Interdição:
A interdição é uma medida extrema, de destituição da capacidade civil do(a) Interditando(a) de exercer determinados atos, como se casar, movimentar conta bancária, doar, herdar, vender e alugar bens, etc., sem o consentimento (e até sem a presença) do(a) Curador(a), pessoa nomeada pelo juiz para administrar o patrimônio do(a) Interditando(a), com a anuência dos demais familiares.
Os casos envolvendo pedidos judiciais de interdição de idosos em estados demenciais que possam representar risco de vida a si e/ou a terceiros, ou mesmo causar prejuízos ao patrimônio próprio e/ou de terceiros (ex.: atos de perdularidade) são comuns e também requerem a atuação do psicólogo jurídico.
Nomeação do curador:
O(a) Curador(a) pode ser um familiar (cônjuges costumam ter a preferência), mas também pode ser parente próximo, um amigo e, em casos de conflitos familiares intensos e/ou alto risco de vida do(a) Interditando(a) para si e/ou para terceiros, pode ser nomeada uma pessoa externa ao círculo familiar e social (será chamado “Curador Dativo”, nomeado pelo Juiz).
De qualquer forma, o(a) Curador(a) deve ser uma pessoa idônea, maior de 18 anos, capaz, que irá se responsabilizar pelos atos do(a) Interditando(a), inclusive será obrigado(a) a prestar contas perante os familiares do(a) Interditando(a) e do Juiz e Ministério Público.
Avaliação Psicológica:
Na Avaliação Psicológica, o profissional (perito e também o assistente técnico 1 irá analisar o contexto familiar, pois há interesses de membros da família de ambos os lados: há aqueles familiares que temem as consequências de atos irrefletidos e inconscientes do idoso, e aqueles que, direta ou indiretamente, ‘se beneficiariam’ dessa situação (ex.: cônjuge ‘interesseiro’ que seria beneficiado(a) com a doação de todo o patrimônio do idoso).
Realizam-se os estudos psicológico, social e também psiquiátrico no(a) Interditando(a) e em todas as pessoas envolvidas nessa situação familiar.
Os principais aspectos analisados na avaliação psicológica e neuropsicológica nesses casos de Interdição são:
· Doenças ou transtornos físicos que alterem a capacidade cognitiva;
· Comunicação visual, auditiva e motora;
· Nível de consciência;
· Interpretação de gestos corporais, linguagem não-verbal, imagens, símbolos, desenhos ou fotografias;
· Comunicação verbal (voz, expressão, entonação, sincronia entre fala e emoção);
· Cuidados pessoais;
· Tarefas de manutenção da residência (limpeza da casa, compras etc);
· Capacidade de realizar atos da vida civil;
· Capacidade de descrever fatos exclusivamente pela memória, sem precisar consultar fontes.
· Deficiências: gravidade e extensão da(s) deficiência(s), para avaliar se é(são) limitador(es) para a vida autônoma.
Avaliação Neuropsicológica:
Segundo LEZAK (1995, apud CUNHA, 2000), a Avaliação Neuropsicológica (AN) é um tipo mais complexo, que exige do profissional conhecimento aprofundado de Psicometria, bem como de informações contínuas e atualizadas do Sistema Nervoso e suas patologias.
O principal objeto de análise da AN é a cognição (mais especificamente a memória), porque é a que geralmente se torna mais prejudicada nas alterações cerebrais, e também por ser a mais facilmente mensurada, embora os demais problemas do SNC também afetem outras áreas do comportamento.
A AN considera as questões de encaminhamento, mas também precisa levar em conta as queixas do paciente e/ou dos familiares, sua história de vida, o exame de seu estado mental e circunstâncias da vida atual. A partir desses elementos, o neuropsicólogo pode suscitar a testagem de duas hipóteses superpostas:
1. A hipótese da presença de um déficit cognitivo específico, levantada pela hipótese de uma determinada resposta ou de um comportamento anômalo;
2. Hipótese sobre a presença de determinada disfunção cerebral, gerada por achados comprobatórios da 1ª. hipótese.
Essas hipóteses geram questões de outras ordens:
1. Questões diagnósticas: que envolvem perguntas relacionadas ao diagnóstico diferencial, discriminando condições que podem apresentar efeitos comportamentais semelhantes, ou comparar o nível atual de desempenho com o presumível desempenho pré-mórbido;
2. Questões descritivas: envolvem a avaliação de capacidades específicas, que vão fundamentar decisões sobre o indivíduo (vida escolar/acadêmica e profissional, direitos e deveres civis), bem como fundamentam estratégias de tratamento.
LEZAK (1995, p.22, apud CUNHA, 2000, p.173, cit.) apresenta o seguinte quadro das capacidades envolvidas pelas funções executivas:
Avaliação Neuropsicológica em idosos:
Conforme ARGIMON e CAMARGO (In: CUNHA, 2000, cit.), o funcionamento cognitivo evidencia mudanças durante o envelhecimento, pela própria idade, deterioração patológica, múltiplos eventos internos e externos.
Nesse sentido, ACHÁ et al. (2015) entendem que a AN do idoso é fundamental para se esclarecer se há nexo causal entre o padrão de desempenho cognitivo e suas capacidades de realizar os atos da vida cotidiana (alimentar-se, vestir-se, etc.) e, em âmbito forense, para verificar sua autonomia e independência para exercer os atos da vida civil.
Ocorre que, segundo ARGIMON e CAMARGO (In: CUNHA, 2000, cit.), um dos principais problemas encontrados é a falta de cooperação e motivação do idoso para participar do processo avaliativo.
O objetivo da AN em idosos é identificar se essas mudanças constituem as alterações normais e esperadas durante o processo de envelhecimento ou se sugerem um estado demencial. Para isso, o examinador deve estabelecer com clareza:
· Quais são as mudanças esperadas?
· Em que ordem temporal ocorrem essas mudanças?
· Quais são os déficits cognitivos do envelhecimento?
Porém, essa tarefa não é fácil, pelas seguintes razões:
1. Os distúrbios cognitivos dos estádios iniciais da demência, sobretudo Alzheimer, se sobrepõem aos da senescência normal ou aos anos de depressão;
2. Frequentemente os idosos apresentam condições que interferem na sua cognição: causas psiquiátricas, depressão, isolamento social, doenças médicas, déficits sensoriais e polifarmácia.
Além da memória, frequentemente avaliada neuropsicologicamente, outros aspectos que interferem na cognição de idosos são as percepções sensório-motoras e viso-espaciais na atenção, a linguagem e pensamento. Ocorre uma redução de energia disponível que demanda esforço, causando lentidão na sua execução, sendo que muitas tarefas executivas precisam ser completadas em reduzido intervalo de tempo, e nem sempre o idoso consegue completar, o que frequentemente gera uma sobrecarga de ansiedade.
Segundo SERAFIM et al. (2017), pode ser realizado um rastreamento das funções mentais por meio do Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), que abrange investigação das esferas cognitivas da orientação, registro, atenção e cálculo, e linguagem.
SERAFIM e SAFFI (2017, p.240) apresentam o seguinte quadro das principais características das síndromes demenciais:
Conforme ARGIMON e CAMARGO (In: CUNHA, 2000, p.180):
Uma vez colhida a história e levantadas as hipóteses iniciais, [...], o plano de avaliação deve levar em conta tais hipóteses específicas, porque testes de uma bateria fixa geralmente são construídos sem levar em conta o padrão particular das patologias demenciais. Além disso, numa avaliação, os sujeitos podem ter níveis culturais diferentes, ou, na suspeita de demência, podem estar em estádios diferentes de evolução, o que demanda flexibilidade na escolha dos instrumentos, embora algumas baterias possam ser citadas desde que seu objetivo seja o do plano de avaliação.
O que é a tomada de decisão apoiada?
A tomada de decisão apoiada veio decorrente de alterações do Código Civil de 2002, através do art. 1783-A e §§.
Nesse sistema, por iniciativa da pessoa, nomeiam-se duas pessoas idôneas, com as quais essa pessoa mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisões sobre atos da vida civil, fornecendo-lhe elementos e informações para que possa exercer sua capacidade (REQUIÃO, 2015).
O juiz, para decidir, ouve o próprio requisitante, o Ministério Público, os apoiadores e a equipe multidisciplinar. A legitimidade ativa é exclusiva do requisitante que quer os apoiadores (REQUIÃO, 2015, cit.).
A tomada de decisão apoiada será diferente para cada sujeito, conforme os limites do apoio. Outra questão delicada é a vigência, se determinada ou indeterminada.
No caso brasileiro, a tomada de decisão apoiada parece não implicar em perda da capacidade do sujeito que a requer, mas sim em como esse apoio legitima e valida o(s) negócio(s) por realizado pelo requisitante. Em negócios de maior monta, o juiz, ouvido o MP, em caso de divergência entre o requisitante e um dos apoiadores (ou ambos), decidirá a questão; nos negócios de menor monta, prevalecerá a escolha do requisitante em detrimento das opiniões dos apoiadores (REQUIÃO, 2015, cit.).
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1 O assistente técnico também tem a prerrogativa de realizar sua própria avaliação, mas não como um estudo autônomo, e sim como um recurso para conhecer o cliente contratante e a família, bem como para coletar as informações que serão necessárias no conteúdo do parecer técnico de manifestação ao laudo pericial, quando chegar o momento processual apropriado.
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