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Para um novo marco regulatório das debêntures de infraestrutura: o que podemos conjecturar?

É possível vislumbrar um cenário em que o mencionado risco do "empréstimo-ponte" seja sensivelmente mitigado.

4/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O PL 2.646/20, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal, cria as chamadas "debêntures de infraestrutura" que conviverão com as "debêntures incentivadas em infraestrutura", ou simplesmente "debêntures incentivadas", criadas pela lei 12.431/11. Como os debates legislativos ainda estão a ocorrer, este sumaríssimo escrito se focará nos aspectos gerais da nova debênture a ser criada pelo PL 2.646/20, especificamente com foco no seu potencial para se tornar mais um instrumento a facilitar o desenvolvimento nacional, objetivo fundamental previsto na Constituição Federal.

Para aqueles que atuam habitualmente nos setores da infraestrutura nacional, é sabido que o perfil dos contratos de mútuo dos bancos desenvolvimentistas aproximou-se muito do patamar de mercado com a extinção da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e criação da Taxa de Longo Prazo (TLP). Naturalmente, quando ainda se praticava a TJLP, dificilmente seria atrativo buscar recursos de dívida no mercado de capitais, pois o custo seria, inevitavelmente, superior ao dos empréstimos dos bancos de desenvolvimento. Porém, no atual contexto, certo é que o arcabouço legislativo pátrio já foi alterado uma vez para incentivar novos instrumentos de financiamento da infraestrutura, notadamente por meio do mercado de capitais, quando da criação das debêntures incentivadas.

As já citadas debêntures incentivadas foram criadas e são utilizadas para permitir que concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias (concessionárias lato sensu), constituídas sob a forma de sociedade por ações, captem recursos para implementar os seus projetos de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação (expressão que pode ser simplificada pela sigla PD&I). Tais debêntures concedem benefícios aos compradores dos títulos ofertados no mercado de capitais, como a isenção de imposto sobre os rendimentos para as pessoas físicas.

Trata-se de uma importante inovação. Do ponto de vista dos concessionários, basicamente, a estrutura do financiamento dos investimentos se resumia, no cenário pré-TLP, à captação de dívida junto aos bancos de fomento, dado seu baixo custo. Todavia, como se sabe, a execução de tais contratos costuma demorar bastante tempo, o que é natural, dados os processos de due diligence necessários à liberação de recursos normalmente muito significativos. Desse modo, havia sempre um risco bastante volátil: o custo do "empréstimo-ponte".

Já desde as debêntures incentivadas e, agora, potencialmente, com as debêntures de infraestrutura, abre-se um leque mais interessante para se estruturar, financeiramente, o investimento das concessionárias. Isso porque as debêntures, embora também envolvam custos de transação significativos e seu próprio processo de due diligence, tendem a ser captadas com muito mais celeridade do que a dívida bancária. Desse modo, é possível vislumbrar um cenário em que o mencionado risco do "empréstimo-ponte" seja sensivelmente mitigado.

Mas, como todas as escolhas, há "prós" e "contras". A dívida bancária, embora seja mais complexa para ser fixada e liberada, costuma ser mais flexível em caso de necessidade de reestruturação. Afinal, é relativamente mais simples dialogar com um único interlocutor – o banco ou, eventualmente, um consórcio bancário – do que conseguir quórum para aprovação de modificações na assembleia de debenturistas, por exemplo. Esse é o contraponto das debêntures: embora sua estruturação e captação sejam potencialmente mais céleres, pode haver sérias dificuldades em caso de necessidade de reestruturação da dívida e, até mesmo, exercício de direitos típicos do mutuante, como a assunção temporária do controle da concessionária (o famoso step-in rights).

O "financiamento" de grandes projetos de infraestrutura é composto, quase sempre, por um mix de dívida e capital próprio dos acionistas, exceto na medida em que haja aportes (nas PPPs) ou subsídios (nas concessões de modo geral). Dessa forma, o risco de financiamento é um dos mais elementares a ser transferido à iniciativa privada. E a criação de uma nova espécie de debêntures amplia a musculatura do mercado de capitais para complementar as tradicionais opções bancárias na cesta de possíveis estratégias de alavancagem a ser desenvolvidas pelas concessionárias.

De toda sorte, malgrado a proximidade da nomenclatura utilizada no PL, que pode ser confundida com a "debênture incentivada", a "debênture de infraestrutura" terá foco maior nos benefícios ao emissor da debênture, e não tanto ao comprador dos títulos emitidos. Aqui, percebe-se relevante distinção entre os dois formatos de debêntures: a criada em 2011 (lei 12.431) concede benefícios aos compradores dos títulos, e a do PL beneficiará os emissores — sendo que tanto uma quanto a outra devem estar voltadas à implementação dos projetos de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em PD&I. Acertadamente, o PL não veda que as concessionárias emitam debêntures distintas, cada uma com um formato.

A definição sobre quais são os projetos de infraestrutura e de produção econômica intensiva em PD&I passíveis de criação de debêntures dependerá de regulamento do Poder Executivo Federal, que deverá apresentar critérios objetivos que restrinjam ao máximo a discricionariedade para sua aprovação, e devem focar, segundo o PL, setores com grande demanda de investimento em infraestrutura ou projetos com efeito indutor no desenvolvimento econômico local ou regional.

A pretensão do PL é de conceder às concessionárias, constituídas sob a forma de sociedade por ações, a possibilidade de emitir a debênture (de infraestrutura) com dois incentivos: o primeiro, a soma dos juros pagos ou incorridos em razão da emissão será deduzida do valor apurado de lucro líquido; o segundo, a exclusão, para fins de contabilização do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), de trinta por cento da soma dos juros relativos às debêntures. Este último incentivo está limitado ao prazo de cinco anos, contados da publicação da lei.

A emissão de uma debênture com os benefícios fiscais acima elencados permitiria, em tese, que as concessionárias emissoras viessem a prometer aos compradores dos títulos da debênture um retorno maior ao quanto investido. Assim, o emissor conseguiria garantir aos compradores dos títulos um retorno maior do que as demais debêntures, o que teria potencial para atrair players de maior envergadura, como fundos de pensão (que não se beneficiam das debêntures incentivadas), aumentando-se e facilitando a quantidade de dinheiro a captar em prol dos projetos de infraestrutura e PD&I.

O benefício fiscal decorrente da captação de valores realizada no mercado de capitais exigirá da concessionária emissora a comprovação de que os recursos adquiridos foram utilizados nos projetos de investimento previstos no lançamento da debênture, sob pena de sanções. Não se olvida que a criação deste novo meio de angariar fundos para investimento em infraestrutura tenha potencial para se consolidar como um instrumento rotineiro de project finance. Para potencializar essa estrutura de captação, o PL determina que a comprovação dos gastos dos recursos angariados no mercado por meio da emissão de debêntures deve ser realizada em 60 meses, prazo a valer tanto para as debêntures incentivadas quanto para as de infraestrutura.

Todavia, é certo que qualquer operação desta envergadura exige dos profissionais responsáveis um cuidado duplo. De um lado, deve-se ter o cuidado costumeiro para evitar que as promessas de retorno das debêntures não sejam demasiadamente otimistas e causem não só um entrave para a execução dos projetos de infraestrutura, fundamentais ao desenvolvimento nacional, como também uma bolha no mercado secundário. De outro, deve-se evitar que a concessionária emissora preconize mais o pagamento dos debenturistas e menos a execução dos projetos de infraestrutura, recorrendo-se a um potencial conflito de interesses que poderia prejudicar severamente a execução dos contratos concessórios, e, com isso, o propósito de sua concretização.

Há de se harmonizar esses interesses de forma a angariar sua efetiva calibragem, e com isso, não haver perda de confiança dos stakeholders envolvidos. Como todo grande investimento em infraestrutura envolve a participação de diversos atores de competências distintas, a transparência sobre os meios e as obrigações relacionadas ao financiamento do projeto são fundamentais para garantir a operação financeira e atingir o objetivo de desenvolvimento nacional.

Nesse sentido, e em arremate, há que se prestigiar todas as formas de incentivo ao financiamento privado no setor de infraestrutura, com a ampliação massiva do número de investidores por meio de mecanismos de acesso à informação, já que o acesso ao sistema financeiro ainda é indecifrável para a grande maioria, num processo evolutivo de conquista mútua de confiança, consolidada em mercado maduro, que permita aos emissores e compradores a consciência de que se beneficiarão, não apenas dos investimentos realizados, mas de uma sociedade transformada, que permita concretizar o ideal desenvolvimentista insculpido no texto constitucional pela via indelével da provisão de infraestrutura.

Augusto Neves Dal Pozzo
Sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados.

André Paulani Paschoa
Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI. Advogado Sênior e Gestor do Dal Pozzo Advogados.

Renan Marcondes Facchinatto
Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Instrutor Acreditado do Programa de Certificação Internacional “Certified Public-Private Partnerships Professional – Foundation Level (CP3P-F)”. Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI. Advogado e Sócio do Dal Pozzo Advogados.

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