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NFT’s: reflexões sobre o mercado de arte e os seus possíveis diferenciais

Apesar de não ser uma novidade tecnológica, a Blockchain vem se popularizando nos últimos anos devido ao sucesso das criptomoedas e, recentemente, frente a comercialização de NFTs.

9/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Os termos do momento são NFT ou tokens não fungíveis. O valor que a comercialização deste tipo de token relacionado a uma criação artística alcançou nos últimos meses tem feito os olhos dos mercados de arte e entretenimento se voltarem para essa tecnologia e apurarem o quanto, afinal, pode ser realizado com uma Blockchain. 

Apesar de não ser uma novidade tecnológica, a Blockchain vem se popularizando nos últimos anos devido ao sucesso das criptomoedas e, recentemente, frente a comercialização de NFTs, voltou aos holofotes para as vantagens que podem ser advindas do uso desta tecnologia no mercado internacional e dos motivos pelos quais ela seria mais interessante e poderia reescrever a história da arte. 

A primeira aplicação consiste na possibilidade de comercialização e de distribuição de valores sem intermediários, facilitando, assim as transações. Dessa forma, as operações poderiam ser realizadas diretamente por seus criadores sem ser necessária a remuneração de terceiros com percentuais sobre o lucro auferido com a exploração da criação. 

Outro ponto relevante é a transparência e o registro de todas as operações realizadas com o NFT. Com a utilização de Blockchain é possível conhecer toda a cadeia de operações de forma pública, demostrando a todos cada operação realizada, seus valores e pormenores. 

Ademais, como estamos falando sobre NFTs e criações artísticas, por meio da utilização desta tecnologia seria possível existir uma distribuição mais equânime e detalhada para diferentes coautores ou participantes de obras, ou mesmo rastrear as operações existentes no comércio dessas, com o intuito de garantir o pagamento do direito de sequência. 

Além destes pontos, os entusiastas da tecnologia destacam ainda que a existência de obras em NFTs poderia criar uma liberação da arte. Existiria a ampla disponibilização das criações ao longo da internet, que poderiam ser exploradas de diversas maneiras. E, há até mesmo um movimento que sugere que com os NFTs o que seria considerado arte não estaria preso a museus ou galerias privadas. 

Apesar destes pontos, que parecem promissores, entendendo e analisando o mercado de arte e entretenimento conjuntamente com a legislação de direitos autorais é relevante realizar algumas pontuações mais críticas sobre o recente mercado de NFTs, levantando as preocupações jurídicas, os riscos e desmitificando um pouco o “boom do momento”. 

Primeiramente, a quem interessa a transparência e o registro? Apesar de aparentar ser interessante para os artistas, o mercado de arte ainda é utilizado para meios ilícitos, em especial para a lavagem de dinheiro. Por tal motivo, não é certo que o mercado utilize essa ferramenta para garantir uma transferência de titularidade de uma obra. 

A venda de NFT não necessariamente envolve a transferência dos direitos autorais. Dessa forma, a sugestão de evitar intermediações e facilitar a transferência de criações intelectuais, tornando as obras disponíveis não está clara e continuará pendente da realização de uma contratação entre as partes. Ainda que essa contratação seja realizada por meio de uma plataforma, com um contrato separado ou mesmo um smart contract para a transferência de tais direitos será necessário que as partes negociem e se alinhem acerca dos limites desta transferência.  

A circulação de um NFT não cria, tampouco, um impedimento ou a ampla disponibilização de uma obra para que todos façam dela o que quiserem. Mas, tão somente informa que determinada pessoa possui um original de um token de uma obra artística, por exemplo. Porém, sem que essa pessoa tenha necessariamente o uso exclusivo ou que possa impedir terceiros de utilizarem essa criação, posto que ela não será o titular dos direitos patrimoniais sobre o NFT.  

Neste sentido, outro problema é a rastreabilidade da origem do NFT. Apesar de ser possível precisar quem criou o token, por meio desta tecnologia não é possível determinar se a pessoa possuía direitos para tanto. Ou, se eventualmente, ela somente se apoderou do trabalho de outrem e criou um NFT para explorá-lo, infringindo os direitos de outra pessoa. 

A título de exemplo, a venda do meme Nyan Cat em NFT foi realizada pelo seu criador originário, o que foi possível confirmar com base nas informações existentes desde a primeira divulgação deste vídeo no Youtube em 2011. Igualmente, apesar da comercialização do NFT não houve a transferência os direitos autorais sobre o Nyan Cat, os quais permanecem com o seu criador, conforme é possível constatar das páginas do Gif.  

Caso qualquer pessoa que tenha o interesse em utilizar essa criação precisará pedir autorização prévia ao seu criador originário, inclusive o titular do NFT. Além é claro de existir, devido à fama e ampla exposição deste meme inúmeros prints e reproduções, não necessariamente autorizadas, do Nyan Cat, as quais o comprador do NFT não poderá se contrapor. Dessa forma, a pessoa que adquiriu esse Gif somente faz jus a um título dizendo que ele é o dono da versão digital do Nyan Cat original, que foi transformada em NFT, nada mais. 

Passando a questão da construção de um acervo digital de obras, isso já é realizado por diversos bancos de imagens, museus e galerias online e até mesmo pelo Google. Neste sentido, o NFT surge como mais uma opção de popularizar essa circulação e disponibilização de arte. Não sendo mais necessário comparecer a um local específico para ver determinado trabalho, mas sim, ter acesso de qualquer local. 

O NFT neste sentido pode funcionar como mais uma forma de popularizar o conhecimento de arte, retirando dela a sua limitação de tempo e espaço para divulgá-la amplamente na internet. Novamente, apesar de interessante essa possibilidade a pandemia já realizou muito neste sentido, fomentando a digitalização e disponibilização das coleções de museus e outras galerias online para o amplo acesso e visualização do público. 

A questão que se impõe, afinal, é qual seria o diferencial dos NFTs? Basicamente, eles podem criar mais uma forma possível de explorar uma criação, por meio do seu ativo digital. Cunhando, assim, mais um item de colecionador, com o potencial de atingir outros públicos e trazer uma nova proposta de valor sobre determinada obra.  

Agora, apesar das reflexões levantadas, o ponto crucial para se apurar a viabilidade, interesse ou mesmo a vantajosidade da utilização do NFT é entender o que cada plataforma pode ofertar como relevante para o seu público. Determinando valores ou mesmo pontuações que atendam às necessidades da classe artística.  

Por tais motivos, entender o interesse do criador de conteúdo e o que ele busca para entender o que é possível encaixar em uma Blockchain e ofertar como NFT é crucial, visto que as demandas de alguns, como rastreabilidade e controle, podem não ser o interesse de outros. 

Fernanda Galera
Sócia da Daniel Advogados. Mestre em Direito Comercial. Especialista em Propriedade Intelectual. Professora do corpo docente da pós-graduação lato sensu em Direito da FGV/SP. Pesquisadora, com atuação na área de Propriedade Intelectual, Direito Digital e Inovação.

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