Migalhas de Peso

A penhora de quotas sociais a luz do CPC/15

A normatização trazida pelo CC/02 permitiu a manutenção da possibilidade de penhora de quotas sociais, fato este seguido pelo CPC/15.

23/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A penhora é um meio prático e eficaz para garantir o cumprimento de obrigação a partir da apreensão de um bem, seja ele móvel ou imóvel.

A penhora de quotas sociais é uma medida executória relevante nos casos em que o devedor não possui bem móveis nem imóveis, e ainda saldo bancário insuficiente para cumprir a obrigação, mas tão somente uma participação societária em outra empresa. Historicamente fora introduzida pelos seguintes dispositivos legais: Código de Processo Civil de 1939, em seu art. 943, III: "Poderão ser penhorados, à falta de outros bens: (II) os fundos líquidos que possuir o executado em sociedade comercial.", decreto 737 de 25 de novembro de 1850, no art. 498: "O credor particular de um socio só pode executar os fundos líquidos, que o devedor possuir na companhia ou sociedade, não tendo este outros bens desembargados, ou si depois de executados, os que tiver não forem suficientes para o pagamento". (ipsi literis) e o Código Comercial de do Império do Brasil de 1850, em seu art. 292: "O credor particular de um socio só pode executar os fundos líquidos que o devedor possuir na companhia ou sociedade, não tendo este outros bens desembargados, ou se, depois de executados, os que tiver não forem suficientes para o pagamento." (ipsi literis).

Isto é, a possibilidade de penhora de quotas sociais já é medida legal de longa data (embora com sua aplicabilidade limitada), não sendo novidade sua inserção tanto no Código Civil de 2002 quanto no Código de Processo Civil de 2015.

O artigo 1.026 do CC/02 possibilita a penhora de quotas sociais "(...) na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.".

Quanto ao parágrafo único do mesmo artigo, implica autorização para liquidação de quota própria, o que trouxe inovação quanto aos dispositivos imperiais.

"Art. 1026. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação."

Portanto, conclui-se que o art. 1.026, caput e parágrafo único do CC indicam a impenhorabilidade relativa da quota social, quanto ao patrimônio de terceiro,  fator este embebido na proteção de caráter personalista da sociedade.

A fim de melhor esclarecimento, é importante indicar a jurisprudência junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. LOCAÇÃO RESIDENCIAL. ORDEM LEGAL PRIORITÁRIA DE PENHORA EM DINHEIRO. ART. 835, §1º, DO CPC. RENOVAÇÃO DA PENHORA PORTAS A DENTRO. NOVO ENDEREÇO INFORMADO PELA EXEQUENTE. CABIMENTO. PENHORA DE QUOTAS DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. EXECUTADO COMO ÚNICO SÓCIO. PATRIMÔNIO DE TERCEIRO NÃO ATINGIDO. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Insurge-se o agravante contra decisão singular que, nos autos da ação de execução de título extrajudicial, determinou a renovação da penhora portas a dentro, bem como a penhora de quotas da empresa em que o executado consta como único sócio da sociedade empresária. 2. Atendida a ordem legal prioritária de penhora em dinheiro, prevista no art. 835, §1°, do CPC. 3. Frustrada a penhora sobre dinheiro e não indicando o devedor bens sobre os quais possa recair a constrição, é cabível a renovação de penhora portas a dentro, no novo endereço informado pela exequente. 4. Possibilidade da penhora de quotas sociais pertencentes ao executado, eis que não se confunde com a penhora de renda da empresa. 5. Não há impedimento para que sejam penhoradas as cotas de sociedade empresária, em que o executado figura como único sócio, uma vez que não atingido patrimônio de terceiro e já incidente penhora de 825 quotas determinada pelo juízo da 11ª Vara Cível, anotada em 08/04/2019. 6. A penhora de renda de pessoa estranha à demanda somente poderia ocorrer no caso de desconsideração da personalidade jurídica, o que não é o caso dos autos. 7. Não apreciado o pedido quanto à tramitação da execução em segredo de justiça, eis que deferido pelo juízo de primeiro grau, no tocante aos documentos que englobam justamente as declarações de renda do agravante. 8. Desprovimento do recurso. (grifo nosso) (0079673-42.2020.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - Des(a). ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME - Julgamento: 6/4/2021 - DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL).

E ainda:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE RENDIMENTO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA EM NOME DO AGRAVADO. SÓCIO. NÃO INDICAÇÃO DE OUTROS BENS. 1. Determinação de penhora de 15% sobre o crédito do executado, consistente em dividendos oriundos da sociedade empresária em que figura como sócio. 2. Previsão no art. 1.026 do Código Civil. Possibilidade de a execução recair sobre parte dos lucros da sociedade, pertencentes ao sócio executado. 3. Medida que não se confunde com desconsideração da personalidade jurídica ou mesmo com penhora de quotas sociais, já que não se busca alcançar patrimônio da sociedade. Tampouco se equipara à penhora sobre percentual do faturamento da empresa, com base no art. 866 do CPC, uma vez que não é ela a parte executada. 4. Incumbia ao executado indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos para viabilizar a execução, nos termos do parágrafo único do art. 805 do CPC/2015, o que não logrou fazer. 5. Recurso conhecido a que se nega provimento. (grifo nosso) (0038636-35.2020.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - Des(a). RICARDO COUTO DE CASTRO - Julgamento: 9/7/2020 - SÉTIMA CÂMARA CÍVEL).

Destaca-se nas duas decisões acima grifadas o fato de que o art. 1.026 do CC não se confunde  com Desconsideração da Personalidade Jurídica, havendo clara distinção entre ambos.

Quanto ao entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, precede-se  dois momentos que pautaram seu entendimento: Antes do Código Civil de 2002 quando a linha de pensamento inclinava-se mais para a impenhorabilidade das quotas sociais em total respeito a vontade societária e; após o Código Civil de 2002 onde fora ampliado o entendimento, permitindo a penhora como regra, posto que, a existência de possível cláusula de impenhorabilidade não atinge terceiro, conforme art. 789 do CPC/15.

Ressalta-se que a sociedade pode evitar a liquidação das quotas ou ações pelo mecanismo exposto no  art. 861, §1º do CPC/15: "Para evitar a liquidação das quotas ou das ações, a sociedade poderá adquiri-las sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria.". (grifo nosso).

Caso não haja interesse dos sócios em adquirir as ações/quotas, haverá a "(...) liquidação das quotas ou das ações, depositando em juízo o valor apurado, em dinheiro.", conforme o art. 861, III do CPC/15.

O leilão judicial também pode ser utilizado em casos de penhora de quotas sociais, desde que determinados por juiz. Neste contexto, o artigo 861, §5º do CPC/15 indica: "Caso não haja interesse dos demais sócios no exercício de direito de preferência, não ocorra a aquisição das quotas ou das ações pela sociedade e a liquidação do inciso III do caput seja excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas ou das ações.".

Vale indicar que, no caso da adjudicação, o exequente, de acordo com o art. 876, §7º do CPC/15: "É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer que lhe sejam adjudicados os bens penhorados. (§7º) No caso de penhora de quota social ou de ação de sociedade anônima fechada realizada em favor de exequente alheio à sociedade, esta será intimada, ficando responsável por informar aos sócios a ocorrência da penhora, assegurando-se a estes a preferência.". Assim o credor passaria da função de exequente para sócio da empresa.

Portanto, de acordo com a jurisprudência pátria e a legislação em vigor, as quotas sociais não são impenhoráveis, sendo cabível sua utilização para satisfação de obrigação em conformidade com o art.789 do CC/02.

Vitor Hugo Lopes
Advogado. Pós Graduado em Direito Empresarial e Direito imobiliário. Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024