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Lei 14.176/21 – Critério econômico do benefício de prestação continuada (BPC) da assistência social

A lei 14.176/21 retomou o critério de 1/4 de salário mínimo de renda mensal familiar per capita como requisito para concessão do BPC da lei 8.742/93.

2/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 22/6/21 foi publicada a lei 14.176/21, fruto da conversão da MP 1.023/20, retomando o critério de 1/4 de salário mínimo de renda mensal familiar per capita como requisito para concessão do BPC – Benefício de Prestação Continuada da lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), dentre outras medidas.

Essa nota técnica se dedica às principais modificações trazidas pelo diploma legal mencionado.

Critério econômico para concessão do BPC

O art. 20, § 3º, da lei 8.742/93, passou a vigorar com a seguinte redação a partir da lei 14.176/2021:

Art. 20. (...)

§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

É importante relembrar, para contextualizar a compreensão da lei 14.176/2021 (sucedendo a MP 1023/2020), que o art. 20, § 3º, da lei 8.742/1993 foi objeto de algumas alterações normativas ao longo de 2020.

Em um primeiro momento, a lei 13.981/20, buscando internalizar no âmbito legislativo o avanço jurisprudencial em torno do BPC, modificou o critério de renda do art. 20, § 3º, da lei 8.742/93 para ½ salário mínimo.

Contudo, poucos dias após esse parâmetro normativo foi alterado pela lei 13.982/2020, e foi revigorado, para o ano de 2020, o vetusto critério de ¼ de salário mínimo para a renda mensal familiar per capita.

A lei 13.982/2020, porém, determinava que a partir de 1.1.2021, o BPC seria concedido com a demonstração de renda inferior a ½ salário mínimo.

Entretanto, essa disposição foi vetada pela presidência da República, de sorte que essa circunstância gerou uma espécie de vácuo normativo, na medida em que, com o veto da presidência da República, foi extirpado do ordenamento jurídico o dispositivo legal responsável por disciplinar os requisitos de concessão o BPC a partir de 1.1.2021.

Caso não fosse editada a MP 1.023/2020 o art. 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988, voltaria a ser norma não auto-aplicável a partir de 1.1.2021, pois este sempre foi o entendimento do STF a respeito desse dispositivo constitucional (evidenciado no julgamento da constitucionalidade - ADI 1.232/DF - da redação original do art. 20, § 3º, da lei 8.742/93, cuja fundamentação sublinhou a necessidade de regulamentação daquela norma constitucional).

Esse parece ter sido o papel principal da MP 1.023/2020 e agora da lei 14.176/2021, ou seja, de manter a aplicabilidade da norma contida no art. 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988 e, assim, manter em execução a concessão do BPC previsto na lei 8.742/93.

Por fim, identificamos que a reintrodução do critério de ¼ de salário mínimo previsto no art. 20, § 3º, da lei 8.742/93, como requisito para concessão do BPC vale de modo taxativo apenas para a via administrativa, perante o INSS, visto que, há longo tempo a jurisprudência vem admitindo a flexibilização desse critério matemático, especialmente a partir da reclamação 4.374/PE no STF e pelo RE repetitivo 1.112.557/MG, no STJ.

Possibilidade de outros critérios para aferição da "miserabilidade"

Introduziu-se na Lei Orgânica da Assistência Social o art. 20-B, que permite adoção de avaliação biopsicossocial para aferição da "miserabilidade", desde que o critério econômico fique limitado ao percentual de ½ salário mínimo de renda per capita familiar mensal.

Esse novo art. 20-B revoga o artigo 20-A, também da Lei 8.742/1993, que igualmente permitia a adoção de critérios biopsicossociais para constatação da "miserabilidade".

A previsão do art. 20-A da lei 8.742/1993 não possuía a limitação do percentual de ½ salário-mínimo mencionada acima, mas tinha como ponto negativo a restrição temporal ao ano de 2020, momento que praticamente inviabilizou sua implementação.

Finalmente, vale registrar que o art. 20-B ora comentado só terá validade após a edição do decreto regulamentador, nos termos do art. 6º, p. único, da lei 14.176/2021.

Esse aspecto parece retomar um formato muito comum em relação aos direitos sociais no Brasil, predominante até meados dos anos 1990, estruturado a partir da ausência de auto-aplicabilidade das normas asseguradoras desses direitos, as quais sempre estavam a exigir a edição de subsequentes normas regulamentares.

"Pente-Fino" do BPC

O § 5º, introduzido no art. 21, da lei 8.742/1993, traz uma norma de reforço ao próprio artigo 21 caput, onde já havia uma previsão de revisão bienal relativa ao BPC, e doravante se estabelece – em simples reforço – que o "beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada concedido judicial ou administrativamente poderá ser convocado para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, sendo-lhe exigida a presença dos requisitos previstos nesta Lei e no regulamento".

Desconto do BPC e auxílio-inclusão pagos indevidamente

Merece atenção também a redação do novo art. 40-C, da lei 8.742/1993:

Art. 40-C. Os eentuais débitos do beneficiário decorrentes de recebimento irregular do benefício de prestação continuada ou do auxílio-inclusão poderão ser consignados no valor mensal desses benefícios, nos termos do regulamento.

Esse novo dispositivo permite o desconto administrativo do BPC ou auxílio-inclusão considerados indevidos pela autarquia previdenciária, tal qual já existe previsão para o desconto do benefício previdenciário (art. 115, II, da lei 8.213/91).

Diferentemente do que se dá em relação aos benefícios de natureza previdenciária, os benefícios assistenciais possuem conotação nitidamente alimentar e, por isso, possivelmente é inconstitucional essa previsão legal, por anular a perspectiva contida no art. 203 da Constituição Federal.

Avaliação biopsicossocial por meio virtual

Considerando a permanência da situação de pandemia ainda em 2021, o art. 3º da lei 14.176/21 permite a adoção, excepcional, ao longo deste ano de 2021, do mecanismo de videoconferência para realização da avaliação social necessária à constatação da deficiência e, de igual forma, a aplicações de padrões médios.

Auxílio-inclusão

É importante mencionar que a lei 14.176/21 ainda determinou várias outras modificações na lei 8.742/93, destacando-se um novo e importante título a respeito do auxílio-inclusão, benefício direcionado às pessoas com deficiência, conforme previsão da lei 13.146/15.

Marco Aurélio Serau Junior
Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.

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