A recente modulação dos prazos de proteção de patentes no STF, provocados pela ADI 5229 1, demonstra que a eficiência econômica de toda propriedade intelectual no Brasil deve ser revista. Apesar da discussão na corte superior ser sobre Propriedade Industrial, o Direito Autoral também poderia aproveitar a oportunidade e reduzir os prazos de proteção previstos na lei 9.610/98 (LDA).
Inicialmente, temos que o sistema jurídico da Propriedade Intelectual, simploriamente, é um conjunto de políticas normativas desenhadas a encorajar inovação e criatividade. Ou seja, é uma proposta normativa que busca um equilíbrio econômico-social: a inovação incrementa o bem-estar social, porém requer investimentos financeiros para sua concretização. Quem investe deseja retornos que superem o valor investido. Por sua vez, sem inovação, a sociedade não evolui
Para estimular inovação a lei estabelece direitos exclusivos, temporários e de propriedade real (art. 3º LDA e art. 5º LPI). Trata-se de um monopólio legalmente instituído e socialmente aceito. Conforme exemplo em Ayub (2019): “as patentes, ao propiciarem o monopólio temporário sobre uma inovação, geram um fluxo de lucros extraordinários que permite à empresa recuperar seus gastos em P&D e funciona como incentivo à inovação” 2
As patentes são protegidas por 20 anos (artigo 40, caput, da Lei de Propriedade Industrial), enquanto no direito autoral são 70 anos contados do ano subsequente ao falecimento do criador (art. 41 da LDA). Estes exemplos de proteções intelectuais não abrangem todo o campo juridicamente protegido, porém servem como norteador do debate.
Em 12 de Maio de 2021, ao analisar o prazo de proteção de patentes, o STF teve que considerar os impactos de sua decisão em ramo industrial específico – o das vacinas, principalmente por estar-se em plena crise sanitária (pandemia COVID-19). O debate pode ser analisado sob óticas sociológicas e políticas, porém entendemos que o cerne da questão é a eficiência econômica da propriedade intelectual no Brasil.
Eficiência econômica é um conceito das Ciências Econômicas e pode ter várias significações, tais como ótimo de Pareto ou critério de Kaldor-Hicks. É estudado no Direito pela escola do Law and Economics a partir de Ronald Coase, sendo que alcançou o grau de princípio ao ser exposto no artigo 37, caput, da CF/88 (Princípio da Eficiência).
Ensina Bagnoli (2017) que a análise de atos e fatos de acordo com as regras da Ciência Econômica resultará naquilo ‘economicamente certo’. Essa informação, entretanto, é passada ao jurista, que deve necessariamente fazer ponderações socio-jurídico-econômicas, a fim de concluir o ‘justo’ 3. O julgamento do STF, neste sentido, objetiva reestabelecer o certo-justo em propriedade industrial.
Portanto, se o Supremo entendeu cabível discutir o prazo de proteção das patentes, o equilíbrio almejado pela lei não está sendo atingido. Ocorre que este é o mesmo desejo da lei de Direitos Autorais. Assim, esse debate não deve ser exclusivo da propriedade industrial, mas sim de toda a propriedade intelectual.
De tal sorte, sob a ótica do Direito Autoral, a proteção merece ter seus prazos revistos. Admitindo esse entendimento, a próxima pergunta é: qual prazo seria o mais eficiente? A resposta vem da análise da estrutura econômica da propriedade intelectual.
A partir dos ensinamentos de Posner (2009) 4, é possível estabelecer uma estrutura econômica, em representação cartesiana, para cada bem juridicamente protegido (patentes, marcas, livros, filmes, e todos os demais). Como o Direito Autoral socialmente é visto primordialmente como criação, semelhante às patentes em Propriedade Industrial, aqui nos limitamos à inovação em si, portanto, apenas obras novas e não cópias ou reproduções.
A economia básica em direito de autor depende de 3 fatores: criação de novas obras, retorno financeiro pela exploração da obra, e grau de proteção do sistema vigente. Em representação cartesiana, têm-se um gráfico em que o eixo X traz as quantidades de obras novas, o eixo Y o retorno econômico pela exploração e pode-se traçar uma reta unindo as intersecções. Em termos simples, se o valor de uma nova obra é 100, ao criar duas obras o autor receberia o total de 200; três, o total de 300; e assim por diante.
Posner (2009) demonstrou que, na realidade, a diagonal resultante é inclinada: conforme novas obras são criadas, o autor pode receber mais ou menos por cada criação. Assim, no mesmo exemplo acima, temos dois cenários: (A) uma nova obra resultaria em 100; duas, total de 150 (+50 sob o anterior) ; três, total de 175 (+25 sob o anterior); e assim sucessivamente; ou; (B) no cenário contrário, uma obra 100; duas, o total de 250 (+150 sob o anterior); para três novas obras, o total de 450 (+200 sob o anterior), etc.
Entender essa inclinação é essencial, pois quem provoca tal alteração é o sistema jurídico. O artista naturalmente prefere o cenário B, ou seja, situação social em que é plenamente estimulado a criar cada vez mais novas obras. Contudo, conforme Posner (2009), quanto mais protetivo o sistema jurídico, menor o resultado econômico decorrente de obras novas (cenário A).
Existem diversas consequências de um sistema demasiadamente protetivo, tais como prática empresarial solidificada em contratos, voltada ao favorecimento dos “unicórnios” ou “One Hit Wonders”1, e causando artistas consagrados normalmente percebem seus rendimentos, por cada nova obra, serem proporcionalmente menores que os anteriores – passando a batalhar por renovações contratuais com editoras e gravadoras que antes não eram tão árduos.
O relatório do ECAD sobre 2019 5 aponta que dos 383 mil titulares contemplados, 76% são autores estrangeiros (1% de crescimento) e 80% dos artistas conexos são internacionais (9% de crescimento). Os totais se mantiveram no ano de 2020.
Estes números chamam atenção pois o Brasil favorece a cultura nacional (lei 8.313/91, lei de Incentivo à Cultura). O favorecimento não deveria ser apenas financeiro, mas principalmente na quantidade de beneficiários. É de se arguir ser relacionado a questões sociológicas ou que o agente econômico nacional não supra a demanda, contudo, parece-nos que o cerne do problema é outro: a preferência internacional em detrimento ao nacional é consequência da ineficiência econômica do instituto jurídico da propriedade intelectual no Brasil.
Entendemos que um dos fatores centrais da ineficiência autoral é o prazo de 70 anos após o falecimento do autor. Este prazo merece ser revisto e diminuído. A estrutura econômica demonstra que, em 2021, a sociedade poder ter acesso às obras cujos autores faleceram antes de 1951, é prejudicial.
Como vimos, para cada tipo intelectual juridicamente protegido é possível estabelecer sua representação cartesiana. Por isso, é possível calcular o grau de eficiência em cada um dos segmentos da indústria do entretenimento (música, filmes, livros, shows etc.), com o correspondente prazo de proteção em estágio máximo de eficiência. A dificuldade para essa estipulação está, tão somente, no acesso aos dados – mas isto é tema para outro debate.
Propomos a equivalência entre direito autoral e propriedade industrial, portanto, uma proteção de 20 anos também para as criações artísticas.
Agentes criativos e titulares de direitos patrimoniais podem inicialmente não aceitar este posicionamento pois isso representaria uma possível diminuição de rendimentos – que em argumentação jurídica seria demonstrado como perda de direitos. Contudo, vimos que diminuir o prazo de proteção resultaria, na verdade, em mais ganhos financeiros. O modelo matemático indica o sentido positivo.
As empresas detentoras de poder econômico podem informar que o consumo intelectual cresce ano após ano. Contudo, os beneficiários são minorativamente brasileiros. Ademais, a prática contratualista no entretenimento é uma demonstração da ineficiência normativa. Editoras e gravadoras prevalecem a doutrina clássica dos Contratos pois é economicamente estável, ou seja, uma estrutura econômica eficiente à sociedade – diferente do Direito Autoral, mesmo que ambos promovam a devida segurança jurídica.
Com isso, a discussão sobre o prazo das patentes pelo STF abre portas para revisão deste mesmo fundamento em Direito Autoral, que deve aproveitar o tema em voga e promover atualização, passando a efetivamente incrementar o bem-estar social brasileiro e majorando tanto a inovação quanto o ganho dos criadores. Um prazo de se mostra eficiente, por exemplo, é a padronização em 20 anos de proteção intelectual.
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1 O termo unicórnio é comumente utilizado para designar empresas inovadoras que possibilitam altíssimos retornos econômicos para seus investidores, por exemplo, atingir valor de mercado em quantias bilionárias. Na música, são conhecidos como “Maravilhas de Um Sucesso” (One Hit Wonders)
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1 STF. ADI 5229. Processo eletrônico. número único: 4000796-72.2016.1.00.0000. Disponível em: clique aqui. Acesso em 20 de maio de 2021.
2 AYUB, Nicole Ísis; BACIC, Miguel Juan. Economic Analysis of Law Review. EALR, V. 10, nº 2, p.153-172, Mai-Ago, 2019.
3 BAGNOLI, Vicente. Direito Economico e Concorrencial. 7ª ed ver, atual. e ampl. São Paulo. Editora Revista do Tribunais, 2017
4 POSNER, Richard A., LANDES, William M., The economic structure of intellectual property law,2009, Harvard, ISBN 0-674-01204-6
5 ECAD. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Relatório Anual. Disponível em: clique aqui. Acesso em 20 de Maio de 2021.