Há alguns dias terminei um romance de William Somerset Maugham, chamado de Servidão Humana. Bem na metade do livro o personagem Foinet dizia:
“Nada mais degradante do que as contínuas preocupações com os meios de subsistência. (...) O dinheiro é como que um sexto sentido, sem o qual não podemos usar de modo completo os outros cinco. Sem uma renda decente, metade das possibilidades da vida ficam perdidas para nós. O único cuidado que se deve tomar é não gastar mais de um xelim pelo xelim que se ganha”
Para quem advoga no interior dos estados, nas cidades índice de desenvolvimento educacional baixo, é frequente se deparar com casos de questionamentos de empréstimos, tanto pela não contratação como das condições dos empréstimos, alegando que não foram apresentadas todas as condições no momento da contratação.
Como advogado, pude atuar em alguns desses processos. Em um desses processos, uma senhora, que supostamente não teria realizado um empréstimo, não tinha em sua posse, nem foi oferecido pela contratada, cópia do contrato celebrado, resumo descritivo e de fácil compreensão da taxa de juros efetiva, os encargos moratórios e do valor final pago no final do contrato. No mês passado a SENACON multou dois bancos por praticarem abusos na relação de consumo 1.
Entrou em vigor na sexta-feira, 02/07/2021, a nova lei de 14.181/21. Conhecida como lei do superendividamento. Essa lei modifica o Código de Defesa do Consumidor (CDC), trazendo regras de prevenção e tratamento do chamado endividamento excessivo, ou superendividamento. Dentre suas diretrizes estão o crédito responsável, delegando para as financeiras a responsabilidade pela informação e gestão dos recursos do consumidor, além de concretizar diretrizes já existentes na legislação brasileira, como a garantia do mínimo existencial e da boa-fé nos contratos de crédito, além de proibir o assédio de consumo nas relações de crédito a prazo.
O art. 54-B disciplina que é de obrigação das empresas que vendem a prazo informar ao consumidor, como bancos e financiadoras, o custo efetivo total, a taxa mensal efetiva de juros e os encargos por atraso, o total de prestações e o direito de antecipar o pagamento da dívida ou parcelamento sem novos encargos. As ofertas de empréstimo, ou de venda a prazo, deverão informar ainda a soma total a pagar, com e sem financiamento.
O art. 54 –C ainda proíbe que a empresa de crédito veicule, ou informe ao consumidor, que suas operações não consultam os órgãos de proteção ao crédito como o SPC. Também fica proibido qualquer tipo de assédio financeiro ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio;
Como sanção, a lei prevê que os descumprimentos desses deveres acarretarão redução dos juros contratados e dos encargos, a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
Essa legislação é um importante avanço para a implementação do respeito e da dignidade de tantos brasileiros que sofrem assédios por financeiras. Num país como o Brasil, com renda média abaixo do ideal, as instituições de crédito e de venda a prazo têm um importante papel para promover o desenvolvimento social e a aquisição de bens permanentes, desde que não haja abusos no contrato. Fornecedor e Consumidor devem atuar de maneira justa e de boa-fé. É nessa ralação equilibrada que impulsiona o desenvolvimento nacional.
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1 Disponível aqui.