Introdução
Recentemente o mercado bancário foi surpreendido com a notícia da indicação de uma conhecida artista e jovem empresária de significativo sucesso para ocupar um lugar no conselho de administração de uma importante fintech (que, no fundo, não deixa de ser um banco). A partir do espanto geral, as reações foram as mais diversas possíveis, desde a admiração e o apoio, até o torcer do nariz, ou avaliação pior. Muitos dos comentários afirmam ter sido uma grande jogada de marketing, duvidando-se que o nome da artista possa ser aprovado pelo Banco Central do Brasil, BCB - dada a sua notória e confessada inexperiência nesse ramo de negócios, o das instituições financeiras. Afinal de contas, acrescentamos nós, empresa é empresa e banco é banco. Uma coisa é ser empresário e estar do lado de quem pede dinheiro emprestado ou o aplica; e outra bem diferente é ser banco e intermediar a captação de recursos para emprestá-los e aplicá-los em nome dos clientes. As expertises exigidas são inteiramente diversas.
Quando se está diante de fintechs é preciso partir de uma consideração inicial no sentido de que se trata de um ente novo no mercado financeiro (Iato senso), devendo ser examinadas no contexto do que nelas é disruptivo e do que é inerente às instituições financeiras do ponto de vista histórico. Cabe à academia compreender a sua configuração para tratá-las de forma adequada, no caso de que se trata, nos planos econômico e jurídico, conjuntamente.
As fintechs são, no momento, um verdadeiro laboratório de experiências no mercado financeiro, abertas para a análise do acadêmico, destacando-se, dentre outros, dois pontos essenciais: (i) não formam uma unidade institucional, pois cada uma tem o seu projeto particular por meio do qual pretendem operar no mercado, nele encontrando brechas para se posicionarem lucrativamente; e (ii) no estágio inicial em que se encontram ainda não apresentaram em sua generalidade um quadro de sustentabilidade econômica e financeira para o longo prazo, tendo sido mantidas e desenvolvidas por meio de aportes periódicos de capital próprio ou de terceiros, que assumem o risco correspondente.
Uma particularidade desse tipo de instituição financeira (as fintechs) está em que a movimentação das contas de seus clientes dá-se exclusivamente no ambiente virtual por meio de um smarthone, inexistindo agências físicas dentro das quais o cliente possa conversar com o seu gerente.
Quando se fala em instituições financeiras, logo se pensa em riscos no sistema financeiro – e, portanto, no qualificativo sistêmico desses riscos em particular, o que caracteriza o pavor dos reguladores nacionais e internacionais, sendo a lembrança das mais recentes crises de 2007/2008 e 2011 a fonte dos seus pesadelos recorrentes noturnos.
O laboratório que foi referido acima permite análises a partir das informações disponíveis ao pesquisador, de livre acesso, que procura tirar princípios gerais por meio de uma abordagem inicialmente empírica. Nesse sentido, o jogo que acontece no mercado no momento presente não implica em que o seu estudioso torça por um time ou outro, devendo ser um juiz neutro das condutas apuradas. The game is afoot, já diziam os britânicos. Chova ou faça sol.
Veja-se, inicialmente, que a situação em foco perpassa por microssistemas jurídicos que se interpenetram: (i) societário, especialmente quanto às companhias em geral na sua operação dentro do mercado financeiro; (ii) bancário; e (iii) concorrencial. Dada a confluência das normas pertinentes, será preciso identificá-las em cada um desses microssistemas, avaliá-las e ponderar a sua valoração para o fim da escolha adequada, que pode ser uma somatória de diversos dos seus dispositivos.
I) A publicidade, o seu papel relevante na economia e sua consideração no caso sob exame
Há muito tempo que a publicidade está presente na sociedade humana, para o fim do oferecimento de produtos ou de serviços, desde os antiquíssimos pregoeiros que percorriam as ruas, até as tabuletas descobertas nas ruínas de Pompeia.
É um instrumento ímpar na divulgação de produtos e de serviços, que se utiliza dos mais diversos meios, e o recurso a celebridades tem sido um dos mais eficientes. Modelos, jogadores de futebol, pilotos de carros de corrida, animadores de programas de televisão e artistas têm sido as pessoas mais procuradas para tal finalidade, com excelentes resultados para os anunciantes. O nível de sua influência pôde ser observado pela observação pelo lado negativo quanto ao efeito pretendido (para o anunciante) quando, recentemente, famoso jogador de futebol, durante uma entrevista transmitida pela televisão, retirou de sua frente duas garrafas de conhecido refrigerante, afirmando que água é melhor para a saúde. O resultado imediato foi a queda da cotação das ações do fabricante em uma Bolsa de Valores em cerca de cinco pontos percentuais, o que correspondeu a bilhões de dólares de perda no seu valor de mercado.
A publicidade é uma atividade lícita, devendo respeitar os parâmetros adequados, de acordo com a legislação própria, não sendo o caso de se tratar dela neste momento, pois é alheia às atuais preocupações. Basta considerar a presunção de que a publicidade fazia parte do projeto que foi posto em andamento com relação à aludida artista. Fosse uma pessoa anônima, não haveria o efeito de atração de clientela, dentre outros objetivos.
II) O Direito societário aplicável
Tratou-se da indicação de uma pessoa para fazer parte do conselho de administração de uma fintech, uma das mais importantes do mercado financeiro pátrio, tomada como um verdadeiro modelo de negócio novo nessa área. Uma particularidade desse tipo de instituição financeira (as fintechs) está em que a movimentação da conta se dá exclusivamente no ambiente virtual por meio de um smarthone, inexistindo agências físicas dentro das quais o cliente poderia conversar com o seu gerente.
Tal fintech é autorizada pelo Banco Central do Brasil a operar como instituição financeira, praticando operações ativas, passivas e acessórias inerentes à carteira de crédito, financiamento e investimento, de acordo com as disposições legais e regulamentares aplicáveis às sociedades de crédito, financiamento e investimento.
Examinemos em primeiro lugar como o direito societário tutela a vida de uma sociedade anônima (caso próprio das instituições financeiras) para depois aferirmos comparativamente a legislação prudencial específica, emanada de leis especiais e de normas dos reguladores para verificarmos como elas devem ser aplicadas em relação a uma fintech.
Ora, a indicação de alguém para integrar os quadros administrativos de uma companhia em geral deve considerar as diferentes qualidades que são exigidas – diferentes para a diretoria e para o conselho de administração – devendo ser analisado o papel do controlador nesse processo. Como se sabe, os órgãos das sociedades são a assembleia geral ou reunião de sócios, o controlador, o conselho de administração (não obrigatório para todas as sociedades), a diretoria e o conselho fiscal – a auditoria independente, como seu próprio nome anuncia, é externa à sociedade. Façamos a análise desses órgãos, especialmente o conselho de administração e a diretoria, dentro dos termos da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976- LSA), que é a aplicável às instituições financeiras, obrigatoriamente constituídas sob aquela forma social.
Podemos esquematizar as funções dos órgãos sociais da seguinte forma, no seu cerne:
1) a assembleia geral é o poder máximo da sociedade, operando por meio da vontade da maioria dos acionistas – em boa parte dos casos, sob um controle permanente – sendo que o controle pode ser majoritário ou resultar de acordos de acionistas;
2) o controlador controla a sociedade nos termos e limites do estatuto social, positivos e negativos, respondendo por abuso de poder controle no caso ação ou omissão que acarretem prejuízos a pessoas diversas, a partir dos acionistas minoritários.
3) o conselho de administração traça a orientação geral dos negócios da companhia (estratégia);
4) a diretoria realiza a administração social (execução); e
5) o conselho fiscal fiscaliza os atos dos administradores, assim como verifica o cumprimento dos deveres legais e estatutários destes.
No cenário acima, cabe ao controlador indicar pessoas para fazerem parte do conselho de administração e da diretoria, eventualmente tendo lugar eleições segundo as diretrizes de acordos de acionistas. Na forma do estatuto, poderá ser dado o direito de voto para tal fim a minoritários (titulares de ações ordinárias ou preferenciais) para o fim da eleição por votação em separado de um ou mais membros dos órgãos de administração (Lei 6.404/1976, arts. 16, III e 18, caput). Pareceria haver uma diferença sutil entre os dois dispositivos aqui citados, no sentido de que o voto em separado pelos acionistas ordinários seria para o fim de preencher determinados cargos nos órgãos administrativos (dessa forma, tanto no conselho de administração, quanto na diretoria), enquanto o voto referente aos acionistas preferenciais estaria referido sem o qualificativo “determinados”. Mas nos parece que a lei não estabeleceu diferenciação entre esses dois tipos de acionistas para tal finalidade.
De qualquer maneira, seja para o conselho de administração, seja para a diretoria, qualquer que seja o eleitor, as indicações devem ser feitas em favor de pessoas tecnicamente idôneas ao exercício das funções correspondentes, que são claramente diferentes entre os dois órgãos, de acordo com as suas competências específicas. Sempre o eleito deverá ser capaz de exercer adequadamente as funções previstas na lei e no estatuto. E, tendo em conta que as atuais considerações dizem respeito a instituições financeiras – um tipo muito particular de empresa e cujas operações revestem-se de grande complexidade – a indicação de pessoa estranha ao ramo é suscetível de causar problemas, tanto para a companhia como para o indicado, em termos de responsabilidades diversas.
Veja-se pela leitura do art. 142, inciso I, da LSA, em primeiro lugar, que a lei não cria a possibilidade de especialização dos conselheiros de administração em relação a determinadas matérias, considerando-se que a eles incumbe fixar a orientação geral dos negócios da companhia. Neste sentido, pode-se dizer que, mesmo um competente conselheiro de banco, com boa história nessa área, poderá ter dificuldades para entender o negócio particular das fintechs, que o desenvolvem no campo das novas tecnologias, utilizadas em relação a serviços financeiros, como os de pagamento e a operações de crédito, entre outros.
No caso particular da fintech que está em exame sobre a mesa do nosso laboratório, ela atua fundamentalmente (conforme o seu site) na manutenção de contas correntes (pessoa física ou jurídica), no ambiente do PIX, no fornecimento de cartão de crédito e na concessão de empréstimos e de seguros.
Dessa maneira, é imprescindível que o conselheiro de administração de uma instituição financeira tenha, no plano da LSA, um conhecimento integrado de sua atividade, compreendendo-a como um todo e sabendo analisá-la na composição harmônica dos seus negócios, sempre a partir do atendimento da lei e do estatuto social.
De acordo com o inciso III do mesmo art. 142, cabe ao conselheiro de administração fiscalizar a gestão dos diretores, o que significa verificar se eles estão exercendo adequadamente as suas funções, segundo as suas eventuais especialidades dentro da empresa, conforme estabelecido no estatuto e no regimento interno. Ora, não terá um outsider competência para essa finalidade, dada a exigência de conhecimento técnico inerente ao negócio da instituição financeira. E o recurso ao auxílio de assessores não resolve o problema, pois o conselheiro assessorado não saberá identificar se os conselhos recebidos se encontram de acordo com o que se revelaria corresponder ou não a uma boa administração de instituição financeira. Entre uma e outra opinião, diferentes entre si, qual escolher? Essas situações sempre nos remetem à advertência da esfinge: “decifra-me ou te devoro”[1].
Em seguida, o art. 142 no mesmo inciso III e no inciso VI atribui-se aos conselheiros de administração o dever de examinar a qualquer tempo os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, bem como quaisquer outros atos. Essa fiscalização revela-se de natureza pessoal, não podendo ser delegada. Em certos casos, é exigida a manifestação prévia sobre contratos a serem celebrados, devendo fazer o conselheiro um juízo sobre a sua conveniência e oportunidade. Assim sendo, mesmo contando com assessores, o conselheiro de administração deve minimamente saber ler e entender balanços e demonstrações financeiras e ser capaz de compreender e avaliar os contratos já celebrados pela instituição financeira e aqueles que estão em andamento, para o fim de sobre eles fazer um juízo pessoal de valor e tomar as providências cabíveis, a partir do momento em que perceber alguma irregularidade. Como se verifica, tais tarefas, nada triviais, estão muito além do conhecimento relativo à administração de uma empresa comum, não financeira.
Na mesma linha do que foi acima referido, compete ao conselheiro de administração manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria, conforme o inciso V do art. 142, a exigir conhecimentos especializados.
O que se conclui é que a indicação de alguém para o cargo de conselheiro de administração de uma instituição financeira – tendo em conta neste passo a LSA – somente deve recair em pessoa que conheça de forma adequada esse tipo complexo de negócio.
Mudando o foco, não pode ser esquecida a alínea “d” do art. 117 da LSA, que determina constituir abuso do poder de controle a eleição de administrador que se tenha como tecnicamente inapto, precisamente a situação de um outsider, seja, como já referido, um artista, um jogador de futebol, um modelo, um corredor de automóveis etc.
Já que o caminho acima revela-se no mínimo desaconselhável, pode ser feita em relação a tais pessoas uma eleição para cargos na diretoria, o órgão executivo da sociedade? Em tese sim, segundo o art. 143, inciso IV, da LSA, na medida em que o estatuto estabeleça para esses diretores atribuições específicas, não necessariamente inerentes a uma gestão técnica de instituição financeira. Seria o caso de uma diretoria de marketing, por exemplo, por meio da qual, dada a capacidade desses diretores de influenciar e de captar clientes, possam trazê-los para a instituição financeira que integram, tornando-os novos clientes. Aí a situação seria a da pessoa certa no lugar certo. E o próprio estatuto pode elevar o grau de segurança da atuação desses diretores, exigindo que as decisões por eles propostas dependam de aprovação em reunião de diretoria (art. 143, § 2º), afastando os riscos de uma atitude particular eventualmente causadora de riscos para a instituição. Mas vamos ver o que diz a lei especial.
Mas há uma observação a ser feita, ainda, no plano societário. Ainda que o estatuto particularmente possa segregar as funções do diretor de que temos falado, ainda assim não poderia ser afastada a sua obrigação de fiscalizar a gestão dos demais diretores, nos termos do art. 158, § 1º da Lei 6.404/1976, exceto se manifestar expressamente a sua dissidência. Veja-se que o intuito de uma salvaguarde desse diretor especializado encontra limite, a nosso ver, no § 2º do mesmo dispositivo no sentido de que os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
III) O direito societário específico para as instituições financeiras
A lei fundamental que rege o Sistema Financeiro Nacional é a 4.595, de 3.12.1964, que instituiu o Conselho Monetário Nacional – SFN como órgão normativo de cúpula; e o Banco Central do Brasil – BCB, como órgão normativo regulamentador e como o executor das políticas determinadas pela lei de regência.
No que nos interessa, verificamos que não há normas diretas na aludida lei sobre a eleição e a atuação de administradores de instituições financeiras, estando em vigor, em caráter regulamentar, a Resolução CMN 4.122, de 02.08.2012, que, entre outras matérias, estabelece as condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários ou contratuais de instituições financeiras. Essa resolução, por sua vez, tem, por fundamento, artigos das Leis 4.595/1964; 4.728, de 14.07.1965; 6.099, de 12.09.1974; e MP 2.192-70, de24.08.2001.
Por sua vez, eis as normas abaixo transcritas, tiradas da Resolução CMN 4.122/2012, particularmente do seu Regulamento Anexo II (que “Disciplina as condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários ou contratuais das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil”), tão somente na parte que diretamente interessa ao tema em foco, verbis:
Art. 1º A posse e o exercício de cargos em órgãos estatutários ou contratuais de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil são privativos de pessoas cuja eleição ou nomeação tenha sido aceita pela Autarquia, a quem compete analisar os respectivos processos e tomar as decisões que considerar convenientes ao interesse público.
§ 1º A eleição ou a nomeação de membros de órgãos estatutários ou contratuais deve ser submetida à aprovação do Banco Central do Brasil, no prazo máximo de 15 (quinze) dias de sua ocorrência, devidamente instruída com a documentação definida pela Autarquia.
...
Art. 5º É também condição para o exercício dos cargos de membro do conselho de administração, de diretor ou de sócio-administrador das instituições referidas no art. 1º possuir capacitação técnica compatível com as atribuições do cargo para o qual foi eleito ou nomeado.
§ 1º A capacitação técnica de que trata o caput deve ser comprovada com base na formação acadêmica, experiência profissional ou em outros quesitos julgados relevantes, por intermédio de documentos e declaração firmada pelas instituições referidas no art. 1º, submetidos à avaliação do Banco Central do Brasil concomitantemente à documentação prevista no art. 4º.
Ou seja, compete ao BCB apurar o atendimento, pelas pessoas eleitas, dentre diversos outros requisitos, da capacitação técnica adequada ao cargo para o qual alguém foi eleito. São exigidos (cumulativamente, a nosso ver) uma formação acadêmica (ou seja, grau de bacharelado em alguma universidade reconhecida pelo Ministério da Educação; uma experiência profissional, que entendemos deva ser específica para a área financeira e não geral); e outros elementos relevantes, a critério do BCB. Embora a norma não faça restrição a respeito, não seria compatível com o seu espírito (ou programação finalística) que uma pessoa formada em um curso superior de turismo pudesse ser eleita para cargo na administração de uma instituição financeira.
Ou seja, no caso em questão, segundo informações disponíveis, parece-nos que a pessoa eleita para o conselho de administração da instituição financeira em apreço não preencheria os requisitos estabelecidos pelas normas acima referidas, as quais devem estar em consonância com a legislação societária que ladeia as especificas do SFN, pois são confluentes, e, não díspares, nos seus objetivos e sujeitos passivos, a não ser o fato de que não existe nas normas do CMN uma abertura para o cargo de diretor, diferente para o de conselheiros de administração, tal como acontece na legislação societária. Nada impediria que a regulamentação do CMN viesse a adotar uma regra particular nesse sentido.
IV) A concorrência complexa do direito concorrencial
Outro ponto sensível em relação a esse tipo particular de administrador está relacionado ao direito concorrencial, no sentido de que ele naturalmente continua a manter uma agenda profissional paralela, ligada à sua atividade natural e, assim, pode vir a fazer concorrência desleal em favor de algum concorrente da instituição financeira de cuja administração participa, de forma direta ou indireta; ou em detrimento de concorrentes dessa.
Sabe-se que esses profissionais, a partir de uma carreira de sucesso em determinado ramo, passam a desdobrar a sua atividade em diversos tipos de negócio, auferindo grande proveito financeiro do seu nome. Assim sendo, de um lado, eles são titulares, muitas vezes, de um significativo portfólio de empresas às quais o cedem (na maioria dos casos, correspondente a marcas de sua titularidade); e, do outro, eles estarão ligados a um conglomerado financeiro que poderá ter, da mesma forma, diversos tipos de outros negócios, cada vez mais variados na economia atual, que se exerce de forma extremamente disseminada.
Diante do cenário acima citado, as partes deverão tomar todas as medidas necessárias para que concorrência desleal não tenha lugar, praticadas pela própria instituição financeira e/ou pelo administrador ao qual temos nos referido, o que pode gerar problemas jurídicos diversos. A esse respeito, vejam-se disposições aplicáveis presentes na Lei 12.529, de 30.11.2011, abaixo transcrita nos dispositivos pertinentes:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
O § 3º desse artigo 36 exemplifica (sem, portanto, ser exaustivo), condutas que caracterizam infração da ordem econômica, por prejudicarem a livre concorrência e a livre iniciativa, dentre elas, o concertamento de condições e posturas comerciais entre concorrentes e a criação de dificuldades operacionais para concorrentes e seus fornecedores, clientes e financiadores.
O que se quer dizer é que a ausência de dedicação exclusiva do artista integrante de conselho de administração de instituição financeira, potencializada pela sua ampla agenda comercial, pode militar em desfavor da livre concorrência, em função da gama de clientes que essa particular espécie de conselheiro tem. E isso pode ocorrer em uma escala que pode vir a não ficar claro nem mesmo para os acionistas da instituição financeira aconselhada a qual “agenda”, a quais interesses comerciais, o conselheiro em questão, de fato, atende.
Conclusão
Em conclusão, o apetite do mercado para esse tipo de administrador de instituição financeira – que, se virar um precedente, pode influenciar outras escolhas de perfil similar – deverá ser temperado segundo um regime adequado para que a refeição não se torne ingrata tanto ao paladar, quanto ao estômago.
Se a propaganda é a alma do negócio, por outro lado, o negócio é a alma da propaganda, o que não é evidentemente a mesma coisa. Particularmente em instituições financeiras, a propaganda deve atentar para a natureza especialmente arriscada das operações desses empreendimentos, sujeitos a risco sistêmico, por não ameaçar apenas o capital dos próprios acionistas.
_____________
1 Que modernamente poderia ser referido ao “Dilema Dilma”, conselheira episódica da Petrobrás no caso da compra da refinaria da Petrobrás, o que terminou pesando bastante nos nossos bolsos.