Serviços estatais e sanções políticas
Adriano Pinto*
É certo, como afirma a Telemar em relação à telefonia, que leis e regulamentos vigentes autorizam a suspensão do fornecimento dos serviços estatais delegados, em caso de inadimplência do usuário, qualquer que seja ele.
Também deve ser reconhecido que o não pagamento de valores cobrados pelos serviços prestados, especialmente por grandes consumidores, implica em prejuízos inquestionáveis à concessionária, inibindo o seu desenvolvimento regular.
A legislação que dá regime às delegações dos serviços estatais é autoritária, substituindo os encargos institucionais do Poder Publico delegante pela aplicação de constrições administrativas aos usuários, como forma de garantir o suporte operacional financeiro para as delegações outorgadas.
Sem dispor de meios políticos que possam estabelecer o equilíbrio constitucional dos regimes operacionais das delegações dos serviços estatais, porque a maioria parlamentar atua conforme encomendas governamentais, aprovando medidas provisórias ou produzindo leis formuladas pela burocracia executiva, os consumidores, buscam o socorro judicial.
Os juizes de primeiro grau, mais sensíveis, mais perto das agruras dos consumidores, socorrem os jurisdicionados com medidas que ignoram as responsabilidades institucionais do Poder Publico delegante e projetam sobre as empresas privadas que prestam os serviços estatais delegados os ônus de atendimentos sociais que deveriam ser suportados pelo próprio estado.
Já os tribunais superiores se apegam à literalidade das leis e regulamentos inconstitucionais e, via de regra, sacrificam os direitos dos consumidores, sem confrontar os desempenhos institucionais do Poder Delegante.
A questão envolvida nas relações jurídicas pertinentes a prestação de serviços estatais, assim considerados aqueles atribuídos ao Poder Público e delegados à iniciativa privada por via de contratos administrativos sob forma de concessões, não mereceu, ainda, dos nossos tribunais, a solução adequada.
Submissos aos interesses governamentais os tribunais passaram a proclamar os direitos dos concessionários de receberem a remuneração devida conforme os termos das concessões, transferindo para os consumidores os ônus dos atendimentos sociais que são dos poderes concedentes, ao legitimarem os cortes do suprimento de serviços essenciais (água, energia elétrica, telecomunicações), restabelecendo a prática das chamadas “sanções políticas” condenadas por inconstitucionalidade na jurisprudência sumulada do STF.
O conflito, seja na sua vertente de provocar a descontinuidade dos serviços públicos, seja no efeito de negar aos cidadãos a proteção contra a justiça privada, liberando os delegatários de atividades estatais dos ônus sociais, tem como solução constitucional, democrática, conciliar os valores institucionais.
Sendo certo que as concessionárias tem direito a sustentação de suas atividades por remuneração adequada, também é fato que os consumidores tem direito a tarifas módicas e continuidade dos atendimentos ajustados até que, por controle judicial, se faça proclamada a situação legitimadora da suspensão dos serviços que, por serem estatais, colocam as delegatárias no desfrute de mercado cativo formado com as necessidades sociais.
Por outras palavras, impõe-se cobrar do Poder Público delegante posição de garantia da sustentação econômico-financeira das atividades delegadas, seja na hipótese de agravamento das tarifas que negam aos consumidores privados o acesso a atendimentos que foi colocado sob reserva estatal, seja quando o peso delas provoquem embaraços a atividade dos consumidores públicos.
No contexto desse conflito, onde os tribunais tem prestado homenagem políticas aos poderes delegantes, marcam sensibilidade social e compromisso institucional as decisões judiciais que socorrem os consumidores públicos e privados, mas, infelizmente, elas pecam por desvio de foco na solução oferecida, que se limita a lançar sobre as concessionárias um peso financeiro que deveria ser do poder delegante.
Uma decisão adequada a dar solução constitucional, legítima, justa, seria determinar-se a continuidade da prestação do serviço público delegado, autorizando-se a delegatária a abater dos tributos que deva recolher para a entidade delegante os valores questionados judicialmente.
Resta esperar que o STF assuma seu papel institucional de fazer socialmente efetiva a Constituição, sem tangenciar o enfrentamento dessa questão, para dar solução ao conflito que assegure às relações administrativas transferidas para uma execução privada o timbre democrático que impede a aplicação da força econômica, a exploração da necessidade social, como forma de reagir à inadimplência de consumidores presos a um mercado cativo produzido pelo monopólio estatal.
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* Advogado do escritório Adriano Pinto & Jacirema Moreira - Advocacia Empresarial
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