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Quinze anos da lei Maria da Penha: avanços e desafios

O que hoje impera é que “em briga de marido e mulher, a gente salva a mulher”.

10/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Neste ano em que a lei Maria da Penha completa 15 anos, o balanço é positivo, porque  representa um grande avanço no combate à violência contra a mulher, mas ainda temos muito o que  aprimorar.

Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à lei, demorou quase 20 anos para ver seu agressor preso e para receber uma indenização material, a qual certamente não repara todo sofrimento vivido, já que em razão da violência sofrida, ela ficou paraplégica, necessitando de uma cadeira de rodas para se locomover. Aos 38 anos, ela levou um tiro do marido enquanto dormia. Após 4 meses de tratamento, quando ela voltou para casa, ele ainda tentou eletrocutá-la e a manteve em cárcere privado durante 15 dias.

Na época dos crimes, obviamente, a lei Maria da Penha não existia e as punições nos Juizados Especiais Criminais para homens que praticavam violência doméstica eram considerados de menor potencial ofensivo, demasiadamente leves, e pagamento de cestas básicas. Esse é um dos grandes avanços que a referida lei (Artigo 17) trouxe: a proibição de que as penas sejam somente  de cunho pecuniário ou multa.

Maria da Penha demorou muitos anos para ver seu agressor punido. Isso somente aconteceu  depois que o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) denunciarem o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Somente em 2001, após receber quatro ofícios da CIDH/OEA, é que o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.

Ainda assim, a lei carece de aplicação completa e mais homogênea no país todo (dos 5,5 mil municípios brasileiros, apenas 427 têm uma delegacia de Atendimento à Mulher1) e não contempla todas as hipóteses de crimes praticados contra a mulher. O exemplo disso é que a lei do Feminicídio somente entrou em vigor em 2015, 9 anos após a lei Maria da Penha.

Outra falha na aplicação da lei é que a mulher que sofre agressão, muitas vezes, não tem o seu caso resolvido somente em um local. Ela tem que passar pela Vara Criminal, que cuidará da questão relacionada à denúncia de violência, e pela Vara da Família, que tratará das questões relacionadas ao devórcio e guarda dos filhos, se for o caso. No entanto, isso pode gerar decisões conflitantes. Por exemplo: uma mulher que denuncia a violência e recebe uma medida protetiva pode ter imposta 2, pela Vara da Família, a guarda compartilhada dos filhos. No entanto, como é possível que a medida protetiva seja cumprida se essa mulher tem que encontrar com seu agressor semanalmente ou a cada 15 dias para cumprir os ditames da guarda compartilhada?

Por outro lado, é preciso destacar os mecanismos que a lei traz para  amparar a mulher, além da proteção em até 48 horas e medidas protetivas de urgência, a lei também garante o mesmo atendimento para casais de mulheres não cisgêneras, transexuais e travestis e se aplica a qualquer tipo de parentesco como filhos, sogros, padrastos, cunhados ou agregados.

É preciso também destacar que a lei Maria da Penha tenta olhar para a questão da violência doméstica por todos os ângulos (não somente no sentido de criminalizar a conduta e resolvê-la na esfera penal) e traz como um dos mecanismos de combate à violência e sua perpetuação a criação de grupos reflexivos para homens condenados em caso de agressão contra a mulher. A intenção da lei é recuperar o agressor para que ele não volte a cometer violência contra aquela mulher ou qualquer outra. Nesse sentido, o agressor pode buscar esses grupos ou ser encaminhado por meio de determinação de magistrados em audiências e decisões judiciais, como atenuante da pena, suspensão condicional do processo ou medida protetiva de urgência.

É importante ressaltar ainda que a lei Maria da Penha estabeleceu 5 formas de violência doméstica e familiar, quais sejam: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Isso ajudou, ao longo do tempo, a trazer mais visibilidade para o ciclo de agressão que as mulheres costumam sofrer, visto que antigamente imperava o pensamento de que violência era somente física. A lei ajuda a mudar essa mentalidade, principalmente porque o que se sabe é que a violência física é, na verdade, uma das últimas a acontecer.

Ademais, mas não menos importante, é que após a lei Maria da Penha houve facilitação para denunciar os casos de violência doméstica e familiar. Foram criados canais mais rápidos e desburocratizados para isso, tal como o 180 - Central de Atendimento à Mulher e a denúncia pode ser feita também por terceiros e não somente pela vítima.

Tivemos grandes avanços, mas há muito a fazer, além de todos os pontos já destacados não vislumbramos outro caminho a não ser a educação e a prevenção, com por exemplo a revisão do que se ensina na escola e a orientação de crianças em casa visando educar as futuras gerações, o empoderamento de mulheres através da participação em grupos de apoio, atendimento psicoterapêutico gratuito e até mesmo a empatia de outras mulheres, a promoção da participação de homens em grupos reflexivos onde diversas questões são discutidas, sendo uma delas a violência contra a mulher, que como já dito, não necessariamente é apenas física e, principalmente a criação de políticas públicas, com divulgação de campanhas, criação de casas abrigos, dentre outras medidas que se façam necessárias para que em um futuro não tão distante a violência contra a mulher faça parte do passado.

Por fim, é ultrapassado o pensamento de que “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. O que hoje impera é que “em briga de marido e mulher, a gente salva a mulher”.

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1 Disponível aqui.

2 A lei 13.058/2014 estabeleceu a guarda compartilhada obrigatória. Essa obrigatoriedade pode ser relativizada. No entanto, o que é analisado pela Vara da Família é sempre o melhor interesse do menor e não o da mulher.

Danielle Pereira Silva
Advogada e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).

Tereza Ribeiro
Advogada e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).

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