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A recuperação judicial de clubes de futebol e seus efeitos esportivos

Os recentes pedidos de recuperação judicial de associações civis sem fins lucrativos, como o caso do Figueirense Futebol Clube, bem como a possível aprovação do projeto de lei que cria a Sociedade Anônima do Futebol, deverão tornar os pedidos de recuperação judicial de clubes de futebol mais comuns no cenário brasileiro.

22/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Toda atividade econômica gera inúmeros benefícios à sociedade, como por exemplo, a geração de empregos, bens e serviços, bem como a circulação de riquezas e produtos. Visando tutelar tais benefícios, os países costumam criar o chamado Sistema Legal de Insolvência, com ferramentas para ajudar a combater os efeitos nefastos do encerramento da atividade.

No Brasil, esse sistema está regulado pela lei 11.101/05, que prevê, dentre outros, o instituto da recuperação judicial ("RJ"). A RJ pretende ajudar o agente econômico que, apesar de manter um negócio com viabilidade econômica, não consegue superar a crise econômico-financeira apenas por meio das estruturas de mercado (captação de recursos no mercado, empréstimo bancário, dentre outras).

Em apertada síntese, tem-se que a RJ consiste num grande acordo entre a empresa e seus credores, que negociam, coletivamente, formas e condições de pagamento que sejam compatíveis com o estado da empresa, sob a supervisão do Juiz, que por sua vez, conta com o auxílio de um administrador judicial.

Para garantir a efetividade do procedimento recuperacional, a lei prevê a concessão de determinados privilégios ao devedor, com dispositivos que estimulam a negociação por parte dos credores e que permitem ao devedor maior tranquilidade para elaborar um plano de recuperação judicial com uma proposta de pagamento aos credores.

Todavia, tais concessões, se aplicadas no âmbito esportivo, podem gerar incompatibilidades com alguns princípios do esporte, dentre eles, o equilíbrio competitivo, a paridade de armas e a estabilidade das competições. Por isso, alguns países, onde os casos de eventos de insolvência no futebol são mais comuns, adotam medidas para mitigar esses efeitos, bem como coibir o uso irresponsável dessa ferramenta.

Um dos maiores benefícios concedidos pela RJ ao devedor é o Stay Period. Durante 6 meses, todas as ações e execuções contra o devedor são suspensas, garantindo, assim, maior fôlego à empresa. Como se sabe, muitos clubes sofrem com constantes penhoras, o que inviabiliza a regular continuidade de suas operações cotidianas.

Esse período garante que o clube possa se organizar sem a constante pressão das execuções judiciais. Diante disso, na hipótese da ocorrência da recuperação judicial de um time durante uma competição, haverá configurado de forma evidente, uma vantagem a este, em detrimento de outro clube que, por não estar protegido judicialmente pelos efeitos da RJ, terá de enfrentar eventuais ataques às suas receitas por parte de credores.

Ademais, a aprovação das condições de pagamento é determinada por voto da maioria dos credores, em quórum previsto pela lei. Ou seja, ainda que determinado número de credores não concorde com os termos do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor, é possível que sejam dragados para o acordo celebrado.

Frente a esse cenário, o credor é praticamente obrigado a negociar, o que garante mais uma vantagem ao clube que esteja em RJ. Isso pois, a entidade desportiva que não se valha desse procedimento, tem de passar por diferentes negociações individuais, nas quais cada credor, provavelmente, buscará unicamente a satisfação integral de seu crédito, sem considerar o que pode ser melhor para a continuidade da operação das atividades do clube.

Destaca-se ainda que, mesmo com a não obtenção do quórum mínimo legal para a aprovação do plano de recuperação judicial, é possível que o Juiz conceda a RJ. Trata-se do "Cram Down".

Apesar da pertinência da existência desses incentivos ao devedor em recuperação, é possível, como mencionado acima, que sejam produzidas distorções esportivas, violando a integridade das competições.

Por isso, se faz necessária a regulamentação do procedimento de RJ de um clube de Futebol no país, de modo a mitigar tais interferências nos torneios, e também, como forma de tolher a busca indiscriminada pela recuperação judicial, evitando assim, que maus gestores se beneficiem dolosamente de um instrumento que visa proteger a atividade econômica.

Na Inglaterra, tanto a English Football League ("EFL"), quanto a Premier League ("PL") aplicam uma redução de pontos ao time que sofre algum evento de insolvência. Enquanto a EFL prevê a perda de 12 pontos, a PL sanciona o clube em 9 pontos, assim como a Alemanha. Na Escócia, a punição é ainda mais severa, com sanção mínima de 15 pontos.

Tal punição pode ser aplicada imediatamente na temporada vigente ou na próxima, a depender da situação do clube e do momento da ocorrência do evento. Isso se deve para evitar que a punição seja inócua, em casos, por exemplo, em que a equipe ajuíze o pedido de recuperação judicial com o campeonato ainda em andamento, porém já com seu rebaixamento decretado. Nesses casos, a punição é efetuada no início do campeonato da temporada seguinte.

Caso tal medida fosse aplicada no país, seria importante determinar o momento exato que ensejaria a punição, uma vez que há, pelo menos, 3 momentos cruciais neste procedimento: primeiro, o agente ajuiza o pedido de recuperação judicial; em seguida o Juiz defere o pedido; e só após a aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores, é que a RJ tem início de fato.

Além da sanção esportiva, alguns países também adotam restrições em face aos gestores e proprietários de clubes que se envolveram em eventos de insolvência.

Por exemplo, a PL impede que pessoas que exerceram cargo de diretoria em clubes que se utilizaram de alguma ferramenta do sistema legal de insolvência, possam voltar a atuar em outro time.

Essa medida ajuda a afastar "aventureiros" da Indústria do futebol, preservando os agentes mais eficientes, capacitados e que será estimulado a planejar melhor antes de assumir obrigações em nome do clube.

Com normas regulatórias eficazes e transparentes, o mercado do futebol terá maior segurança jurídica para que seus agentes possam optar pela recuperação judicial. Cabe ressaltar que quanto maior segurança jurídica, mais atrativo é o mercado para novos investidores.

Outrossim, transmitirá maior credibilidade ao torcedor/consumidor e aos patrocinadores, uma vez que a estabilidade e o equilíbrio das competições serão preservadas.

Para isso, urge a criação de normas que visem regular os eventos de insolvência de um clube de futebol.

Carlos Magno Faissal Nazareth Cerqueira
Pós-graduando em Negócios no Esporte e Direito Desportivo pelo Cedin. Graduado em Direito pelo Ibmec RJ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Pesquisador do Grupo de Estudos em Direito Desportivo - Ibmec RJ. Certificado em Governança Corporativa e Compliance no Futebol pela CBF Academy, em Compliance e Governança Corporativa pela ESA OAB/RJ, em Mecanismo de Solidariedade e Indenização por Treinamento da Fifa pelo Hubstage, e Recuperação Judicial e Falência pelo IBDE.

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