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A cláusula penal no direito brasileiro: gestão privada de riscos submetida ao controle de legalidade

A definição da cláusula penal no direito brasileiro é conferida pela doutrina, uma vez que o Código Civil, não a conceitua.

3/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

I. Cláusula Penal

O instituto da cláusula penal assume distinta importância nas relações privadas brasileiras, notadamente a partir de disposições em negócios jurídicos, onde se estipula, conjuntamente com a obrigação ou em ato posterior (art. 409, CC1), essa modalidade de obrigação acessória, a qual incide a partir de determinadas situações que escapam do adimplemento perfeito da obrigação principal.

A definição da cláusula penal no direito brasileiro é conferida pela doutrina, uma vez que o Código Civil, ao disciplina-la dentre os artigos 408 e 416, diferentemente de outros institutos (assunção de dívida, por exemplo), não a conceitua.

Nesse sentido, Hamid Charaf Bdine Jr. entende que a cláusula penal "é a obrigação acessória pela qual se estipula pena ou multa destinada a estimular o cumprimento da principal e evitar seu retardamento"2.

Por sua vez, Christiano Cassettari conclui

o conceito mais completo de cláusula penal, pena convencional ou multa convencional, baseado em todos estes vistos anteriormente, é a de que se trata de uma convenção acessória inserida em negócio jurídico unilateral ou bilateral, em que o devedor da obrigação se compromete, para o caso de inexecução completa da obrigação, de inexecução de alguma cláusula especial, ou simplesmente de mora, a uma sanção de natureza econômica, que pode ser de dar, fazer ou não fazer, nos limites fixados em lei3.

Bem delineado que a cláusula penal é obrigação acessória, a ela se aplica a parte final do artigo 184, do Código Civil4, de modo que ela depende da existência e validade da obrigação principal, muito embora a invalidade daquela, por conseguinte, não implique a invalidade desta.

Além da acessoriedade, a cláusula penal também comporta outras duas características relevantes, quais sejam a facultatividade e a garantia sui generis. Isso porque, a cláusula penal só incidirá em caso de inadimplemento (cláusula penal compensatória) ou cumprimento imperfeito da obrigação principal (cláusula penal moratória), facultando-se ao credor optar pela obrigação principal ou cumprimento da cláusula penal (art. 410, CC), enquanto a convenção de cláusula penal importa em agravamento do patrimônio próprio do devedor.

Considerando a forma de abordagem da cláusula pela legislação, a interpretação quanto à sua natureza (compensatória por perdas e danos ou meramente punitiva) deve ocorrer de maneira casuística, levando-se em conta o design contratual estruturado pelas partes, quando tratar-se, obviamente, de negócio jurídico bilateral.

Inclusive, a possibilidade de convenção de cláusula penal meramente punitiva, cunhada de "cláusula penal pura"5, é questão polêmica na doutrina, uma vez que parte entende ser possível sua caracterização como tal, haja vista a possibilidade de fixação da cláusula em testamento, quando inexiste previsão para cobertura de eventuais perdas e danos6, enquanto outra a configura como mera multa simples7.

Com efeito, entendo, que o direito brasileiro admite a possibilidade de fixação de cláusula penal pura, isto é, apenas com o caráter punitivo ou cláusula penal impura, ou seja, aquela voltada à gestão dos riscos, com o objetivo compensatório de prefixar eventuais perdas e danos, isso por considerar a cláusula penal instituto diverso das arras penitenciais (arts. 417 até 420, CC) ou multa simples.

Ademais, a legislação civil nos revela que o inadimplemento total ou o cumprimento defeituoso, para que incida a cláusula penal convencionada, deve, necessariamente, ser imputado ao devedor (art. 408, CC8), visto que tanto o inadimplemento quanto à mora são afastados se este não agir culposamente (art. 393 e 396, CC9).

Com efeito, o momento da incidência da cláusula penal, em meu sentir, dependerá do preenchimento cumulativo de dois requisitos, quais sejam (i) a interpretação casuística daquela cláusula, a fim de aferir-se se ela é voltada ao inadimplemento ou ao cumprimento imperfeito; e (ii) a própria ocorrência do inadimplemento ou da mora.

A distinção é relevante, sobretudo a partir do momento em que o Código Civil admite a convenção de cláusula penal compensatória, aquela que incide quando existente inadimplemento da obrigação principal, e de cláusula penal moratória, verificável quando do cumprimento defeituoso da obrigação principal.

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1- Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.

2- PELUSO, C. Código Civil comentado. doutrina e jurisprudênci. 12 ed. [s. l.]: Manole, 2018, p. 412. ISBN 9788520454992. Disponível em: aqui. Acesso em: 5 jul. 2021.

3- CASSETTARI, C. Multa contratual?: teoria e prática da cláusula penal. 3. ed. rev. atual. [s. l.]: Revista dos Tribunais, 2012, p. 51-52. ISBN 9788520342251. Disponível em: aqui. Acesso em: 5 jul. 2021.

4- "[...] a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal".

5- De Mattia, Fábio Maria. Cláusula penal pura e cláusula penal não pura. RT 383/35 in CASSETTARI, C. Multa contratual?: teoria e prática da cláusula penal. 3. ed. rev. atual. [s. l.]: Revista dos Tribunais, 2012, p. 51-52. ISBN 9788520342251. Disponível em: aqui. Acesso em: 5 jul. 2021.

6- Beviláqua, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, p. 54.

7- Gomes, Orlando. Obrigações, p. 193.

8- Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.

9- Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.

Diego Caldeira Gonzales
Advogado, bacharel em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas. Pós- graduando em Direito Processual Civil na FGV Direito SP (FGV LAW).

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