Desde a nova redação do art. 226, §6°, da Constituição Federal 1, alterado pela EC 66/2010, o pedido de divórcio pode ser feito de forma direta, sem observância de qualquer prazo, nem mesmo sendo necessária a prévia decretação de separação judicial.
Assim, ainda que permaneça previsto no §2° do art. 1.580 do Código Civil a comprovação da separação de fato por mais de dois anos para que o divórcio seja requerido, a norma constitucional importou na revogação implícita do referido dispositivo 2.
Com efeito, antigos requisitos para a possibilidade do divórcio, tais como culpa, lapso temporal, prévias separações, dentre outros, deixaram de ser exigidos, de modo que atualmente para que haja o divórcio é necessário apenas a existência de um casamento válido e a vontade de um dos cônjuges em dissolver a sociedade conjugal.
Ainda, não há necessidade de prova ou condição, tampouco de formação de contraditório, conforme leciona Rolf Madaleno 3:
Não mais importam as causas da separação para irrogarem em juízo a responsabilidade de um ou de outro cônjuge pelo fracasso do casamento, como tampouco pode impedir a procedência do divórcio qualquer defesa sustentada no descumprimento de deveres conjugais.
Dessa forma, o único requisito para a decretação do divórcio é a inequívoca vontade de um dos cônjuges de pôr fim à sociedade conjugal, tornando–se um simples exercício de um direito potestativo incondicionado das partes, fundado em norma constitucional.
O termo “direito potestativo” advém do latim potestativus, que significa revestido de poder. É utilizado para indicar o direito de alguém, cujo exercício depende simplesmente da vontade e arbítrio de seu detentor, leciona Rodrigo da Cunha Pereira 4. Desse modo, afirmar que o direito ao divórcio é atualmente um direito potestativo significa dizer que há um estado de sujeição do outro cônjuge ou companheiro, cabendo a este simplesmente aceitar a dissolução e a alteração do estado civil de casado para divorciado 5.
Para Conrado Paulino da Rosa 6 “a visão contemporânea de um direito potestativo ao divórcio permite que, desde o início da demanda, o magistrado já determine a extinção do vínculo, seguindo a demanda com a discussão de outros temas.” Isso porque o art. 1.581 do Código Civil prevê que o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens, o que também foi acolhido pela súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça.
É importante registrar que a nova lei processual civil positivou o instituto do julgamento antecipado parcial do mérito (CPC, art. 356, II), uma das principais inovações do novo diploma, sendo possível, portanto, a decretação do divórcio antes mesmo da sentença.
Nessa linha o Enunciado 18 do IBDFAM também orienta: “Nas ações de divórcio e de dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC), para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas”.
Maria Berenice Dias 7 defende ainda, que o divórcio deve ser decretado pelo juiz ao despachar a inicial, mesmo quando não houver pedido de liminar pela parte autora.
Vale lembrar que o direito ao divórcio deve ser assegurado com efetividade e rapidez, em prevalência ao estado integral da dignidade dos cônjuges que estejam sob rompimento da união conjugal passível de desentendimentos ou de litígios.
Assim, considerando que o casamento válido se dissolve com o divórcio (art. 1.571, §1°, do CC), o seu decreto mostra-se como medida impositiva, como forma de preservar a dignidade da pessoa humana, em especial de que ninguém é obrigado a permanecer casado se assim não mais deseja.
Nesta esteira, o legislador infraconstitucional anotou que a concessão da tutela da evidência independe do periculum in mora, ou seja, da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (art. 311, CPC).
Em relação à tutela provisória fundada na evidência, a doutrina pátria ensina que ela se caracteriza pela “possibilidade de antecipação dos efeitos finais da decisão, satisfazendo-se desde logo o provável direito do autor, mesmo nas situações em que não exista a urgência” 8.
Ainda, segundo Fredie Didier Jr9:
se as afirmações de fato e o direito do autor se colocam em estado de evidência, a injustiça que pode decorrer da sua espera por uma cognição exauriente, necessária para a concessão de tutela definitiva, é muito mais provável do que aquela que vitimaria o réu com um eventual erro judiciário advindo da apreciação superficial da causa.
Contudo, mesmo reconhecendo que após a EC 66/2010 o ordenamento jurídico brasileiro passou a prever o divórcio direto, muitos Magistrados indeferem o pedido de liminar como forma de se prestigiar o princípio do contraditório (arts. 7°, 9° e 10° do CPC).
No entanto, não se vislumbra, em análise ainda que sumária, a possibilidade de prejuízo à parte contrária em deferir o pleito da parte autora, haja vista que nenhuma alegação da outra parte será capaz de impedir, modificar ou extinguir o direito do divórcio, muito menos haverá prova capaz de gerar dúvida razoável ao julgador quanto ao seu direito potestativo.
Ainda, não se mostra razoável fazer a parte aguardar o tempo até o contraditório ou a realização de sessão de mediação ou audiência de conciliação se uma das partes já manifestou a sua inequívoca vontade de se divorciar.
Nesse sentido foi o entendimento do Tribunal de Santa Catarina:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA PARA A DECLARAÇÃO DO DIVÓRCIO. INSURGÊNCIA DA AUTORA.
INCONFORMISMO RELATIVO AO INDEFERIMENTO DO PLEITO LIMINAR PARA A OFICIALIZAÇÃO DO ROMPIMENTO DO VÍNCULO MATRIMONIAL POR MEIO DO DIVÓRCIO. ACOLHIMENTO. DIREITO POTESTATIVO. INEQUÍVOCA INTENÇÃO DE PÔR FIM AO MATRIMÔNIO. DECRETAÇÃO DE DIVÓRCIO QUE SE IMPÕE. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 226, § 6° DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS DO ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL CUMPRIDOS. DECISÃO REFORMADA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Agravo de Instrumento n. 4024058-92.2019.8.24.0000, Relator: Carlos Roberto da Silva, de Blumenau, Sétima Câmara de Direito Civil, Julgado em: 06/08/2020) [grifou-se]
Na mesma linha compreende o Tribunal de Justiça de São Paulo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação de divórcio - Insurgência contra decisão que, em sede de tutela antecipada, indeferiu a decretação do divórcio - Alegação do agravante de que o divórcio constitui direito potestativo, salientando que não há que se falar em prejuízos aos menores envolvidos já que os alimentos devidos à filha do casal foram estabelecidos, inclusive com a emissão de ofício ao seu empregador - Acolhimento - Com o advento da EC 66/2010, o decreto do divórcio, direito potestativo, passou a ser permitido liminarmente, com a concessão da tutela de evidência prevista no Artigo 311, do Código de Processo Civil - Requisitos presentes - Decisão reformada para decretar o divórcio do casal, prosseguindo-se o feito com relação às demais questões - Recurso provido. (TJ-SP - AI: 22156792720208260000 SP 2215679-27.2020.8.26.0000, Relator: Clara Maria Araújo Xavier, Data de Julgamento: 14/12/2020, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/12/2020)
Por essa razão, entende-se ser plenamente possível a concessão da tutela de evidência para que seja liminarmente, decretado o divórcio entre as partes, com fulcro no art. 311, incisos II e IV, parágrafo único do CPC, tendo em vista a inconteste evidência do direito material que se pleiteia, por se tratar de alegação comprovada apenas documentalmente, com respaldo em norma de índole constitucional.
Destarte, havendo a decretação do divórcio, deve o Juiz determinar ainda a expedição do mandado para averbação no registro de casamento, com as devidas observações necessárias ao caso concreto.
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1 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
3 MADALENO, Rolf. Direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 394.
4 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões: ilustrado. São Paulo. Saraiva, 2015. p. 236.
5 Idem. p. 237.
6 ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. 5.ed. Salvador: JusPODIVM, 2019, p. 272.
7 Dias, Maria Berenice. Manual de direito das famílias: de acordo com o novo CPC. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 227-228
8 DOTTI, Rogéria Fagundes. Código de Processo Civil Anotado, 2015. OAB/PR e AASP. Pág. 521.
9 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada, processo estrutural e tutela provisória. 16 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. Pág. 767.