INTRODUÇÃO
O presente artigo propõe uma discussão jurisprudencial, doutrinária e legal sobre a natureza jurídica do vínculo existente entre os prestadores de serviço de aplicativos como Uber, 99 Taxi, iFood, Uber Eats, Rappi, James, entre outros e o próprio aplicativo. A ideia central do artigo é discutir sobre qual relação – civil, trabalhistas, consumerista – se encaixa melhor nesse novo modelo contratual, trazendo abordagem sobre como a jurisprudência entende o caso, colacionando os principais julgados referentes ao tema, seja na esfera trabalhista ou da justiça comum, bem como a opinião majoritária existente entre os autores mais relevantes do mundo jurídico sobre o tema, tudo com uma intersecção ativa da legislação brasileira sobre os contratos de transporte de pessoas e bens e suas consequências nas esferas materiais supramencionadas.
1. PRINCIPAIS JURISPRUDÊNCIAS SOBRE O CASO EM ANÁLISE
A jurisprudência, em sentido amplo, pode ser entendida como o conjunto de decisões proferidas por juízes singulares – consubstanciada pela sentença – ou por uma coletividade de julgadores – consubstanciada pelos Acórdãos. Da mesma forma, pode ser interpretada no sentido estrito, como um conjunto de decisões uniformes, que seguem o mesmo sentido acerca de questões fática similares. Sob ambos os aspectos, uma coisa é certa, a jurisprudência, atualmente, é uma fonte subsidiária do direito, sendo inafastável que um complexo de decisões no mesmo sentido influa a subjetividade do julgador.
Dessa forma, seria impossível a análise de tema tão moderno sem trazer a opinião predominante dos julgadores que enfrentam a discussão em primeiro momento. Veja, com o modelo rígido adotado pelo constituinte, seja na mudança de texto constitucional quanto na mudança de texto legal, muitas vezes a mudança legislativa não consegue acompanhar as sociais quanto ao padrão comportamental e contratual, sendo papel do judiciário, em um primeiro momento, resolver tais conflitos.
Assim, necessário trazer os principais julgados sobre o tema em análise, seja na esfera trabalhista, seja na esfera cível e consumerista.
1.1. Jurisprudência na esfera trabalhista
A questão na Corte Trabalhista chegou até o Tribunal Superior do Trabalho por meio do AIRR nº 10575-88.2019.5.03.0003 de relatoria do Ministro Alexandre Luiz Ramos, o qual invocou a discussão se existe a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre o motorista profissional que desenvolve as atividades profissionais por intermédio de aplicativo, o qual, no caso supra, era o Uber e sua criadora Uber do Brasil Tecnologia Ltda.
No referido caso o Ministro reconhece que se trata de uma questão jurídica nova, como reforçado em tópico anterior, a qual demanda nova interpretação legal, vez que o modelo legal disponível não se adequa ao caso. No mérito os Ministros da quarta Turma fixaram entendimento de que:
"(...) o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previsto nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal."
Fundamentaram tal posicionamento sob o argumento de que a relação empregatícia elencada pela CLT tem como padrão a relação clássica desenvolvida pelos trabalhadores industriais, comerciais e de serviços, sendo que essa nova relação contratual não cumpre os requisitos dispostos no antigo modelo, pois não sobrevoam os quatro elementos caracterizados da relação trabalhista, quais sejam: (i) pessoalidade; (ii) onerosidade; (iii) não eventualidade; e (iv) subordinação jurídica. Trazem, em especial, a falta da subordinação jurídica, vez que a relação desenvolvida pelas partes não conta com poder diretivo, fiscalizador, regulamentar ou disciplinar.
Informa, ainda sobre a relação entre o motorista e o aplicativo, que ela não atende os requisitos impostos pelos artigos 2º e 3º da CLT, haja vista que o motorista tem a liberdade de escolher qual "corrida" irá pegar ou não, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de metas de viagens e, mais, sem dispor de qualquer penalidade pela recusa do motorista em realizar o serviço direcionado a ele.
Noutro giro, o Relator ainda afirma que entende estar se tratando de uma relação estabelecida nos termos da lei 11.442/07, a qual regula o transportador autônomo, pelas palavras do Relator, "aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial". Indicando, ainda, que tal legislação foi declarada pelo STF como constitucional, quando do julgamento da ADC nº 48, publicada no DJE nº 123, de 18 de maio de 2020. Apesar de discordar veemente da interpretação dada ao transportador autônomo este assunto será tratado em momento posterior.
Dessa forma, pela jurisprudência trabalhista, com fixação de entendimento em sede de Tribunal Superior, não é possível a caracterização da relação entre motorista e aplicativo como sendo uma relação trabalhista, pela falta de elementos caracterizadores do referido vínculo jurídico.
Confira aqui a íntegra do artigo.