Considerando somente o Sistema Tributário Nacional instituído pela Constituição Federal (CF) de 1988, pelo menos desde 1990 propostas de reforma tributária vêm e vão.
Iremos situar as mais tratadas atualmente, em perspectiva com as agendas que realmente traduzem as necessidades do setor produtivo, começando pela proposta do Governo Federal.
Antes de começarmos a tratar da segunda fase (proposta mais atual) da reforma tributária endereçada pelo Governo Federal (Ministério da Economia), lembremos que na primeira fase foi proposta a unificação do PIS e da Cofins em uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Até o momento, não houve avanço nos debates legislativos, principalmente porque traz um aumento de carga tributária sobre a receita bruta das empresas.
Falar de tributação direta sobre a receita das empresas é falar de PIS/Cofins, cobrados em 3,65% ou 9,25%, a depender de ser adotado o regime do lucro presumido ou lucro real. Já a CBS proposta vinha com alíquota única de 12%.
O aumento de carga era visível, porém o próprio Ministério da Economia admitiu que a alíquota poderia ser alterada 1, e o texto proposto já vinha com a tentativa de dar solução a um dos pontos que mais gera contencioso tributário no País: os créditos de PIS/Cofins sobre os insumos utilizados na cadeia produtiva passariam a ser calculados de maneira mais simples.
Nesse ponto, pelo menos em tese, é visto uma proposta de aumento de carga tributária sobre a receita bruta das pessoas jurídicas em conjunto com uma tentativa de racionalizar esse subsistema específico.
As propostas do Poder Legislativo são bem diferentes disso em conteúdo, mas se aproximam do Executivo na lógica de simplificação, de maior certeza. Pode-se dizer que é um esforço no sentido de maior segurança jurídica, e, se isso se confirmar, tem-se um custo plausível compensado por um benefício.
Ainda antes de tratar da segunda fase da proposta do Governo, temos duas propostas do Legislativo: a da Câmara dos Deputados, com a PEC 45/2019, e a do Senado Federal, com a PEC 110/2019.
A PEC 45/2019 foi inspirada no modelo de reforma tributária sugerido pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). A premissa da proposta é a de que há uma distorção na tributação de bens e serviços no Brasil, o que, de fato, é verificável.
Trata-se do fenômeno da regressividade: a tributação alta do consumo faz com que proporcionalmente pessoas que gastam toda ou quase toda sua renda com consumo (as mais necessitadas) paguem mais tributos do que aquelas com maior poder aquisitivo, em termos proporcionais.
A alternativa proposta para enfrentar esse problema seria a adoção de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), na PEC denominado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em que houvesse um encontro de débitos e créditos na subsequência das operações com bens e serviços. Apesar do aumento nominal da alíquota, o imposto incidiria uma vez a cada etapa da cadeia produtiva, conferindo o crédito do que foi pago anteriormente e o empresariado abondaria o emaranhado de apurações de diversos tributos para diversos entes em troca de uma única apuração perante uma autoridade central.
Já do Senado, temos a PEC 110/2010 propondo a extinção e unificação de nove tributos em um. São eles: IPI, PIS, Cofins, IOF, PASEP, Cide-Combustíveis e o Salário-Educação no âmbito federal, ICMS no âmbito estadual e ISS no âmbito municipal.
Tais tributos seriam substituídos por cinco tributos: 1) na esfera federal, imposto sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), que incidiria sobre cigarros e energia elétrica, por exemplo; 2) na esfera estadual, um imposto sobre o valor agregado, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS); 3) o IPVA estadual ganharia maior abrangência, atingindo aeronaves e embarcações, por exemplo; 4) o ITCMD, que tributa as heranças e doações, hoje de competência dos estados e do Distrito Federal, passaria a ser de competência federal, mas a receita seria destinada aos municípios; 5) o Imposto de Renda deveria passar por uma ampliação de alíquotas, absorvendo a CSLL, que seria extinta.
Mais uma vez, em ambos os casos (Câmara ou Senado) há entrega de benefícios (racionalização, segurança) em troca de custos, principalmente os relativos à transição do modelo atual para o modelo proposto, no curto prazo.
A segunda fase da reforma tributária do Governo Federal: vamos diferenciar as agendas?
Para o momento atual, nesta segunda fase, haverá uma diminuição da tributação sobre as Pessoas Físicas que ganham menos, mas aumentará a carga tributária sobre as Pessoas Jurídicas, principalmente as enquadradas no regime do lucro presumido.
Mas essas são assertivas básicas. Os problemas estão em “como” isso ocorre.
Vamos colocar com clareza o que ocorre nesta segunda fase em relação ao IRPF: (i) não cobrar Imposto sobre a Renda de quem ganha até R$ 2,5 mil ao mês; (ii) permitir o desconto simplificado somente para as pessoas que recebem até R$ 40 mil ao ano; (iii) permitir a atualização dos valores dos imóveis cobrando apenas 5% de imposto sobre a diferença positiva; (iv) acabar com a isenção dos lucros e dividendos; (v) passar a tributar lucros e dividendos com alíquota de 20% na fonte pagadora, isentando apenas as microempresas e empresas de pequeno porte em até R$ 20 mil ao mês.
Já para o IRPJ, as propostas são: (i) reduzir a alíquota para 12,5% em 2022 para 10% a partir de 2023, mantendo o adicional de 10% para lucros acima de R$ 20 mil ao mês; (ii) proibir as deduções do IRPJ com pagamentos de gratificações e participação nos resultados aos sócios/dirigentes feitos com ações; (iii) acabar com os juros sobre capital próprio; (iv) impedir o aproveitamento de deduções do IRPJ na venda de participações societárias; (v) apuração trimestral do IRPJ e da CSLL para todas as empresas; e (vi) possibilidade de compensação de 100% do prejuízo fiscal de um trimestre nos três seguintes.
Quanto ao IR sobre os investimentos financeiros, as propostas são: (i) alíquota de 15% e apuração trimestral para todas as operações em bolsa de valores; (ii) alíquota única de 15% para todos os ativos de renda fixa, fundos abertos e fundos fechados; e (iii) acabar com a isenção dos rendimentos pagos por fundos de investimento imobiliário a pessoas físicas a partir de 2022.
O teor das mudanças propostas aponta para ajustes na progressividade da tributação sobre a renda. É uma pauta de justiça fiscal, de igualdade e de proporcionalidade, pelo menos em tese. Aqui, o objetivo não é o de entregar racionalização e segurança ao sistema. A promessa é a de que haveria uma diminuição da carga tributária global, mas os contribuintes não racionalizam os custos tributários dessa forma, mas sim numa perspectiva individual.
Um exemplo: as empresas no lucro presumido, que atualmente possuem uma carga tributária de aproximadamente 15%, terão que arcar com um incremento de 20% na distribuição de lucros e dividendos em troca de uma diminuição de apenas de 5% no IRPJ (com possibilidade de maior concessão por parte do Ministério da Economia, que já sinaliza sensibilidade às críticas).
Outro exemplo: também se eleva a carga tributária para classe média, principalmente para os profissionais liberais e médios empresários que faturam o suficiente para estarem acima do limite do Simples Nacional, hoje em R$ 4,8 milhões ao ano.
Este último exemplo mostra que a entrega da proposta não pensa em racionalização e segurança, pois há um estímulo ao planejamento tributário para que pequenas e médias empresas continuem pequenas e médias enquanto for mais vantajoso continuar no Simples, com a isenção para distribuição de lucros/dividendos até R$ 20 mil. Então, haverá situações-limite nas quais o estímulo será para o não crescimento.
Assim, uma mudança pontual em tese positiva, a de aumentar a isenção das pessoas que ganham até R$ 2,5 mil ao mês, fica prejudicada com a exclusão do desconto simplificado para quem recebe mais de R$ 40mil ao ano. Então, uma pessoa que ganha a partir de R$ 3.500,00 ao mês não vai se aproveitar da isenção proposta e, ao mesmo tempo, “perderia” a opção de presunção automática de 20% de despesas na sua declaração do IRPF. Acerta-se precisamente na classe média.
Além disso, podemos destacar que também é positiva a instituição de uma alíquota única de 15% em relação às aplicações em bolsa de valores, o que trará, sem dúvidas, uma maior simplificação, porém, em contrapartida, estará se criando uma assimetria com aplicações análogas, como LCI, LCA, CRI e CRA, que seguem isentas. Inclusive, atualmente o Ministério de Economia estudar voltar atrás em relação aos fundos de investimento imobiliário (FII) 2.
Em relação às empresas, há um aumento do custo de profissionais que são remunerados com base em resultados, prejudicando principalmente o setor de serviços, que responde pela maior parte do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Outro ponto importante é que nessa fase as empresas poderão pagar uma conta maior do que a do Governo, isso porque o alívio com a redução do IRPJ em 5% é menor do que a carga com a tributação de lucros/dividendos e com a extinção dos juros sobre capital próprio, além de outras implicações, tal qual o afastamento do capital estrangeiro ou o estímulo à troca de capital investido por financiamento via endividamento.
Além disso, temos a questão da alíquota proposta de 20% na tributação de lucros/dividendos que será elevada para uma alíquota inicial, pois nos países onde esse tipo de tributação é mais avançado, normalmente há um escalonamento de alíquotas, o que confere maior progressividade e justiça fiscal à medida, o que em tese seria a linha racional para uma reforma da tributação sobre a renda e o lucro.
O contexto é importante, mas a perspectiva para uma reforma tributária é individual.
As discussões sobre a Reforma Tributária ainda devem avançar muito no Congresso Nacional, tanto que há outras propostas em trâmite sendo analisadas pelos parlamentares.
O que se pode dizer da atual segunda fase da reforma endereçada pelo Executivo Federal é a de que há uma conta alta a ser paga quando se analisam as perspectivas individuais importantes (classe médias, prestadores de serviço, investimento estrangeiro, dentre outras).
Isso para fugir do debate abstrato entre aumento versus diminuição da carga tributária global.
Também se pode dizer que esta segunda fase é diferente das propostas do Legislativo no sentido de que não pretende entregar o plus de uma simplificação e racionalização (pelo menos em tese) do sistema.
Por isso, mais do que nunca, o acompanhamento da realidade fiscal das empresas junto a profissionais que enxergam a tributação tal qual ela ocorre (contadores, economistas, administradores, advogados tributaristas) é recomendável, principalmente para evitar passivos e manter a saúde financeira de toda a operação, ainda mais neste momento de incertezas e indefinições quanto às mudanças que estão sendo endereçadas ou discutidas no Congresso Nacional.