O planejamento sucessório é uma forma preventiva de organizar a destinação do patrimônio de seu titular para os herdeiros legítimos, testamentários, além dos legatários e a partilha entre eles, considerando-se os bens imóveis ou móveis, tangíveis ou intangíveis, seus recursos financeiros, as participações societárias de que detém etc. O ideal é que a partilha dos bens seja realizada de tal modo que os herdeiros e legatários passem a administrar os bens de forma harmoniosa e de acordo com a capacidade de cada um, se tal patrimônio envolver a participação em diversas atividades econômicas.
Como regra geral, metade dos bens havidos pela pessoa de cuja sucessão se trata (a legítima) serão destinados aos herdeiros necessários, como estabelece o art. 1845 do CC (ou herdeiros legítimos, assim considerados por lei, quais sejam, os descendentes, o cônjuge (conforme o caso, de acordo com o art. 1829, I do CC) e os ascendentes.
A outra metade corresponderá ao disponível (herdeiros testamentários), porção essa que será destinada da forma que o autor da herança desejar, ressalvadas as exceções previstas em lei (art. 1784 do CC). Assim, o testador que possuir herdeiros necessários terá sua capacidade testamentária limitada a 50% de seus bens. Ausentes os herdeiros necessários, o testador poderá dispor da totalidade de seu patrimônio, através de testamento ou codicilo. A sucessão dar-se-á por disposição de última vontade (testamento) ou por determinação legal (sucessão legítima), como prevê o art. 1786 do CC.
Ao tratar-se de planejamento sucessório, é preciso compreender a aplicação do art. 1829, I do CC, no que toca ao cônjuge como herdeiro, dependendo das regras referentes ao regime de bens do casamento escolhido pelo interessado (art. 1639 do CC), que afetarão o que se denomina de herdeiros necessários, e, assim, a disposição de bens, por conta da sucessão.
O art. 1829 do CC estabelece a ordem de vocação hereditária, deferida de acordo com a ordem preferencial de classes de herdeiros, instituindo-se, dentro de cada classe, nova preferência entre graus de proximidade com o autor da herança. Assim, a primeira classe preferencial é a dos descendentes e cônjuges, dependendo do regime de bens do casamento: o da comunhão universal, o da comunhão parcial, o da separação convencional, o da separação legal, ou o da comunhão dos aquestros.
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Assim, o art. 1829, I do CC, incluiu, pela redação de 2002, na ordem de sucessão hereditária, em primeiro lugar da nomeação, como herdeiros necessários do falecido, o cônjuge, além dos descendentes. Dentre os cônjuges, o art. 1829, I, do CC, de forma distinta do estipulado nos respectivos regimes de casamento, incluiu, como herdeiros, os cônjuges, por conta de cujo regime de casamento, não receberiam, com base no Código Civil, a meação de bens do falecido. Assim, os casados pelo regime da comunhão universal, sendo meeiros da totalidade dos bens do falecido, não foram designados herdeiros dele. Os casados pelo regime da comunhão parcial de bens, meeiros – e não herdeiros - dos bens adquiridos após o casamento, passaram a ser herdeiros dos bens particulares do falecido (bens adquiridos antes do casamento ou doados, por exemplo). Os casados pelo regime da separação de bens passaram a ser herdeiros da totalidade dos bens do falecido, porque não há bens comuns entre esse tipo de casal. Os que adotam o regime da separação de bens, por determinação legal, com idade superior a 70 anos (art. 1641 do CC), foram mantidos excluídos da sucessão um do outro. Finalmente, os casados pelo regime da participação final nos aquestros (art. 1672 do CC), que detém patrimônio particular, formado por bens adquiridos antes e depois do casamento, mas, também reúnem bens adquiridos onerosamente, durante a vida conjugal (denominados de aquestros), passaram a ter o direito à meação desses últimos bens mencionados. Desse modo, quando do falecimento de um cônjuge, caberá ao sobrevivente, a metade (ou seja, a meação) dos aquestros.
Verifica-se, assim, que o art. 1829, I do CC trouxe uma regra para fins de sucessão distinta do regime de bens escolhido para vigorar durante o casamento dos cônjuges: o patrimônio particular de cada um dos cônjuges havido durante a vida em comum do casal, comunica-se quando do falecimento de qualquer um deles.
De acordo com a interpretação do art.1829, I do CC, pela jurisprudência, o cônjuge sobrevivente tem o status de herdeiro do falecido, em concorrência com os descendentes dele, exceto em caso de regime de comunhão total (universal) de bens, em que os cônjuges são meeiros e todos os bens havidos são comuns do casal, o da separação obrigatória de bens adotada para os de idade superior a 70 anos, e o da comunhão parcial de bens, quando não houver bens particulares dos cônjuges.
Ressalte-se que a meação não é direito hereditário, mas específico do cônjuge, preexistente à abertura da sucessão e decorrente do regime de casamento escolhido pelo casal. O legislador utilizou o seguinte critério: o cônjuge protegido pela meação não é herdeiro. Assim, o cônjuge herda a parte dos bens do falecido que não integra a meação. Em outras palavras, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes com relação aos bens particulares do falecido, mas não com relação aos bens comuns, à cuja meação ele já tem o direito.
Nesse contexto legal sucessório atual, alterado pelo art 1829, I do Código Civil de 2002, que incluiu alguns dos cônjuges, conforme o regime de bens do casamento havido, junto com os descendentes do falecido, em primeiro lugar na ordem de sucessão hereditária, podemos tecer os seguintes comentários:
No regime da comunhão parcial de bens, tratada no art. 1658 do CC, os cônjuges mantêm em comum apenas os bens que adquirem, onerosamente, durante o casamento, e enquanto ambos sobreviverem. Os bens adquiridos, por qualquer dos cônjuges, antes do casamento, com recursos próprios e exclusivos, não se comunicam. Também não se comunicam os bens adquiridos após o casamento com os recursos havidos antes do casamento ou por força de substituição de bens antes adquiridos. Além disso, os bens adquiridos por doação ou por herança, durante o casamento, não pertencerão ao casal, mas ao donatário ou herdeiro exclusivamente.
Falecendo qualquer dos cônjuges, o outro assume a posição de meeiro dos bens comuns e de herdeiro dos bens particulares do falecido, da mesma forma que os descendentes dele. O cônjuge passou a ser herdeiro do outro, com base no art. 1829 do CC. Antes não o era.
Assim, os casados pelo regime da comunhão parcial de bens são meeiros dos bens comuns e não herdeiros deles. Mas são herdeiros dos bens particulares do falecido, em conjunto com os filhos dele, na primeira nomeação de sucessores, conforme a regra do art 1829, I do CC. Essa regra foi criada para proteger o sobrevivente, mas em dicotomia com a regra estabelecida para vigorar em vida, com relação ao patrimônio do casal: a não comunicabilidade entre os bens particulares de cada cônjuge durante o casamento.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores, atualmente, é pacífica nesse sentido1.
Na comunhão total de bens, tratada no art. 1667 do CC, em que os bens do casal são todos comuns, ambos são meeiros da totalidade dos bens do casal. Assim, os cônjuges, no falecimento do outro, não se tornam herdeiros. Entende-se que não há herança de bem comum, mas apenas de bens particulares. Por isso, quando aplica-se a meação, afasta-se a herança, e vice-versa.
Aqueles casados pelo regime da comunhão total de bens são meeiros do total dos bens do casal, ou seja, cada um detém 50% do patrimônio do casal, salvo raras exceções. Desse modo, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro, mas meeiro apenas do patrimônio deixado pelo falecido. A parte do patrimônio do falecido caberá aos herdeiros necessários: os filhos, ou, na falta deles, os demais sucessores (por exemplo, aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge, com base no art. 1829, II do CC), conforme a ordem de vocação hereditária. A outra metade do patrimônio do falecido será considerada a parte disponível dos seus bens, e, assim, caberá àqueles para quem o falecido desejar doar seus bens, por livre e espontânea vontade, como disposto por ele em testamento.
Nesse sentido, se for do interesse do casal, há a possibilidade da celebração de testamento “cruzado”, em que um cônjuge torna o outro herdeiro testamentário da parte disponível de seus bens, reduzindo-se, assim, a parte do patrimônio do falecido a ser deixada para os filhos, se houver. Desse modo, o cônjuge sobrevivente, que amealhou todo o patrimônio, durante toda uma vida, em conjunto com o falecido, além de meeiro, torna-se herdeiro testamentário da parte disponível dos bens do falecido.
Na separação obrigatória (ou legal) de bens, o cônjuge sobrevivente nada recebe de herança, em caso de falecimento do outro. Tal regime é aplicável, dentre outros, àqueles com idade de 70 anos (art. 1641 do CC), que não mantinham comprovada união estável anterior, como consta do Enunciado 261 da III Jornada de Direito Civil do CEJ do Conselho da Justiça Federal, (realizada em 2005, antes da alteração da idade mínima de aplicação do regime da separação obrigatória de bens, em 2010, pela Lei nº 12.344) – art. 1641 do CC:
“a obrigatoriedade do regime da separação de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos2, quando o casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade”
A jurisprudência atual está pacificada no sentido de permitir a escolha do regime de bens que desejarem, aos companheiros, que já viviam em união estável (art. 1790 do CC), antes de completarem a idade de 70 anos, e que decidiram casar-se, após completarem os 70 anos3:
A Súmula 377 de 1964, do STF, baseada no já revogado art. 259 do CC de 1916, estabelece que, no regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, com o esforço comum do casal. Nesse caso, os cônjuges não detêm qualquer bem em comum em vida, só aplicando-se o direito à meação após a morte. O tema é polêmico, e há doutrinadores que exigem a comprovação desse esforço comum, enquanto outros nem admitem a aplicação de tal Súmula, considerando o regime da separação legal de bens absoluta, ou seja, não se concedendo ao cônjuge sobrevivente o direito à meação de qualquer bem, mesmo dos adquiridos após o casamento com o esforço comum. A jurisprudência do STJ sobre o tema também não é unânime.
Quanto aos bens particulares do cônjuge falecido, o sobrevivente nada herdará em concorrência com os descendentes. Entretanto, são considerados bens comuns, os adquiridos onerosamente, pelo esforço comum (a ser comprovado pelo sobrevivente), durante o casamento. Assim, esses bens são considerados objeto da meação: cada um dos cônjuges tem direito a metade deles.
Nesse sentido, observe-se a decisão do STJ – Superior Tribunal de Justiça4.
Tal disposição, deve-se ressaltar, não consta do art. 1641 do CC. Constava antes, do art. 259 do Código Civil de 1916, que tratava da comunicação dos aquestos, no silêncio do pacto antenupcial. Assim, recomenda-se que se faça constar no pacto antenupcial celebrado que não haverá comunicação dos aquestos, para evitar uma errônea aplicação do dispositivo legal do Código Civil de 2016, já não mais em vigor.
Sem dúvida, tal entendimento do STF (representado pela Súmula 377) conduz à aplicação de regra semelhante à do regime da comunhão parcial de bens àqueles aos quais a legislação exige o regime da separação legal de bens. Isso contradiz a norma que trata da separação obrigatória (legal) de bens, e torna ineficaz o pacto antenupcial celebrado entre as partes. Se fosse do interesse dos cônjuges a aplicação do regime da comunhão parcial de bens, teriam escolhido tal regime.
Da mesma forma, se houvesse interesse do casal em adquirir bens em comum, caberia à eles assim dispor, no contrato de compra e venda do bem móvel, ou na respectiva escritura de compra e venda de bem imóvel celebrados durante a vigência do casamento. Além disso, teriam constituído contas bancárias conjuntas, e aplicações financeiras comuns, se houvesse interesse de compartilhar recursos financeiros.
No regime da separação convencional de bens, tratado pelos arts 1687 e 1688 do CC, de acordo com o qual os cônjuges não detêm qualquer bem comum em decorrência do casamento. Entretanto, no falecimento de qualquer deles, o sobrevivente terá direito à herança, envolvendo exclusivamente os bens particulares do falecido. Ressalta-se que não há dispositivo legal constituindo tal direito. Não consta do art. 1829 do CC referência ao direito à herança de um cônjuge para o outro, quando o regime de bens em vigor entre eles for o da separação convencional.
Por conta disso, em 2010, foi proferida decisão, no Superior Tribunal de Justiça, que entendeu não se aplicar, ao regime da separação convencional de bens, disposições legais sobre sucessão entre os cônjuges, de modo a não considerá-los herdeiros entre si:
A ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial 992.749, a 3ª Turma do STJ, cuja ementa transcrevemos abaixo, definiu a sucessão do cônjuge casado sob o regime da separação convencional de bens, a partir de uma interpretação dada ao art.1829, inciso I, do CC, no sentido de que o cônjuge que tivesse adotado tal regime de casamento não ostentaria a condição de herdeiro necessário, em concorrência com os descendentes.
Entretanto, essa forma de entendimento não prevaleceu na jurisprudência do STJ, e os Tribunais do país, inovando, porque nada consta a respeito no art. 1829, I do CC, consolidaram jurisprudência5, no sentido de que o cônjuge, casado pelo regime da separação convencional de bens, é herdeiro dos bens particulares do falecido, em conjunto com os filhos dele. Desse modo, o cônjuge sobrevivente, junto com os descendentes do falecido, torna-se herdeiro de parte do patrimônio particular do falecido, já que não há patrimônio comum entre os cônjuges, nesse tipo de regime de bens.
Esses bens objeto da herança cabível ao cônjuge sobrevivente não integram o patrimônio dele, e, por conta de pacto antenupcial celebrado entre as partes, não se comunicam e não se partilham entre os cônjuges em vida, mas sim quando do falecimento de qualquer um deles. Posteriormente, tais bens herdados pelo cônjuge sobrevivente serão transmitidos, na sucessão dele, aos seus filhos, que podem ser os filhos comuns do casal, ou os filhos exclusivos do cônjuge sobrevivente, enteados do cônjuge que tiver falecido antes. Isso significa que os filhos do cônjuge que falecer primeiro não herdarão parte dos bens deixados pelo seu ascendente se ele tiver contraído segundas núpcias com outrem, distinto do seu ascendente.
Essa conclusão foi refutada pelo professor Miguel Reale, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 12/4/03, no qual afirmou que a menção à separação obrigatória visava abranger tanto a separação imposta por lei como a convencional. Argumentara o professor que, prevalecendo a concorrência na separação convencional, seria esvaziado o art. 1687 do CC que disciplina o regime de separação de bens, no momento crucial da morte de um dos cônjuges.
Atualmente, o STJ tem decidido no sentido de que o art. 1829, I, do CC aplica-se ao regime de separação convencional de bens, de modo que o cônjuge sobrevivente desse regime detém o direito a herança dos bens privados deixados pelo cônjuge falecido (ou seja, da totalidade dos bens dele), como todos os bens o são, concorrendo o cônjuge com os filhos do falecido.
Essa alteração da legislação havida, do Código Civil de 1916 para o de 2002, alterou significativamente a situação dos cônjuges e dos filhos do falecido, na sucessão.
Essa alteração da legislação sucessória agradou àqueles que desejam prestigiar o cônjuge no seu falecimento, mesmo os casados em segundas núpcias, sem ter filhos comuns. Nesse caso, a intenção é prestigiar o companheiro da última fase da vida, quando os cuidados comuns são indispensáveis e, assim, a união e a gratidão de um ao outro é significativa.
Há quem reclame dessa alteração, porque sendo os cônjuges herdeiros, participam da partilha de bens que seriam exclusivamente dos filhos, independentemente de estarem presentes ou absolutamente ausentes, no final da vida dos pais.
De acordo com a nova disposição legal, o patrimônio do(a) falecido(a) é transmitido, em parte, para o cônjuge sobrevivente, e será objeto de nova sucessão quando da morte deste(a), transmitindo-se aos herdeiros do último cônjuge a falecer.
A questão a ser ressaltada é o fato de que, no sistema anterior, tal hipótese não ocorria, porque inexistia a concorrência do cônjuge com os descendentes do falecido, na sucessão do cônjuge falecido, porque era concedido ao cônjuge sobrevivente o usufruto vidual (art. 1.611, § 1º do CC/16): ocorrendo novo casamento do cônjuge sobrevivente, ou com sua morte, o usufruto extinguia-se e a propriedade plena consolidava-se, em favor dos descendentes do falecido, sem a possibilidade de transmissão a filhos exclusivos do cônjuge sobrevivente ou a um novo cônjuge ou companheiro dele.
A forma pela qual está sendo tratada a sucessão dos casados pelo regime da separação convencional de bens pelo novo Código Civil - o de 2002 - torna ineficaz o pacto antenupcial celebrado pelo casal em caso de falecimento de um dos cônjuges. Tal pacto vigora, assim, durante a vida do casal, mas não no caso de falecimento de qualquer dos cônjuges.
Não resta dúvida de que outra opção para os cônjuges, quando há interesse de tornar o outro seu herdeiro, é deixar testamento, beneficiando-o com a parte disponível de seus bens.
No que toca o regime de participação final nos aquestos, previsto no art. 1672 do CC, e incluído no Código Civil de 2002, como nos demais casos de aplicação de regime de casamento distinto do regime da comunhão parcial de bens, exige-se a celebração de pacto antenupcial, a ser registrado perante o Registro Geral de Imóveis (RGI), para que seja eficaz perante terceiros. De acordo com esse regime de casamento, cada cônjuge detém patrimônio (particular), formado por bens adquiridos antes e depois do casamento, e os bens adquiridos por ambos, onerosamente, durante o casamento – os aquestros - são partilhados como ocorre com a meação, mantida em condição suspensiva até a dissolução do casamento.
No que toca aos bens particulares do falecido, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes dele, para fins de herança, apesar de tal direito não estar previsto no art. 1829, I do CC. Tal direito advém da jurisprudência em vigor[6].
Em resumo, o disposto no art. 1829, I, do CC, que considera o cônjuge sobrevivente como herdeiro do cônjuge falecido, aplica-se aos seguintes regimes de casamento, em concorrência com os descendentes do autor da herança: ao regime da separação convencional de bens e aos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, se o falecido possuir bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo a meação do cônjuge falecido (a metade dos bens comuns do casal) ser partilhada exclusivamente entre os descendentes dele, como consta do Enunciado nº 270 das Jornadas de Direito Civil da Justiça Federal.
O quinhão da herança garantido ao viúvo não meeiro:
É garantido ao cônjuge sobrevivente, o mesmo quinhão da herança cabível aos filhos do falecido, a não ser que seja o ascendente de todos os filhos do de cujus, caso em que lhe é reservado 25% dos bens a serem herdados, do patrimônio privado do falecido (art. 1832 do CC).
O direito real de habitação vitalício:
Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de casamento, também é garantido, além da herança que lhe couber por determinação legal, o direito real de habitação vitalício (art. 1831 do CC). Trata-se de instituto social e assistencial.
Desse modo, mesmo havendo herdeiros do cônjuge falecido, o sobrevivente terá o direito de permanecer habitando a residência do casal de forma vitalícia, desde que seja o único bem imóvel residencial do casal, ou seja, dessa natureza a inventariar.
Não é um direito exercido de maneira automática. O direito real de habitação e a renúncia dele não podem ser presumidos ou tácitos, e tal direito deve ser postulado durante o inventário, devendo constar da matrícula do imóvel.
O direito real de habitação, independentemente de ter sido pleiteado desde a morte do autor da herança, retroage até tal data, sendo exercível desde a abertura da sucessão. Desse modo, o cônjuge sobrevivente, titular do direito à habitação já o detém desde a data do falecimento do outro cônjuge, mesmo que não tenha exercido, sendo oponível à terceiros.
O objeto do direito é a moradia do cônjuge sobrevivente, mas não o usufruto por ele, de modo que só lhe resta continuar residindo, sozinho ou acompanhado de terceiros, no imóvel que habitava com o falecido.
Aplica-se o instituto tanto em sucessão legítima, quanto na testamentária. O único requisito legal para que se conceda o direito real de habitação é a existência de um único imóvel a ser inventariado de natureza residencial. Não se confunda com a necessidade de existir apenas um imóvel. Por exemplo, caso exista um imóvel onde o casal residia e uma casa utilizada para férias de veraneio, o direito real de habitação do consorte supérstite persiste sobre o imóvel em que o casal, realmente, residia, sendo o outro imóvel partilhado entre os herdeiros.
Apesar do intuito da criação do direito real de habitação ter sido impedir que os demais herdeiros deixem o cônjuge sobrevivente sem moradia, há duas situações em que isso poderá ocorrer:
a) se o casal, apesar de um ou ambos os cônjuges serem proprietários de um imóvel, habitassem outro, alugado;
b) se o falecido tiver deixado mais de um imóvel residencial a inventariar , sendo um objeto da residência do casal e outro alugado, não se aplica o direito real de habitação sobre qualquer deles.
Por outro lado, ainda que o cônjuge sobrevivente seja proprietário de outro imóvel de natureza residencial, ele gozará do direito real de habitação do imóvel residencial do falecido, onde habitava com ele.
Da mesma forma, aplica-se tal direito se o casal habitava um imóvel residencial e mantinha outro como imóvel de veraneio, sendo este último partilhável entre os herdeiros do falecido.
Para que seja será exercido o direito real de habitação, não há limite de valor do bem: o cônjuge sobrevivente fará jus ao direito de continuar habitando o imóvel do falecido, mesmo que seja maior do que sua necessidade e de valor considerável.
O direito real de habitação incide sobre o imóvel que servia de residência do casal ao cônjuge sobrevivente, mesmo quando não houver filhos comuns, mas exclusivos do falecido, que concorram com o cônjuge sobrevivente na sucessão (conforme consta do acórdão do (REsp 1.134.387).
No nosso entender, tal direito deveria ser regulado com mais detalhes e com algumas restrições para evitar que pessoas sem escrúpulo tirassem proveito da co-habitação com outras. Desse modo, deveria haver um mínimo de anos de casamento e vida em comum, sob o mesmo teto, para ensejar o direito real de habitação no imóvel do falecido (a). Além disso, deveria ser encontrada uma forma de considerar o interesse de todos os herdeiros do falecido. Se o cônjuge sobrevivente for de segundas núpcias e muito jovem ainda, o herdeiro do falecido, merecedor da herança, poderá não gozar, em vida, da disponibilidade do imóvel herdado, onde seu ascendente habitava com o cônjuge de segundas núpcias, sobrevivente.
Conclusão:
O art. 1829 do CC trouxe importantes alterações nos dispositivos referentes à ordem de sucessão hereditária, tendo incluído o cônjuge, em alguns casos, conforme o regime de casamento, como herdeiro necessário do falecido. Consequentemente, esse fato alterou o planejamento sucessório, porque apesar de ter sido mantido o direito de cada um tratar, para fins de sucessão, da forma que desejar, da parte disponível de seus bens, através de testamento, aumentou o número de pessoas legitimadas a partilhar a parte indisponível e privada (não integrante da meação conjugal) do patrimônio, a ser objeto do planejamento sucessório.
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1 STJ, Resp n. 1.368.123, 2ª S., rel. p/ ac. Min. Raul Araújo, j. 22.04.2015.
2 A Lei 12.344/2010 alterou a idade mínima de aplicação do regime da separação obrigatória de bens de 60 para 70 anos.
3 REsp 1318281/PE, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 07/12/2016.
4 AgInt no REsp 1637695/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 24/10/2019.
REsp 1830753/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 06/12/2019.
6 TJ/SC, Agravo de Instrumento n. 2011.019708-4, de Joaçaba, rel. Des. Stanley da Silva Braga, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 22-09-2011.
TJ/SC, Agravo de Instrumento n. 4003997-50.2018.8.24.0000, de Criciúma, rel. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 11-09-2018.
TJ/SC, Agravo de Instrumento n. 2013.045959-5, de Pomerode, rel. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 15-04-2014.
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TJ/DF; 20080111557179APC-0001782-2008.8.07.0016 - Res. 65 CNJ; Relator (a): CARLOS RODRIGUES; Órgão Julgador: 6ª TURMA CÍVEL; Data do Julgamento: 28/01/2016; Publicado no DJE: 23/02/2016.