Nos últimos dias, os noticiários deram conta de propagar as cenas de violência praticadas contra a esposa do denominado "DJ Ivis". Sem dúvidas, são cenas devastadoras e que trazem indignação e repúdio.
Mas, um fato que merece atenção é que, a violência foi praticada na presença da filha do casal, de tenra idade, que presenciando os atos praticados pelo pai contra sua mãe, estava registrando em suas memórias as mais perversas imagens em relação a uma pessoa que dela deveria zelar, cuidar e ser exemplo de proteção.
E não se olvide que a criança registre na memória o que vê e sente em casos de violência, seja física ou psicológica, praticadas no seio familiar.
Em 17 anos na advocacia, vários deles dedicados ao Direito das Famílias, atendi muitas mulheres que sofreram violência física, psicológica, patrimonial e, nestes atendimentos, ouvi tristes relatos, analisei fotografias e vídeos que chocariam tanto quanto as cenas que foram mostradas nas redes sociais.
Mas, sempre me chamou a atenção o relato de crianças e adolescentes e sua percepção em relação a violência praticada pelos pais contra as suas mães, como o caso de um adolescente de 16 anos que bateu a porta do escritório, transtornado e pedindo ajuda pois, não suportava mais ver a mãe apanhando calada e pedindo que "fizéssemos o divórcio dos pais", pois não sabia mais por quanto tempo ele poderia segurar a raiva que sentia e o medo de que algo pior pudesse acontecer.
Recordo-me ainda do relato de uma criança de 4 anos de idade que, durante um atendimento (que destaca-se, não era afeto a direito de família), após ouvir uma porta batendo, mostrou-se muito assustada e disse que "aquilo era muito ruim".
Questionada do porque a porta batendo era "muito ruim", a criança relatou que o pai xingava muito sua mãe, e depois ele saia, batia a porta bem forte e a mãe chorava muito porque ele não voltava para casa. E completou dizendo que, "não gostava quando a mãe chorava mas, que gostava quando o pai não voltava para casa".
São apenas dois relatos, de inúmeros. Mas servem apenas para que possamos pensar nas nefastas consequências da violência doméstica em crianças e adolescentes que, sofrem junto com a mulher agredida as dores da agressão.
Estudos da psicologia e da pedagogia revelam que, as consequências da violência doméstica podem ser muito sérias, pois crianças e adolescentes aprendem com cada situação que vivenciam, seu psicológico é condicionado pelo social e o primeiro grupo social que a criança e adolescente tem contato é a família. O meio familiar ainda é considerado um espaço privilegiado para o desenvolvimento físico, mental e psicológico de seus membros um lugar "sagrado" e desprovido de conflitos1.
Assim, é louvável e relevante que as campanhas contra a violência doméstica se intensificam diante de novos casos escancarados pela mídia e que servem de exemplo para o fim da impunidade e para que as mulheres tenham coragem de pedir ajuda.
Mas, precisamos refletir também sobre o fato de que, mesmo sendo a mulher a vítima principal da violência, os reflexos de sua condição, de sua dor e sofrimento são sentidos também pelos filhos, trazendo para estas crianças e adolescentes em desenvolvimento, problemas de ordem psicológica e modificações significativas na formação de sua personalidade, notadamente, pelo comprometimento das relações que esses filhos terão com o agressor.
Temos que reconhecer que a violência contra a mulher é um problema enraizado na sociedade e que demandará muita luta para que um dia esse seja um assunto esquecido.
Contudo, é também salutar reconhecer que, precisamos falar sobre este assunto à luz dos direitos da criança e do adolescente, travando um debate adequado sobre o tema e colocando efetivamente estas pessoas em desenvolvimento na condição de detentores de real proteção integral.
Assim, diante de briga de marido e mulher, salve a mulher. Mas não esqueça os seus filhos.
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1 ROSAS, Fabiane Klazura; CIONEK, Maria Inês Gonçalves Dias. O impacto da violência doméstica contra crianças e adolescentes na vida e na aprendizagem. Acesso em 12.7.2021.