Um exemplo vivo de uma evolução, do escambo, com origem antes de Cristo, antes da existência de um sistema monetário, às transações financeiras digitais.
A moeda reflete a alma do povo. Veja-se o exemplo norte-americano. A soma do curso forçado e a confiança pública no governo, emissor da moeda, permitiu a transição de dinheiro metal para o conceito nominalista, quando, em 1971, por ato do presidente Richard Nixon, o dólar deixou de ser conversível em ouro. Desde então, aquela moeda passou a valer somente pela confiança que os cidadãos nativos e de outros países depositavam na economia dos Estados Unidos.
Com o passar do tempo, a utilização de dinheiro em espécie se torna menos e menos necessária na vida das pessoas em todo o mundo. Isso porque a era digital também atingiu o universo financeiro, afinal as transações online e o uso de cartões têm sido facilitadores para quem os desfruta.
Cédulas e moedas se tornaram itens dispensáveis para quem tem em mãos outros meios. Especialmente após o início da pandemia da covid-19, os meios digitais são ainda mais requisitados, inclusive, por medidas de segurança, porque o distanciamento social e a diminuição de contato físico se mostraram necessários para evitar riscos de infecção. A partir dessa nova realidade, os pagamentos por meios eletrônicos passaram a ser a melhor alternativa para todos.
Recentemente, no Brasil, um dos últimos fenômenos é o denominado Pix. Em suma, o Pix se trata de um sistema de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central do Brasil, que permite transferências durante qualquer hora do dia, inclusive em finais de semanas e feriados, sendo que no primeiro mês houve mais de 53 milhões de transações, estimando-se em 5 milhões de transações diárias.
Se os pagamentos já eram tão digitais anteriormente, com o surgimento do Pix, agora são ainda mais práticos e cômodos, não havendo necessidade de espera para que o valor "caia na conta", além de contar com a isenção de tarifas, por ora, que ainda fazem parte de TEDs e DOCs, por exemplo. E, claro, não deve ser esquecido que o Open Banking, que permite a troca de informações entre as instituições bancárias de seus clientes, uma inovação que certamente vai retirar os bancos da zona de conforto, diante da possibilidade do cliente poder escolher o melhor de cada banco.
Ao redor de todo o mundo, a tendência de desmonetização também é grande. Na Suécia, por exemplo, o plano é de extinguir o dinheiro em espécie até 2025, e o país já conta até mesmo com redes bancárias "cash free", em que todas as transações são feitas de forma exclusivamente digital, registrando que no Brasil mais de mil agências bancárias fecharam na suas portas em 2020.
A China também acompanha as mudanças. O país trouxe mais uma inovação por meio do yuan digital, moeda digital representada por um aplicativo do Banco Central Chinês que promete até mesmo ameaçar a supremacia do dólar no comércio internacional.
No Brasil, o curso que se segue não é diferente. Tramitam pela Câmara dos Deputados projetos de lei que almejam a extinção do dinheiro em espécie. O PL 4068/2020, por exemplo, proposto pelo deputado Reginaldo Lopes, do PT/MG, tem ementa com a redação que "Estipula prazo para a extinção da produção, circulação e uso do dinheiro em espécie, e determina que as transações financeiras se realizem apenas através do sistema digital." Se aprovado, o PL propõe que as notas de R$50 ou maiores saiam de circulação primeiro, no período de até um ano, e que as notas de valor menor sejam extintas em até cinco anos.
No final do mês de maio, o Banco Central divulgou os rumos para o potencial desenvolvimento de uma moeda digital brasileira. O BC do Brasil tem direcionado discussões acerca do tema, que, pelo menos a princípio, teria a moeda digital como uma extensão da moeda física.
Outra vertente que pode ser abordada pela extinção do dinheiro em espécie é a ascensão do comércio digital. Também desde o início da pandemia, as pessoas têm optado por fazer suas compras online. O eCommerce é uma realidade e o aumento de tráfego on-line entre todos os segmentos econômicos é crescente. Por questões práticas, a digitalização do comércio também influencia na diminuição da circulação de cédulas. Assim, os bancos têm criado estratégias facilitadoras para, por exemplo, informar os dados de um cartão de crédito no momento da compra de forma mais rápida e segura.
Há um elemento que pode propiciar o movimento mais rápido do fim do dinheiro em espécie, a Internet. O levantamento feito pelo IBGE em 2019 mostra que 12,6 milhões de domicílios ainda não tinham Internet. Os motivos apontados foram falta de interesse (32,9%), serviço de acesso caro (26,2%) e o fato de nenhum morador saber usar a internet (25,7%). O IBGE destaca ainda que o telefone celular continua sendo a principal ferramenta. Ele foi encontrado em 99,5% dos domicílios com acesso à rede mundial de computadores. Depois vem o computador, com 45,1%, seguido pela televisão (31,7%) e tablet (12%). O Ministério das Comunicações é o grande vetor da democratização da Internet, que com as ações como o Wi-Fi Brasil, Norte Conectado, Nordeste Conectado e Cidades Digitais contribuem para a evolução da conectividade em território nacional. A esperada transformação digital, ainda para 2021, com a Internet móvel 5G, além de emergir avanços tecnológicos irá gerar investimentos e impactos de mais de 100 bilhões de dólares no PIB na próxima década, gerando 200.000 empregos diretos no mesmo período (EXAME, ed 1224).
O fim do dinheiro em espécie pode não ser uma realidade tão distante quanto se esperava. Diante disso, dá-se ainda maior ênfase ao papel da LGPD, em vigor mas sem punições (que se não houver novo adiamento as sanções entrarão em vigor em 1º de agosto de 2021), no que concerne à proteção de dados bancários e pessoais do consumidor que está constantemente comprando em diversos sites de lojas online. É dever dos legisladores acompanhar e atualizar as mudanças apresentadas pelo mundo financeiro, que deve estar alinhado ao que ocorre ao redor do globo, mostrando evolução e responsabilidade em tudo que o abarca.