A Comissão de Valores Mobiliários – CVM – é o órgão autárquico, vinculado ao Ministério da Fazenda, responsável por desenvolver, regular e fiscalizar o Mercado de Valores Mobiliários, devendo zelar pelo interesse dos investidores1. Dentre as atividades a serem disciplinadas e reguladas pelo órgão estatal, constam os serviços de consultor e analista de títulos mobiliários, assim como a veiculação de informações referentes ao mercado, às pessoas que participem dele e aos valores nele negociados, conforme dispõem o inciso VIII do artigo 1º e o inciso III do artigo 8º da lei 6.385/19762 – responsável por tratar dos valores mobiliários e pela criação da CVM.
Para que haja uma melhor compreensão acerca do debate, é imprescindível o domínio sobre o conceito jurídico de valores mobiliários. De acordo com os incisos do artigo 2º da lei 6.385/1976, estes são compostos por títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados publicamente e que gerem direito de participação, parceria ou remuneração, a exemplo de ações, debêntures, bônus de subscrição, cotas de fundos de investimento em valores mobiliários e contratos futuros, de opções e derivativos.
Sob essa perspectiva, emerge a figura do analista de valores mobiliários, que, em consonância com o artigo 1º da resolução CVM 20, de 2021, é "a pessoa natural ou jurídica que, em caráter profissional, elabora relatórios de análise destinados à publicação, divulgação ou distribuição a terceiros, ainda que restrita a clientes"3. Em outras palavras, o analista de valores mobiliários é o indivíduo ou a sociedade responsável por desenvolver relatórios analíticos referentes a valores mobiliários.
Nesse viés, é possível que, em uma concepção clássica, se pense no analista como um agente que gere notas físicas a clientes que expõem se ele indica ou não a aquisição de um determinado ativo. Entretanto, com a avanço das tecnologias, as redes sociais se consolidaram como relevante cenário de atuação destes profissionais.
A resolução CVM 20/2021, via seu artigo 2º, institui que a análise de títulos mobiliários é privativa de analistas de valores mobiliários autorizados pela CVM – haja vista que o credenciamento de tais profissionais necessariamente é realizado via entidades autorizadas pela CVM, de acordo com o artigo 4º da Resolução. Além disso, o artigo 3º da mesma determina a obrigatoriedade do credenciamento destes profissionais, sejam eles pessoas jurídicas ou naturais que exerçam a atividade autonomamente, bem como das instituições que integrem o sistema distributivo que exerçam a atividade de analista de títulos mobiliários.
Em outras palavras, a CVM estipula que apenas as pessoas – físicas ou jurídicas – credenciadas à autarquia, em harmonia com os termos por ela impostos, estão aptas a exercerem a atividade de analista de ativos. Com isso, a instituição é capaz de gerir o mercado de valores mobiliários de forma mais eficiente, uma vez que garante que os profissionais em discussão estarão sob suas normas e sua supervisão. Afinal, há requisitos técnicos que, segundo apuração da instituição, são essenciais para a otimização do mercado de ativos, de modo que permitir a atuação de agentes sem haver a necessidade de cumprir tais exigências poderia acarretar danos ao mercado. Um exemplo, são possíveis recomendações de investimento realizadas por indivíduos sem o estudo técnico necessário para realizá-las.
Como previamente suscitado, porém, as redes sociais têm se tornado palco de substanciais recomendações de ativos mobiliários, o que dificulta a operação da CVM. Sob essa égide, a entidade publicou o Ofício Circular CVM/SIN 13/204, com o intuito de esclarecer certos debates relativos à atividade profissional de analista de valores mobiliários, se atentando ao cenário digital vigente. Seguindo esse raciocínio, o Ofício enaltece os tipos de opinião que podem ser configurados como exercício da atividade de analista de valores mobiliários – embora o Ofício Circular diga respeito ao artigo 1º da instrução CVM 598/20185, esta não está mais em vigor, visto que a resolução CVM 20/2021 a revogou. Entretanto, a redação do novo artigo permanece praticamente idêntica à do antigo, havendo somente alteração do termo "instrução" para "resolução" em seu parágrafo primeiro.
Nesse sentido, a resolução destacou a necessidade do aspecto de "caráter profissional" da elaboração de relatórios – ou quaisquer manifestações não escritas que contenham conteúdo típico dos relatórios, em harmonia com o parágrafo 2º do artigo 1º da resolução CVM 20/2021 – a serem destinados a terceiros. Isto é, apenas as pessoas que atuam em cunho considerado profissional necessitam de credenciamento nas conformidades da resolução CVM 20/21.
Para que se caracterize o profissionalismo, o ofício circular CVM/SIN 13/20 enfatiza alguns fatores. Dentre eles, estão a (i) habitualidade; (ii) presença de benefícios, remunerações ou vantagens a serem obtidos, independentemente do envolvimento direto de numerários – ainda que estes tornem mais evidente o caráter profissional; e (iii) a moderação da linguagem utilizada no conteúdo manifestado. Contudo, há a elucidação de que a utilização de avisos que visem à caracterização da manifestação como mera opinião pessoal, e não recomendação de investimento, não são suficientes para descaracterizar o aspecto profissional da atividade, que depende da presença dos requisitos já citados.
Apesar de haver um esforço por parte da autarquia em reforçar a caracterização do analista financeiro e os deveres atribuídos a ele, através do Ofício Circular CVM/SIN 13/20, a função fiscalizadora se depara com diversos obstáculos no âmbito das redes sociais. Afinal, aplicativos como o Instagram, possuem ferramentas que facilitam o direcionamento de conteúdo a um grupo de indivíduos específico, a exemplo de perfis privados, em que o administrador da página pode selecionar quem está apto a segui-la e, consequentemente, ter acesso ao seu conteúdo, e do mecanismo dos "close friends" – que consiste em um instrumento que possibilita o usuário selecionar quem poderá visualizar seu rol privado de compartilhamento de stories. Outro aparato utilizado com finalidade semelhante é o Telegram, aplicativo no qual o influenciador cria grupos restritos em que divulga recomendações sobre ativos, de maneira similar ao que ocorre no Instagram.
Assim, pessoas com o intuito de recomendar ativos habitualmente, de maneira remunerada ou a obter quaisquer vantagens ou benefícios em face das manifestações, possuem acesso a meios que lhe permitem uma atuação expressiva e sem a supervisão da CVM, tendo em vista a ausência de caráter público das publicações. Com isso, há um incentivo ao exercício da atividade de analista de valores mobiliários sem o devido credenciamento legal, já que, à medida que a fiscalização por parte da autarquia é dificultada, menor é a probabilidade de o agente ser punido.
Portanto, nota-se a imprescindibilidade da implementação de mecanismos que visem ao controle da postagem de conteúdos concernentes a títulos mobiliários, especialmente em situações em que sejam utilizados recursos capazes de ocultar as manifestações da supervisão estatal. Sob essa ótica, uma possibilidade é a exigência de notificações das publicações que envolvam conteúdo atinente a ativos por parte das redes sociais à autarquia, o que pode ser realizado a partir da utilização de tecnologia já existente, como a aplicada pelo Instagram, por exemplo, para identificar posts que dizem respeito à vacinação durante a pandemia gerada pela SARS-CoV-2 - covid-19.
Todavia, há de se analisar os limites que o aparato suscitado deve obedecer, a fim de assegurar sua compatibilidade com a garantia constitucional da privacidade – vide artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 19886 - e a Lei Geral de Proteção de Dados – lei 13.709/20187. Logo, ao se ponderar o direito à privacidade com o controle do mercado de valores mobiliários, o repasse de informações deve se limitar aos textos que digam respeito a tais valores. Destaca-se que a própria LGPD prevê esta possibilidade, haja vista a vigência do inciso II do artigo 7 da Lei, que permite o tratamento de dados pessoais para cumprimento de dever legal ou regulatório. Para garantir uma segurança ainda maior referente à possibilidade da utilização dos dados, sugere-se que as empresas estabeleçam termos de consentimento neste sentido, sob pena de impossibilidade da utilização da ferramenta.
1 BRASIL. Ministério da Fazenda. O que é a CVM?. Acesso em: 28 de abril de 2021.
2 BRASIL. Lei 6.385, de 7 de setembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Acesso em: 29 de abril de 2021.
3 BRASIL. Ministério da Fazenda. Comissão de Valores Mobiliários. Resolução CVM 20/2021. Dispõe sobre a atividade de analista de valores mobiliários e revoga a Deliberação CVM 633, de 6 de julho de 2010, e a Instrução CVM 598, de 3 de maio de 2018. Disponível aqui. Acesso em: 29 de abril de 2021.
4 BRASIL. Ministério da Fazenda. Ofício circular CVM/SIN 13/20. Esclarecimentos sobre a atividade profissional de analista de valores mobiliários nos termos da instrução CVM 598. Acesso em: 29 de abril de 2021.
5 BRASIL. Ministério da Fazenda. Instrução CVM 598/2018. Dispõe sobre a atividade de analista de valores mobiliários. Acesso em: 29 de abril de 2021.
6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em: 29 de abril de 2021.
7 BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Acesso em: 29 de abril de 2021.