Migalhas de Peso

Do direito ao silêncio da vítima nos crimes relacionados à lei 11.340/06

É possível que a vítima de crimes praticados no contexto da Lei Maria da Penha fique em silêncio quando de seu depoimento em juízo?

20/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Comumente conclamados como crimes de difícil defesa, os delitos cometidos em âmbito de violência doméstica e/ou contra a mulher possuem como característica especial relevância da palavra da vítima.

Assim, em se tratando de hipótese do crime de ameaça, a palavra da vítima, embasada por depoimentos policiais que, na maioria dos casos, apenas tomam conhecimento dos fatos através do depoimento da mulher, habitualmente se demonstram suficientes para ensejar a condenação do acusado.

Porém, não raro, vítima e réu reatam o relacionamento, se tornando da vontade de ambas as partes a extinção da ação penal, por não mais necessitarem da intervenção estatal em sua vida privada. Neste caso, quanto às medidas protetivas, comumente deferidas em casos abarcados pela lei Maria da Penha, são facilmente revogadas, bastando requerimento expresso da vítima, ou que ela mesma quebre as medidas, hipótese em que ocorrerá sua revogação tácita.

Já nas ações penais em curso, têm-se que os crimes de lesão corporal e descumprimento de medidas protetivas não dependem de representação da vítima, de forma que não é possível "voltar atrás", sendo que, embora o delito de ameaça pressuponha representação, esta somente pode ser renunciada até o momento do recebimento da denúncia.

Urge então a dúvida: Como fazer valer o desejo da vítima e conseguir a absolvição do acusado?

Entende-se que, nos casos de lesão corporal, tal fato se mostra de maior dificuldade, frente ao ECD juntado aos autos, bem como os depoimentos policiais e/ou testemunhais que presenciaram as lesões e, muitas vezes, a própria agressão.

Todavia, nos casos pertinentes à ameaça ou até mesmo descumprimento de medidas protetivas, o advogado ou Defensor Público que patrocina a defesa da vítima, pode valer-se do Enunciado 50 do FONAVID, que dispõe:

ENUNCIADO 50: Deve ser respeitada a vontade da vítima de não se expressar durante seu depoimento em juízo, após devidamente informada dos seus direitos. (APROVADO NO XI FONAVID – São Paulo).

Assim, caso a vítima se mantenha em silêncio durante seu depoimento, não restarão elementos aptos à gerar uma condenação criminal, frente a ausência de provas, tendo em vista que os depoimentos policiais apenas valem-se de declarações prestadas pela vítima em sede policial, sendo certo que elementos constantes do inquérito policial, por si só, não podem embasar uma condenação judicial.

Importante ressaltar que o advogado do acusado não pode se valer desta estratégia, sob pena de, ao orientar a vítima, ser enquadrado no crime de tergiversação:

Art. 355 - Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado: Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.
Patrocínio simultâneo ou tergiversação 
Parágrafo único - Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.

Ainda, caso o direito ao silêncio não seja respeitado pelo Magistrado, caberá ao advogado fazer constar o pedido e a correspondente recusa em ata, a fim de embasar futuro recurso, o qual, em tese, não poderá ser interposto pelo advogado do acusado, frente à falta de interesse recursal.

João Victor Vieira de Paula
Estudante do 8º período do curso de Direito. Colaborador na 2ª Vara Criminal da Comarca de Caratinga.

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