Com o progresso da vacinação contra a covid-19 um novo problema aflige os empresários e a pergunta feita por estes é: "Posso demitir um funcionário que se recusa a vacinar contra a covid-19?".
É de conhecimento de todos que as vacinas de combate à covid-19 visam prevenir os casos mais severos da doença, reduzindo as internações hospitalares, a necessidade de oxigenioterapia, as admissões em unidades de terapia intensiva, as sequelas da doença e óbitos causados nos pacientes mais vulneráveis.
Além disso, a imunização visa a preservação da saúde e da segurança, individual e coletiva, tanto dos trabalhadores que exercem atividades laborais, quanto dos demais indivíduos que mantêm contato com aqueles.
Acerca da possibilidade de demissão de um funcionário que se enquadra nessa situação de recusa a vacina, é importante verificar algumas legislações pertinentes desse tema.
O art. 444 da CLT dispõe que as relações contratuais de trabalho são objeto de livre estipulação das partes interessadas, desde que não contrariem as disposições de proteção ao trabalho. Assim, partindo da premissa de que a saúde e a segurança do trabalhado são bens indisponíveis, não pode o empregado dispor de seus direitos.
Já a lei 13.979, de 6/2/2020, que trata das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, dispõe, em seu art. 3°, a possibilidade de determinar a realização da vacinação de forma compulsória.
Destaca-se, ainda, que as referidas legislações estão alinhadas ao entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das ADIn 6.586 e 6.587, que considerou ser constitucional a vacinação compulsória, uma vez que o interesse individual não pode se sobrepor ao interesse coletivo, conforme o art. 8° da CLT determina.
Importante frisar que o STF, no julgamento do RE com agravo (ARE) 1267879, cuja discussão versa sobre o direito à recusa à vacinação por convicções fisiológicas ou religiosas, entendeu que os requisitos para a exigência/obrigatoriedade da vacinação são: i) tenha como base evidencias cientificas e analises estratégicas pertinentes; ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes; iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e, v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.
Caso esses requisitos sejam atendidos, não há justificativas para a não inclusão das vacinas como uma das medidas de proteção coletiva e de vigilância epidemiológica integrantes do PCMSO. Logo, por questão de saúde pública e por responsabilidade empresarial, a inclusão do programa de vacinação no PCMSO corrobora e reafirma sua obrigatoriedade para os empregados.
Destaca-se, também, que o próprio Ministério Público do Trabalho criou um documento chamado "Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação da COVID-19" e, em uma das recomendações, dispôs que "diante de uma pandemia, como a de COVID-19, a vacinação individual é pressuposto para a imunização coletiva e controle da pandemia. Nesse contexto, se houver recusa injustificada do empregado à vacinação, pode-se caracterizar ato faltoso, nos termos da legislação. Todavia, a empresa não deve utilizar, de imediato, a pena máxima ou qualquer outra penalidade, sem antes informar ao trabalhador sobre os benefícios da vacina e a importância da vacinação coletiva, além de propiciar-lhe atendimento médico, com esclarecimentos sobre a eficácia e segurança do imunizante".
Observemos que o MPT fez uma ressalva acerca da aplicação imediata da justa causa. Segundo o guia, antes de se aplicar a penalidade máxima é necessário observar alguns requisitos prévios como a promoção de campanhas e orientações acerca dos benefícios da vacina e sua importância para a coletividade.
Assim, recomenda-se que a empresa realize tais medidas preventivas a fim de que se evite uma possível reversão de dispensa por justa causa em eventual ação judicial.
Em análise de alguns casos concretos de dispensa por justa causa em razão da recusa do funcionário a se vacinar contra a COVID-19, é possível observar o entendimento de manutenção da dispensa por justa causa pautando-se pelas legislações acima mencionadas, isto é, art. 444 da CLT, art. 3° da lei 13.979, de 6/2/2020, entendimento do STF no julgamento das ADIs 6.586 e 6.587 e no Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação da COVID-19.
Ocorre, não obstante, que esse entendimento não é majoritário uma vez que a matéria, além de ser nova, comporta várias discussões e entendimentos que ainda não foram analisados e julgados por todos os tribunais regionais bem como pelo Tribunal Superior do Trabalho. Recentemente, no dia 19/7/2021, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região confirmou a decisão proferida pelo juízo a quo que reconheceu a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza de um hospital infantil em razão da recusa ao imunizante.
Caso a empresa decida pela aplicação da justa causa, é preciso estar ciente do fato de não haver entendimento sedimentado acerca do tema, contudo, nada impede que se aplique a referida penalidade, mas com a ressalva de que se observe e aplique medidas preventivas.
Dentre essas medidas preventivas que podem ser adotadas pela empresa, destacam-se:
- Promoção de campanhas internas sobre a importância e os benefícios da vacinação contra a covid-19;
- Promoção de atendimento médico com esclarecimentos sobre a eficácia e segurança do imunizante;
- Inclusão das vacinas como uma das medidas de proteção coletiva e de vigilância epidemiológica integrantes do PCMSO;
- Solicitação do cartão de vacinação para integrar o rol de documentos constantes da ficha do empregado.
Por fim, vale ressaltar que o guia emitido pelo MPT dispôs que salvo em situações excepcionais e plenamente justificáveis o empregado poderá se opor à vacinação. Dentre essas situações, destaca-se: alergias a algum componente da vacina ou contraindicação médica.