmbito, pela lei 11.457/2007 é dever da Secretaria da Receita Federal fiscalizar e arrecadar todos os tributos federais. O órgão colegiado que a Deputada Tábata Amaral sugeriu criar, invadiria a competência do Poder Executivo, notadamente, da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Assim sendo, a Emenda 60 sugerida pela Deputada Federal Tábata Amaral além de ser sofrível e não refletir a realidade, é ilegal e inconstitucional, pois pretende restringir a autonomia privada e a livre iniciativa, assim como burlar a tripartição de Poderes.
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1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.
3 Disponível aqui.
4 "Reforma financeira federativa já! Não basta a reforma tributária."