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O acordo de leniência e a CF/88

Neste artigo analiso o acordo de leniência da lei 12.529/11 e o confronto com sua receptividade pela Carta Magna brasileira.

17/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O ACORDO DE LENIÊNCIA E A CF/88 

Introdução 

O acordo de leniência, tipificado na Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, nos artigos 86 e 87, permite ao CADE, por atividade de sua Superintendência-Geral, a extinção da ação punitiva ou a redução de penalidade para as pessoas físicas ou jurídicas autoras de infração a ordem econômica.  Nessa seara, o programa de leniência promove, para o infrator, a vantagem da impunidade. Pode isso CF/88? 

Sendo assim, pretende-se analisar, através do método dedutivo, se o acordo de leniência pode ser usado no Brasil. Foram utilizadas pesquisas bibliográficas, doutrinárias e jurisprudenciais do CADE, não descartando a pesquisa por via eletrônica (internet). 

Com a palavra: a CF/88 

O programa de leniência está descrito no Capítulo VII da Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, nos artigos 86 e 87. Cabe estabelecer a receptividade da Constituição Federal do Brasil ao tema, bem como uma pequena descrição do pólo ativo para celebração do programa junto às pessoas físicas e jurídicas. 

A defesa do sistema financeiro nacional guarda preocupação explícita na Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF88), como descreve o art. 192: 

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.1 

A manutenção da saúde do sistema financeiro nacional é fundamental para o desenvolvimento das finanças públicas e da economia nacional (AMARAL, 2010, p. 15), sendo assim, as operações financeiras são rigidamente controladas pelo Estado, com regras destinadas a garantir transparência no funcionamento das instituições e maior segurança dos investimentos e operações realizadas. 

Por conseguinte, a manutenção da ordem econômica guarda idêntico valor; entende-se ordem econômica, com auxílio de Amaral (2010), como “a regulação, a organização, produção, circulação, distribuição e consumo de bens econômicos”. Especial atenção se encontra na CF88: 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV - livre concorrência; 

Dentre os princípios gerais da atividade econômica, a livre concorrência é alvo de especial tutela sob a rubrica dos crimes contra a ordem econômica (AMARAL, 2010, p.60); a incriminação do abuso do poder econômico, que a abala, está amparado na CF88, Art. 173, § 4º: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.” 

O instituto legal que atende a fomentação constitucional e procura intimidar qualquer mitigação a livre concorrência, é a Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, ainda altera a Lei 8.137/1990 (crimes contra a Ordem Tributária econômica e contra as relações de consumo), o Decreto Lei 3.689/41 (Código de processo penal brasileiro), a Lei 8.884/94 (infrações contra a Ordem Econômica) e a Lei n° 9.781/99 (dava competência ao CADE, foi revogado pela Lei em estudo). A lei de defesa da concorrência, em seu art. 2°, se aplica a todo o território brasileiro, porém de forma mitigada, pois respeita as convenções e tratados internacionais desde que seja signatário o Brasil. 

O SBDC é composto pelo Conselho administrativo de defesa econômica (CADE) e pela Secretaria de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda. O CADE é uma autarquia federal vinculada do Ministério da Justiça, com sede no Distrito Federal; é uma entidade judicante constituída pelo Tribunal administrativo de defesa econômica, pela Superintendência-Geral e pelo Departamento de Estudos Econômicos. A missão do CADE, descrita em sua página oficial na internet2, é assegurar uma livre concorrência no mercado, com investidura para fomentar a cultura da livre concorrência, investigar e decidir sobre a matéria concorrencial, como grau de última instância. Extrai-se de seu conceito a tríplice função3: uma preventiva, uma repressiva e uma educacional. Já a Secretaria de acompanhamento econômico, de acordo com o art. 19 da Lei 12.589/11, promove a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade, cabendo ainda opinar nos atos normativos e proposituras legais nas Casas Legislativas Federais, Estaduais e Municipais quando o assunto envolver a promoção da concorrência; ainda pelo art. 19 retro, elege uma relação de itens dessa natureza, por exemplo, estabelecendo competência para opinar nas propostas de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados pelas agencias reguladoras (item I), sobre as minutas dos atos normativos elaborados por qualquer entidade pública ou privada quando o assunto for concorrência (item II), opinar em proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional (item III) e em caráter mais abrangente, como propor revisão de leis, regulamentos e outros atos normativos da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal que afetem a concorrência nos diversos setores econômicos do Pais (item VI). 

Destaca-se, dessas entidades, para fins desse artigo, o CADE, mas precisamente a Superintendência-Geral, pela sua competência para a celebração do acordo de leniência, por força do caput do art. 86 da Lei 12.529/11. 

Art. 86.  O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e

II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. 

O acordo traz como consequência a extinção da ação punitiva (perdão) e a redução da penalidade (redução) que seria aplicada, desde que a colaboração seja efetiva na identificação de outras pessoas envolvidas e na obtenção de informações que comprovem a infração, caso contrário, sendo ineficiente sua colaboração, não cabe a medida acordada. Uma vez cumprido o acordo, segundo Amaral (2010, p.88), extingue-se a punibilidade dos crimes referidos automaticamente (Art. 87, Lei 12.529/11). Fruto do acordo, também, é a suspensão prescricional, além daquelas previstas no art. 116 do Código Penal Pátrio. O parágrafo único do art. 87 da lei em estudo relata que “... a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional...”. Segundo o ator logo acima citado, apesar de um atentado a direito do réu, a suspensão do prazo em tela, quando comparado com o benefício do acordo, se mostra benéfico. 

Cabe destacar que o perdão e a redução não impedem o percurso regular da ação que comina ou cominará o previsto legal, visto que tal benefício está condicionado. Que fique claro que, “... a polícia ou o Ministério Público quando propõem a delação premiada devem esclarecer que as informações têm que ser comprovadas e resultarem em medidas eficientes (localização do produto do crime ou identificação de autores) e que o juiz poderá entender que a colaboração não foi eficaz e, assim, deixar de conceder o benefício” (AMARAL, 2010, p.95) 

São competências também da Superintendência-Geral, conforme o artigo 13 da Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, a instauração de inquéritos administrativos quando dos indícios de infrações a ordem econômica (Item V do art. 13) e, para instrução do mesmo, requisitar esclarecimentos orais de quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, autoridades ou entidades, públicas ou privadas (letra “b”, item VI do art. 13) ou requerer ao Poder Judiciário, por intermédio da Procuradoria Federal junto ao CADE, o mandado de busca e apreensão de objetos, papéis, dados eletrônicos, computadores e documentos de qualquer natureza (letra “b”, item VI do art. 13). A Superintendência-Geral é composta pelo Superintendente-Geral, escolhido pelo Presidente da República, entre os cidadãos com mais de 30 anos de idade, com notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada para um mandado de dois anos, podendo ser reeleito uma vez (parágrafo 2°, art 12, Lei 12.529/11).

Conclusão

O instituto da leniência no Brasil é tipificado na Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, nos artigos 86 e 87. Por força dessa lei, permite a Superintendência-Geral, órgão do CADE, a extinção da ação punitiva ou a redução de penalidade para as pessoas físicas ou jurídicas autoras de infração a ordem econômica.  

A questão levantada nesse artigo indagava se o programa de leniência possui guarita na CF/88, dado que o infrator, ficando impune e ainda livre dos outrora co-autores, atuais cúmplices desavisados, seria suportável legalmente. 

Pela contribuição do Conselheiro do CADE, Paulo Furquim de Azevedo, através de voto proferido em Processo Administrativo 08012.011142/2006-79, em 17 de dezembro de 2008, foi esclarecido que há uma variável que atenta contra o fator dissuasor de práticas lesivas à concorrência, que é o perdão da punição ao aderente, pela troca de informações relevantes. 

O Poder Público aumenta a probabilidade de detecção dessa conduta sombria, pela outrora dificuldade de detecção, avançando então as amarras do Estado em busca da infração. 

Outrora não se descarta que, por ser infrator denunciante, e ainda, saindo impune, de ousar e usar a ferramenta legal para benefício próprio, livrando de per si a concorrência.

____________ 

1 CF88. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

2 Disponível em http://www.cade.gov.br

3 Preventiva: de analisar e posteriormente decidir sobre as fusões, aquisições de controle, incorporações e outros atos de concentração econômica entre grandes empresas que possam colocar em risco a livre concorrência.Repressiva: Investigar, em todo o território nacional, e posteriormente julgar cartéis e outras condutas nocivas à livre concorrência. Educacional ou pedagógica: Instruir o público em geral sobre as diversas condutas que possam prejudicar a livre concorrência; incentivar e estimular estudos e pesquisas acadêmicas sobre o tema, firmando parcerias com universidades, institutos de pesquisa, associações e órgãos do governo; realizar ou apoiar cursos, palestras, seminários e eventos relacionados ao assunto; editar publicações, como a Revista de Direito da Concorrência e cartilhas. O que é o CADE?. Disponível em . Acessado em 03/11/2014.

____________ 

AMARAL, Thiago Bottino do. Direito Penal Econômico. Fundação Getulio Vargas. 3a ed. 2010. Disponível em: http://academico.direitorio.fgv.br/ccmw/images/archive/0/0a/20080807165246!Direito_Penal_Econ%C3%B4mico.pdf. Acessado em 01/02/2021. 

BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Combate a Cartéis e Programa de Leniência. Secretaria de Direito Econômico, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 3a ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2009. 

BRASIL, Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998. 

BRASIL. Lei n° 12.529 de 30 de novembro de 2011. Brasília: Senado, 1988. 

ISO. Cómo Elaborar e Interpretar Referencias Bibliográficas. Disponível em: http://www.derechoycambiosocial.com/anexos/PAUTAS_PARA_COLABORADORES.htm. Acessado em 04/11/2020 

Carlos Magno de Oliveira Silva
Professor na Academia da PMES. Oficial da Polícia Militar. Graduado em Ciências Policiais Militares e Direito (UFES/2018). Aprovado na OAB/ES. Especialista em Segurança Pública (MULTIVIX/2014).

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