Migalhas de Peso

Coaf e a nova resolução sobre PLDFTP

Questões Pontuais sobre a Portaria nº 36/ 2021 sobre adoção de políticas, procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa (”PLDFTP”).

24/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Foi publicada em março a Resolução 36/21, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”)1, disciplina a forma de adoção de políticas, procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa (”PLD/FTP”), que permitam o atendimento ao disposto nos artigos 10, inciso III e 11 da lei 9.613/98 (”lei de Lavagem de Dinheiro”), por aqueles que se sujeitam à supervisão do COAF. A Resolução 36/21 trouxe novas regulamentações no âmbito da PLD/FTP para agentes e instituições que não possuíam órgãos reguladores específicos.

O combate a este tipo de crime tem sua origem, no plano internacional, desde fins da década de 70 e início da de 80, inicialmente com o combate ao narcotráfico. Este crime busca legalizar o dinheiro obtido com a prática de atividades ilícitas das mais diversas formas, sendo o mecanismo conhecido como lavagem de dinheiro ou operações de branqueamento de capitais, na denominação do FATF-GAFI (Financial Action Task Force on Money Laundering), um dos principais organismos internacionais no combate à lavagem de dinheiro, vinculado à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O Brasil fixou seu marco regulatório com a edição da lei 9.613/982 (“lei de Lavagem de Dinheiro”), que trata de crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; e a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos na lei e cria o COAF. Referida norma foi considerável e conceitualmente alterada pela lei 12.683/123, que alterou inclusive a própria tipificação do ilícito, revogando toda a listagem taxativa de crimes que decorreriam a lavagem de dinheiro, passando o conceito ser amplo e decorrente de qualquer infração penal.

Segundo a lei vigente, incorre no referido ilícito a pessoa, ou grupo de pessoas, que ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal4. Da mesma forma, também será responsabilizado quem utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, penalizando-se inclusive a tentativa5.

Vale destacar, segundo Marcelo Mendroni, que o agente criminoso – sujeito ativo do ilícito pode ser qualquer pessoa que realize quaisquer das condutas previstas no artigo 1º, destacando que “há vezes em que quem pratica o crime é o mesmo autor do crime precedente, processando, ele mesmo, os ganhos ilícitos. Trata-se de crime dependente da configuração do anterior, mas autônomo, com condutas e punição distintas e previstas. Pode, por outro lado, ser autor dos delitos de lavagem de dinheiro outra pessoa, que não aquela que praticou o crime antecedente, como na hipótese de quem, conhecendo a procedência ilícita do dinheiro (dolo direto), ou desconfiando e devendo suspeitas por qualquer razão (dolo indireto), mas assumindo o risco, promova, em nome daquele, o processamento dos ativos, passando-o por alguma ou por todas as fases que integram os estágios da lavagem – colocação, ocultação e integração.6.

A resolução 36/21 entrou em vigor no dia 1º de junho de 2021.

A novel regulação determina que todas as entidades supervisionadas pelo COAF devem implementar e manter uma Política de PLD/FTP, que deve ser formulada com o objetivo de assegurar minimamente o cumprimento dos deveres estabelecidos na norma, de modo compatível com o porte, volume de operações, e proporcional aos riscos inerentes às suas atividades. Toda a estrutura de governança deverá ser devidamente documentada e deve ficar à disposição do COAF pelo prazo de cinco anos.

Estruturalmente, a Resolução 36/21 inicia definindo distintos aspectos relacionados à forma e ao conteúdo mínimo das políticas de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, a chamada Política de PLD/FTP, que todos os citados supervisionados devem adotar, bem como também trata de outras questões correlatas.

Importa pontuar que as entidades reguladas (supervisionados) são divididas por setores de atuação, sendo que muitos tem seu(s) próprio(s) órgão(s) regulador(es), como bancos (BACEN), corretoras e distribuidores de valores mobiliários (CVM), seguros (SUSEP). Outras entidades, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, são reguladas diretamente pelo COAF, como é o caso de setores que trabalham com a) bens de luxo ou de alto valor, b) cartões de crédito ou de credenciamento, c) factoring e securitização de ativos, títulos ou recebíveis mobiliários, d) comercialização de jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades e) direitos de transferência de atletas e artistas, g) remessas alternativas de recursos e h) serviços de assessoria, consultoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, exceto contadores, economistas e corretores imobiliários, que são pessoas já submetidas à regulação de órgão regulador próprio.

Desta feita, segundo o art. 1º da Resolução 36/21, a norma disciplina a forma como aqueles que se sujeitem à supervisão do COAF, nos termos do art. 14, § 1º, da lei de lavagem de dinheiro, devem adotar políticas, procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa - PLD/FTP que lhes permitam atender ao disposto nos arts. 10 e 11 da lei.

A art. 9º da lei 9.613/98 determina que se sujeitam às obrigações referidas nos arts. 10 (Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros) e 11 (Da Comunicação de Operações Financeiras) da norma, dentre outras situações, as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, quaisquer das atividades referidas nos inúmeros e detalhados incisos artigo.

Segundo o art. 10 da lei de prevenção à lavagem de dinheiro, as pessoas referidas são obrigadas à identificação dos clientes e manutenção de cadastro e registros apurados, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes. Devem, ainda, manter registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas e devem atender, no prazo fixado pelo órgão judicial competente, as requisições formuladas pelo COAF. Os cadastros e registros devem ser conservados durante o período mínimo de 05 (cinco) anos a partir da conclusão da transação, prazo este que poderá ser ampliado pela autoridade competente. Vale destacar, também, que o registro deve ser efetuado quando a pessoa física ou jurídica, e seus entes ligados, houver realizado, em um mesmo mês-calendário, operações com uma mesma pessoa, conglomerado ou grupo que, em seu conjunto, ultrapassem o limite fixado pela autoridade competente.

Já o art. 11 da mesma lei trata das comunicações de operações financeiras. Segundo a norma, as pessoas supra indicadas devem dispensar especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta lei, ou com eles relacionar-se, devendo comunicar, abstendo-se de dar aos clientes ciência de tal ato, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, às autoridades competentes: a) todas as transações constantes do inciso II do art. 10, acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do art. 10; e b) das operações referidas no referido inciso I. Devem, ainda, comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao COAF, na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas nos termos lei. No caso transferências internacionais e os saques em espécie, estes deverão ser previamente comunicados à instituição financeira, nos termos, limites, prazos e condições fixados pelo Banco Central do Brasil.

Vale lembrar, sempre, que a lei determina que as comunicações de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão responsabilidade civil ou administrativa.

Especificamente no tocante à Política de PLD/FTP, determinada e exigida pela resolução 36/21, o seu art. 2º regulamenta o conteúdo mínimo da mesma, cujo objetivo é assegurar o cumprimento dos seus deveres PLD/FTP, devendo ser devidamente documentada e mantida constantemente atualizada e aprovada.

Deverá a Política de PLD/FTP contemplar, no mínimo, a) diretrizes para definição de papéis e responsabilidades em relação ao cumprimento dos deveres especificados nas normas do COAF, sem prejuízo da ampla responsabilização prevista na lei de Lavagem de Dinheiro; b) definição de procedimentos voltados à avaliação prévia de novos produtos e serviços, bem como da utilização de novas tecnologias, no tocante a riscos de lavagem de dinheiro, de financiamento do terrorismo e de financiamento de armas de destruição em massa - LD/FTP; c) avaliação interna de riscos de LD/FTP; d) promoção de cultura organizacional de PLD/FTP, contemplando, inclusive, funcionários, prestadores de serviços terceirizados e colaboradores de um modo geral, bem como parceiros com atuação relevante em modelos de negócio adotados pelo supervisionado, levando em conta as atividades correspondentes;  e) seleção e contratação de funcionários, prestadores de serviços terceirizados e colaboradores de um modo geral, bem como parceiros com atuação relevante em modelos de negócio adotados pelo supervisionado, tendo em vista os riscos de LD/FTP relacionados à correspondente atuação;  f) contínua capacitação de funcionários sobre o tema da PLD/FTP;  g) implementação de procedimentos de: (i) coleta, verificação, validação e atualização de informações cadastrais, visando a conhecer clientes e outros sujeitos relevantes no contexto de suas atividades; (ii) devido registro de operações, independentemente do modo como possam ser formalmente designadas no âmbito da entidade supervisionada; (iii) monitoramento, seleção e análise de operações e situações atípicas ou suspeitas; e (iv) de encaminhamento de comunicações devidas ao Coaf.

Deve haver comprometimento da alta administração para a efetividade da política, dos procedimentos e dos controles internos de PLD/FTP.

A norma determina que a política de PLD/FTP deve ser amplamente divulgada aos funcionários, prestadores de serviços terceirizados e colaboradores de um modo geral, bem deve também ser divulgada e dado o conhecimento da mesma aos parceiros com atuação relevante em modelos de negócio adotados pela empresa supervisionada, sempre com utilização de linguagem clara e acessível, em nível de detalhamento compatível com os papéis que desempenhem e com a sensibilidade das informações.

Vale pontuar que é admitido que a empresa supervisionada que integre conglomerado ou grupo econômico, inclusive com controle situado no exterior, possa cumprir o dever mediante adoção de política única de PLD/FTP porventura observada no âmbito do conglomerado ou grupo, desde que essa política única contemple o conteúdo mínimo supra indicado (arts. 3º e 4º da Resolução).

Segue a resolução 36/21 dispondo sobre a estrutura de governança da Política de PLD/FTP de que os supervisionados devem possuir para assegurar o cumprimento da mesma. Neste sentido, todas as entidades legais supervisionadas devem dispor de estrutura de governança, compatível com seu porte e volume de operações e proporcional aos riscos de LD/FTP relacionados às suas atividades, visando a assegurar o cumprimento da política, bem como dos correlatos procedimentos e controles internos. Não obstante, independentemente do modo como se estabeleça a estrutura de governança prevista no caput, os administradores, em todo caso, não se eximem da sua responsabilidade.

Passa a resolução 36/21 a tratar dos procedimentos e dos controles internos de PLD/FTP, sobre a avaliação interna de risco pela qual hão de pautar-se as entidades supervisionadas, com o objetivo de identificar e mensurar tais riscos. E em tais atividades, a avaliação interna deve considerar, no mínimo, os perfis de risco a) dos clientes; b) do próprio supervisionado, levando em conta seus modelos de negócio e áreas de atuação, inclusive geográficas; c) das operações, independentemente do modo como possam ser formalmente designadas no âmbito da entidade supervisionada, levando em conta suas características, notadamente no que se refere a forma e meio de pagamento, bens, valores, ativos, produtos ou serviços envolvidos e instrumentos, tecnologias ou canais utilizados em sua realização; e d) dos funcionários, prestadores de serviços terceirizados e colaboradores de um modo geral, bem como dos parceiros com atuação relevante em modelos de negócio adotados pelo supervisionado, levando em conta as atividades correspondentes.

Os riscos identificados devem ser avaliados quanto à sua probabilidade de ocorrência e quanto à magnitude dos impactos a eles associados, devendo ser definidas categorias de risco que possibilitem a adoção de procedimentos e controles reforçados, para as situações de maior risco, e simplificados, para as de menor risco. Quando possível e/ou disponíveis, devem ser utilizadas como subsídio para a avaliação interna de risco eventuais avaliações correlatas realizadas pelo Poder Público.

A resolução 36/21 determina que a avaliação interna de risco deve ser a) devidamente documentada e aprovada, no âmbito de pessoa jurídica supervisionada, por pelo menos um administrador formalmente designado; b) divulgada aos funcionários, prestadores de serviços terceirizados e colaboradores de um modo geral, mediante linguagem clara e acessível, em nível de detalhamento compatível com as funções que desempenhem e com a sensibilidade das informações; e c) revisada no mínimo a cada 2 (dois) anos, ou quando ocorrer alteração significativa em perfil de risco.

O Capítulo V da resolução 36/21 trata de procedimentos necessários à observância dos princípios consagrados na legislação nacional e internacional no sentido de que se conheça seu cliente (conhecidos por know your customer ou know your client – KYC). Devem os supervisionados implementar e manter, de modo compatível com seu porte e volume de operações, procedimentos destinados a conhecer seus clientes que assegurem devida diligência na sua identificação, qualificação e classificação quanto ao risco, e devem abranger a verificação e a validação da identidade do cliente, inclusive no contexto de operações não presenciais. Inclusive, é vedado, para efeito de cumprimento das regras de KYC, iniciar relação negocial sem a prévia adoção dos procedimentos de identificação e qualificação nele previstos (art. 10 da Resolução).

Segundo a norma, tais procedimentos devem considerar a) os perfis de risco do cliente e da operação a ele associada, contemplando medidas reforçadas para hipóteses que envolvam maior risco; b) a política de PLD/FTP; e c) a avaliação interna de risco. Tais procedimentos devem ser formalizados em manual específico, mantidos regularmente atualizados e aprovados, no âmbito de pessoa jurídica supervisionada, por pelo menos um administrador formalmente designado.

Especificamente, os procedimentos de qualificação de clientes devem abranger providências voltadas à a) avaliação da compatibilidade entre a capacidade econômico-financeira do cliente e a operação a ele associada; b) verificação da condição do cliente como pessoa exposta politicamente, nos termos da regulamentação estabelecida pelo Coaf a respeito; e c) obtenção das informações destinadas ao conhecimento de clientes necessárias à composição dos conjuntos mínimos de dados cadastrais especificados em normas do Coaf aplicáveis ao segmento em que o supervisionado atue. Por outro lado, os procedimentos de classificação quanto ao risco devem considerar as categorias de risco definidas na avaliação interna de risco e contemplar as informações obtidas nos procedimentos de qualificação do cliente.

A resolução 36/21 estabelece que tais procedimentos devem ser estendidos, de modo proporcional aos perfis de risco envolvidos, para administradores e sócios, sempre que se tratar de clientes pessoas jurídicas (qualquer que seja seu tipo societário), abrangendo ainda representantes, procuradores ou prepostos que se envolvam no contexto de operação associada ao cliente. Para o caso de pessoas jurídicas sob a forma de companhia aberta ou cooperativa, os procedimentos de KYC podem ser dispensados em relação a sócios, salvo quanto àquele(s) que deva(m) ser identificado(s) como beneficiário(s) final(is).

Na esteira de recentes normas internacionais e fiscais/tributárias internas, a Resolução determina que nos procedimentos de qualificação de cliente pessoa jurídica devem ser incluídas diligências visando a identificação de beneficiário(s) final(is), condição em que se enquadra(m) a(s) pessoa(s) física(s) que detenha(m), em última análise, o controle sobre a pessoa jurídica ou que detenha(m) poder determinante para a induzir, influenciar e utilizar ou para dela se beneficiar, independentemente de condições formais como as de controlador, administrador, dirigente, representante, procurador ou preposto. Também é considerado beneficiário final de pessoa jurídica o seu representante, inclusive na condição de procurador ou preposto, que sobre ela detenha comando de fato7.

Na sequência, a norma também trata de procedimentos destinados a conhecer seus funcionários, prestadores de serviço terceirizados ou enquadrado como qualquer outro tipo de colaborador (conhecidos por know your employee – KYE), além de práticas para investigação de parceiros em qualquer modelo de negócio (conhecidos por know your partner – KY (art. 11 da Resolução). Segundo a norma, as entidades supervisionadas devem implementar e manter procedimentos destinados a conhecer tais pessoas, com o objetivo de assegurar devida diligência na sua identificação, qualificação e classificação quanto ao risco, nos mesmos moldes dos procedimentos indicados para as práticas de KYC (art. 12 da Resolução).

Devem ser mantidas atualizadas todas as informações relativas aos seus funcionários, prestadores de serviços terceirizados, colaboradores de um modo geral e parceiros relevantes em modelos de negócio que adotem, notadamente em relação a eventuais alterações que impliquem mudança no tocante a sua classificação quanto ao risco.

Cabe indicar, ainda, uma grande inovação trazida pelo normativo. É prevista na resolução 36/21 a possibilidade de dispensa da aplicação das disposições e regras estabelecidas, caso a entidade supervisionada se enquadre em categoria(s) de menor porte e volume de operações, sempre a critério do COAF, e desde que, mediante justificativa circunstanciada, o supervisionado conclua que se encontra alcançado por esse enquadramento e que sua avaliação interna de risco evidência serem baixos os riscos de LD/FTP em relação às suas atividades (art. 13 da Resolução). A avaliação interna de risco referida deve ser atualizada no mínimo a cada 2 (dois) anos, ou quando ocorrer alteração significativa em perfil de risco correlato.

A justificativa circunstanciada deve ser documentada e aprovada, no âmbito de pessoa jurídica supervisionada, pelos seus administradores, devendo a entidade supervisionada comprovar documentalmente, quando requisitado, as condições exigidas para a dispensa. Por meio de ato próprio, pessoal e vinculado, cabe ao Presidente do COAF estabelecer parâmetros para que se admita a referida dispensa, inclusive com a fixação de critérios para o enquadramento em categoria(s) de menor porte e volume de operações.

Vale destacar que a conclusão do supervisionado mediante justificativa circunstanciada não elide a possibilidade de sua responsabilização por descumprimento dos deveres de que trata a Resolução, sempre mediante processo administrativo sancionador em que se assegure às partes interessadas a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, caso se verifique a inconsistência da mencionada conclusão.

De forma sintética, indicamos que as principais orientações que a nova regulação instituída pela resolução 36/21 traz, e que devem ser seguidas irrestrita e diligentemente por todas estas entidades reguladas, dizem respeito à:

a) adotar e definir políticas, procedimentos e controles internos, levando em conta a avaliação prévia de novos produtos e/ou serviços, bem como avaliar o impacto da utilização de novas tecnologias que impactem esses produtos/serviços no que diz respeito aos assuntos de LD/FTP.

b) avaliar os riscos de LD/FTP a que a entidade possa estar exposta. Sendo que deve-se levar em conta uma avaliação sobre o próprio negócio e as operações de seus clientes.

c) promover uma cultura organizacional de PLD/FTP. Seja por meio de divulgação de políticas, treinamentos, comunicados internos e ações entre seus funcionários.

d) definir procedimentos internos e avaliação dos riscos de LD/FTP para a contratação, e desde sua seleção, para seus funcionários, prestadores de serviços terceirizados, colaboradores e parceiros.

e) capacitar e treinar seus funcionários de forma contínua, por meio de treinamento, palestras e ações sobre o tema da PLD/FTP.

f) monitorar e analisar as operações de seus clientes que possam indicar ou serem consideradas suspeitas ou atípicas. O monitoramento, muitas vezes envolve não somente a área responsável por PLD/FTP, mas integra outras áreas da organização como por exemplo: departamentos de controladoria, contabilidade, produção e estoque.

Lembramos que qualquer projeto desta natureza deve necessariamente começar pelo envolvimento da alta administração. Todas as políticas, devem ser aprovadas pela diretoria, com nomeação de um diretor responsável pela área de compliance ou PLD/FTP.

A integração com outras áreas da empresa torna todos estes procedimentos acima mencionados e estabelecidos na regulação viáveis. Contudo, reforçamos e fortemente reafirmamos que nada adiantará se não há real e efetivo envolvimento, suporte e comprometimento da alta diretoria, assim como os mais diversos e dispersos postos decisórios de toda a organização.

Um sólido projeto de estruturação de uma área de compliance independente e atuante deve como norte a preservação da empresa, e de sua visão de futuro, o que certamente não somente pode garantir como pode colaborar para agregar real valor ao negócio. Queremos dizer com isso que uma área de compliance efetiva pode certamente contribuir com melhorias no valuation da companhia.

Nesse sentido, destacamos que um programa de compliance não é um processo rápido ou simples de se implementar, mas certamente permitirá verificar benefícios como (dentre outros):

a) redução de gastos a médio e longo prazo;

b) prevenção de fraudes – reduzindo prejuízos e aumentando valor da companhia;

c) transmissão de crenças e valores da instituição para seus stakeholders;

d) aumento da qualidade do trabalho de seus colaboradores;

e) mitigação de riscos;

f) aumento da credibilidade da instituição perante clientes;

g) aprimoramento da governança corporativa.

Ressaltamos alguns pontos e tópicos relevantes e importantes que devem ser seriamente levados em conta para se montar uma estrutura de compliance:

1 – Necessário envolvimento da diretoria (alta e baixa) e os gestores nos processos, ou seja, educar pelo exemplo, sem isso não há engajamento da organização. Se os executivos entenderem os processos de compliance como algo positivo, gerador de valor e reforçar a cultura, o restante da organização seguirá os passos;

2 – Aprimoramento de processos e controles que estão em vigor. Ao invés de criar novos processos e controles, busque olhar os processos e controles atuais. Eles serão um bom ponto de partida e mostrará o caminho a seguir (inclusive para mostrar se eram ou estavam falhos e eventuais pontos positivos existentes). Depois comece a preencher as lacunas gradativamente;

3 - Evite muitos processos. Processos e controles lógicos que trarão vantagens, mas evite a sobrecarga. Isso poderá afetar o cronograma de implementação. Análise quais deverão ser implementados primeiramente e que trarão um impacto positivo para a organização. Criando uma base sólida, permitirá que a equipe aprenda e possa implementar com sucesso os processos futuros;

4 - Determine quais indicadores de desempenho devem ser implementados para monitorar a implementação. De nada adiantará todo o trabalho de implementação se não puder mensurar os resultados. É por meio deles que será possível saber quais estratégias funcionam e as que precisam ser repensadas e reformuladas. Garantir a correta identificação dos riscos e a forma de mitigá-los é o resultado que deve ser almejado e mostrará que os indicadores de desempenho estão funcionando corretamente;

5 - Seja transparente. Sempre! Para que todos os processos e controles funcionem bem, é crucial que todos os funcionários e colaboradores saibam quais são as regras da instituição que devem seguir. Evitando assim interpretações equivocadas e riscos possíveis. Criar relatórios periódicos mostram os resultados dos processos e permite uma melhor avaliação e eventuais mudanças dos riscos a que a instituição esteja exposta. Além disso, é possível avaliar a evolução da implementação e reforça a importância destes processos e controles;

6 - Use a tecnologia ao seu favor. Tendo os processos e controle no lugar, pense como softwares de gestão e de automação das atividades de compliance podem facilitar e agilizar as atividades da área, deixando os processos pesados para ele (sistema) e reduzindo burocracias. Controles, e não burocracias sem sentido, devem ser o norte.

Muito da nova regulação não só diz respeito a estes procedimentos, mas se trata de criar um efetivo ambiente organizado de compliance com o envolvimento de toda a organização e criar uma estrutura coerente com o tamanho de suas operações para evitar que ela seja alvo de crime ou de sanções pelos órgãos reguladores.

Importante destacar, encaminhando-nos ao final, que em caso de faltas ou infrações, descumprimento integral ou parcial de uma ou mais disposições da resolução 36/21, estarão os supervisionados, bem como, em se tratando de pessoas jurídicas, seus administradores, sujeitos à aplicação pelo COAF, cumulativamente ou não, das sanções previstas no art. 12 da lei 9.613/988, por meio do competente processo administrativo sancionador. São sanções que vão desde advertência, multa pecuniária variável que pode chegar ao dobro do valor da operação ou do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação, até a inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador de pessoas jurídicas, dentre outras penalidades e condições agravantes (art. 15 da Resolução).

Por fim, apontamos que as disposições da resolução 36/21 não revogam nem modificam normas anteriormente editadas pelo COAF, destinando-se a complementá-las na disciplina da forma de cumprimento do dever estabelecido no art. 10, III, da lei 9.613/98 (art. 1º, parágrafo único).

______

1- Resolução nº 36, de 10 de março de 2021. Disciplina a forma de adoção de políticas, procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa que permitam o atendimento ao disposto nos arts. 10 e 11 da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, por aqueles que se sujeitem, nos termos do seu art. 14, § 1º, à supervisão do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf. Disponível aqui . Acesso em 12.mai.2021

2- Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível aqui. Acesso em 16.jun.2021

3- Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Disponível aqui. Acesso em 16.jun.2021

4- Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. “Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.”. Disponível aqui. Acesso em 16.jun.2021

5- Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. “§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.   § 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.    § 4o  A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa..”. Disponível aqui.  Acesso em 16.jun.2021

6- MENDRONI, Marcelo Batlouni. Lavagem de dinheiro. IN Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível aqui. Acesso em 16.jun.2021

7- Resolução nº 36, de 10 de março de 2021. Art. 9º Os procedimentos de qualificação de cliente pessoa jurídica devem incluir a identificação de beneficiário(s) final(is), condição em que se enquadra(m) a(s) pessoa(s) física(s) que detenha(m), em última análise, o controle sobre a pessoa jurídica ou que detenha(m) poder determinante para a induzir, influenciar e utilizar ou para dela se beneficiar, independentemente de condições formais como as de controlador, administrador, dirigente, representante, procurador ou preposto. § 1º Admite-se a utilização de valor mínimo de referência de participação societária para a identificação de beneficiário final, o qual deve ser estabelecido com base na classificação de risco do cliente e não pode ser superior a 25% (vinte e cinco por cento) do capital social, considerada, em todo caso, a participação direta e indireta.  § 2º É também considerado beneficiário final de pessoa jurídica o seu representante, inclusive na condição de procurador ou preposto, que sobre ela detenha comando de fato.  § 3º Devem ser aplicados à(s) pessoa(s) física(s) referida(s) no caput, no mínimo, os procedimentos de qualificação definidos para a categoria de risco do cliente pessoa jurídica.”. Disponível aqui. . Acesso em 12.mai.2021

8- Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. “Art. 12. Às pessoas referidas no art. 9º, bem como aos administradores das pessoas jurídicas, que deixem de cumprir as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente ou não, pelas autoridades competentes, as seguintes sanções: I - advertência;  II - multa pecuniária variável não superior: a) ao dobro do valor da operação;  b) ao dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação; ou  c) ao valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);  III - inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º;  IV - cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento   § 1º A pena de advertência será aplicada por irregularidade no cumprimento das instruções referidas nos incisos I e II do art. 10  § 2º A multa será aplicada sempre que as pessoas referidas no art. 9o, por culpa ou dolo:  I – deixarem de sanar as irregularidades objeto de advertência, no prazo assinalado pela autoridade competente;   II - não cumprirem o disposto nos incisos I a IV do art. 10;   III - deixarem de atender, no prazo estabelecido, a requisição formulada nos termos do inciso V do art. 10;   IV - descumprirem a vedação ou deixarem de fazer a comunicação a que se refere o art. 11.   § 3º A inabilitação temporária será aplicada quando forem verificadas infrações graves quanto ao cumprimento das obrigações constantes desta Lei ou quando ocorrer reincidência específica, devidamente caracterizada em transgressões anteriormente punidas com multa.  § 4º A cassação da autorização será aplicada nos casos de reincidência específica de infrações anteriormente punidas com a pena prevista no inciso III do caput deste artigo.. Disponível em aqui. . Acesso em 16.jun.2021

Luís Rodolfo Cruz e Creuz
Advogado. Sócio de Cruz & Creuz Advogados. Doutor em Direito Comercial pela USP (2019); Certificate Program in Advanced Topics in Business Strategy University of La Verne - Califórnia (2018); Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas UNESP/UNICAMP/PUC-SP (2010); Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo PROLAM/USP (2010); LLM - Direito Societário, do INSPER (São Paulo) (2005); Bacharel em Direito pela PUC/SP. Autor do livro "Acordo de Quotistas - IOB-Thomson, 2007

Cláudio Felippe Cruz e Creuz
Compliance Officer, Publicitário e Consultor. Pós-Graduado em Direito Corporativo e Compliance - Escola Paulista de Direito - EPD; MBA Executivo em Finanças - INSPER; Especialização em Análise e Administração de Crédito - GVPec Fundação Getúlio Vargas; Pós-Graduado em Marketing Avançado - Universidade Mackenzie; e Bacharel em Publicidade e Propaganda - Universidade Mackenzie.

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