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Sub-rogação e direito de regresso: os “novos inimigos” da reestruturação de empresas

Na sub-rogação legal também há uma troca de titularidade sobre o crédito e não há alteração do seu aspecto substancial.

6/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Ao contrário da percepção generalizada em nossa cultura e refletida na legislação e na jurisprudência, a recuperação judicial tem por finalidade precípua permitir uma melhor recuperação de créditos, de forma justa e equitativa. A razão desse postulado é que a RJ proporciona aos credores uma alternativa que pode, na maioria dos casos, ser melhor do que a liquidação da devedora. Em outras palavras, a reorganização de uma empresa permite a geração de um fluxo de caixa futuro que pode ser apropriado pelos credores, o que não ocorre em uma liquidação, na qual há paralisação das atividades e desvalorização dos ativos. Paralelamente, a reorganização de uma empresa tem como consequência a preservação de empregos, da capacidade contributiva e do PIB. Trata-se de um processo que se traduz em um ganha-ganha.

Se essa for a lógica do instituto, a construção de uma recuperação judicial deveria ser um processo colaborativo entre devedor e credores. Na prática, isso em geral não ocorre, porquanto, entre outras razões, não há uma diferenciação adequada na nossa cultura entre insolvência e calote, mesmo em tempos de pandemia.  

Essa constatação é reforçada pelo fato de que o Fisco e as Instituições Financeiras, em geral os maiores credores, estão em boa parte excluídos do processo recuperacional, o que, no caso dos bancos, cria situações drásticas como a retirada do capital de giro das empresas insolventes, ao primeiro sinal de crise. Em adição, é penoso constatar que nos processos de recuperação a tônica tem sido as disputas sobre a inclusão ou a exclusão de créditos no processo, ao invés da reorganização da empresa insolvente. Isso explica a razão pela qual no Brasil as estatísticas indicam uma performance inferior a 75% à dos países da OECD na questão de recuperação de créditos de empresas insolventes.

Essa tônica está refletida em uma nova controvérsia, que tem ganhado força nos nossos tribunais: a inclusão ou exclusão dos créditos pagos por coobrigados, fiadores e seguradoras após a entrada de processos de recuperação judicial, mas relativos a obrigações assumidas anteriormente. A questão envolve inclusive fianças bancárias, que têm um peso enorme no passivo de empresas em crise, e abrange direitos de terceiros que pagam a credores originários dívidas correspondentes a créditos que estão em RJ. Ou seja, créditos que em um primeiro momento foram identificados como sujeitos ao procedimento e, do ponto de vista prático, representam parte do real problema da empresa em crise, que é a necessidade de reestruturação dessa dívida específica. 

Parte dessa nova controvérsia é gerada por uma confusão entre conceitos jurídicos que têm pontos em comum, mas significados próprios. Cabe, para fomentar o debate, distinguir os diferentes institutos jurídicos observados nos créditos que se encontram nessa situação: cessão, sub-rogação, novação e até mesmo o direito de regresso. Afinal, juridicamente, são eles sinônimos?

Na cessão, por exemplo, há a troca de titularidade sem a extinção da obrigação cedida. Ainda que não houvesse discussão sobre a sujeição ou não daquele determinado crédito após o advento da cessão, discutiu-se, no passado recente, quando um cessionário paga por exemplo 1 real por um crédito de 100, se o valor de sua habilitação deveria ser 1 ou 100. A questão hoje está pacificada no sentido de que o preço da cessão não afeta a habilitação e pelo valor integral do crédito originário, por ser assunto exclusivo entre cedente e cessionário.

Na novação entende-se que uma obrigação nova extingue a obrigação original. Quando essa alteração se refere ao próprio objeto da obrigação que gerou um determinado crédito, tem-se a chamada novação objetiva. Quando há apenas a troca do credor, chama-se novação subjetiva ativa. Nesta última hipótese, os aspectos substanciais da obrigação (crédito original e devedor) não são afetados e, para os fins do procedimento de recuperação judicial, essa troca não deveria ser importante – de modo que, se o crédito era sujeito ao procedimento antes da novação subjetiva, deveria continuar sujeito a ele mesmo após essa novação.

Na sub-rogação legal também há uma troca de titularidade sobre o crédito e não há alteração do seu aspecto substancial (a dívida é a mesma, o devedor é o mesmo, as garantias são as mesmas). Assim, o instituto se aproxima da cessão (mas com ela não se confunde), gerando a dúvida atual: se o seu tratamento na reestruturação deve ser idêntico ao da cessão ou não – ou seja, se esse tipo de crédito deve ser considerado sujeito à RJ e reestruturado pelo plano ou não.

Quanto ao direito de regresso, que é objeto de intenso debate no caso da Samarco, temos uma obrigação solidária dos acionistas no que se refere a danos ambientais. No momento em que um acionista paga um dano ambiental, nasce, pela quitação total por parte de um dos coobrigados, o direito de cobrar esses valores da própria Samarco. Deve esse direito ser considerado um crédito novo, e, portanto, não afetado pela RJ e que pode ser cobrado tão logo desembolsado ou estamos diante de um crédito concursal, que será pago nos termos do Plano? Pode-se entender que se trata de um crédito concursal, não porque o crédito seja anterior à entrada do pedido de RJ, mas porque a obrigação de indenizar danos ambientais existia antes do processo de insolvência? Aplica-se a mesma lógica à distinção feita pela doutrina entre a fiança e o aval, por ser a fiança uma obrigação acessória, enquanto o aval é uma obrigação autônoma e principal? A honra de uma garantia deve ser considerada suficiente para a exclusão de um crédito que, por força de lei, está sujeito ao procedimento concursal?

Ou seja, independentemente das particularidades (ou semelhanças) entre todos os institutos, enquanto essas questões não forem tratadas também sob o viés dos objetivos da recuperação judicial, estaremos diante do potencial esvaziamento desse tipo de processo e colocaremos em risco a sobrevivência de empresas viáveis. Isso porque, mais uma vez, os créditos que deveriam ser reestruturados têm sua sujeição contestada. A discussão deve ganhar corpo nos próximos meses e será fundamental para definir a viabilidade do instituto da recuperação judicial entre nós.

Thomas Felsberg
Sócio fundador do Felsberg Advogados.

Fabiana Solano
Sócia da área de Insolvência no Felsberg Advogados

André Drumon
Associado sênior do Felsberg Advogados

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