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STF manteve a decisão que entendeu ser possível a conversão de tempo especial em comum no serviço público

A partir do julgamento do tema 942 se consolidam diversas possibilidades para o planejamento dos servidores públicos, entre elas, a viabilidade de aposentadoria antecipada para quem está na ativa e de revisão do salário de benefício dos aposentados e inativos.

16/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O STF entendeu ser possível aos servidores públicos a conversão de tempo especial (prestado em condições nocivas ou perigosas) em tempo comum para fins de concessão de aposentadoria e demais benefícios previdenciários.

O julgamento do tema 942 da repercussão geral, representativo de controvérsia RE 1014286, de relatoria do ministro Luiz Fux se iniciou em sessão virtual no dia 21 de agosto de 2020 e, após os votos do relator e dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Marco Aurélio e Roberto Barroso que divergiram, em 29 de agosto de 2020 foi assentado o entendimento favorável aos servidores públicos.

Acompanharam a divergência suscitada pelo ministro Edson Fachin, os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Por sua vez, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou a divergência defendida pelo ministro Alexandre de Moraes.   

O Estado de São Paulo apresentou o RE contra acórdão lavrado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que decidiu pela possibilidade de averbação do tempo de serviço prestado em condições perigosas ou nocivas à saúde e integridade física do trabalhador com coeficiente de conversão.

Em outras palavras, o servidor que foi exposto à risco ou efetivo prejuízo à saúde ou integridade física por período inferior ao tempo total necessário à obtenção da aposentadoria especial (geralmente 25 anos de tempo de contribuição) até 13 de novembro de 2019 (promulgação da Reforma da Previdência) tem direito de averbar esse tempo na modalidade comum com aplicação com de fator de conversão.

Na sequência, em 9 de junho de 2021, foram publicadas as decisões do STF sobre os embargos de declaração apresentados ao acórdão do RE 1014286. A Suprema Corte recebeu os embargos, mas não os acolheu, deixando de modular os efeitos da decisão benéfica!

Entenda o caso e o julgamento do STF

Trata-se de ação ordinária ajuizada por José Carlos Ribeiro Meirelles e outros, assistentes agropecuários, em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, objetivando a averbação de tempo de serviço prestado em condições insalubres, inclusive para fins de concessão de aposentadoria especial, aplicando-se analogicamente o art. 57 da lei 8.213/91. Na ação, os autores requereram ainda o pagamento de diferenças de valores vencidos e vincendos, inclusive reflexos. A sentença de 1ª instância julgou a ação procedente determinando a averbação do tempo de serviço prestado em condições insalubres, nos termos do art. 57 da lei 8.213/1991, inclusive para fins de aposentadoria especial, com reflexos sobre o abono permanência, sexta-parte e quinquênios.

Na sequência, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo interpôs apelação, que foi parcialmente acolhida pelo Tribunal, apenas para rejeitar que o pleito de pagamento de diferenças de periculosidade uma vez que os autores ainda se encontravam em plena atividade.

Na fundamentação do acórdão, o Tribunal de Justiça apontou o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Injunção 758, assentou que os parâmetros alusivos à aposentadoria especial de servidores públicos que trabalham em condições prejudiciais à saúde, enquanto não editada a lei exigida pelo texto constitucional, são aqueles contidos na lei 8.213/91 (MI 758, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe de 26/9/2008).

Diante desta decisão, o Estado de São Paulo argumentou a ausência de lei autorizadora da averbação, para fins de aposentadoria especial, do tempo de serviço prestado por quem recebe adicional de insalubridade. Destaca a impossibilidade de interpretar-se extensivamente o art. 40, § 4º, da Constituição da República, que não alcança o direito à conversão do tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada, para fins de aposentadoria.

Em seu voto o ministro relator Luiz Fux opinou pela procedência do recurso da União defendendo a vedação de contagem de tempo ficto para os regimes previdenciários dos servidores públicos por entender não existir previsão da disciplina constitucional a um direito subjetivo à averbação do tempo de serviço prestado por servidores públicos em tais condições.

Destacando que demandas envolvendo a previdência social implicam ao Judiciário a necessidade de realizar um cauteloso raciocínio, que deve considerar i) a escassez de recursos públicos, ii) o impacto de suas decisões no equilíbrio econômico-financeiro do sistema e iii) os limites de sua capacidade institucional para dirimir certas controvérsias.

Assim, para o relator (no voto vencido), a ausência de previsão constitucional específica desautoriza a concessão do direito à contagem diferenciada de tempo de serviço prestado sob condições especiais, defendendo a inexistência do direito subjetivo a tal ampliação interpretativa. A tese proposta, a seguir transcrita, foi vencida. A Constituição Federal não autoriza a averbação no assentamento funcional de servidor público de tempo de serviço prestado em atividades prejudiciais à saúde, com a conversão em tempo comum, mediante contagem diferenciada, para obtenção de benefícios previdenciários.

Por sua vez, a tese divergente proposta pelo ministro Edson Fachin foi acompanhada pela maioria dos ministros e representa o entendimento firmado para o tema.

Para Fachin, o reconhecimento do direito à aposentadoria especial aos servidores públicos não é estranho e contrário à possibilidade de conversão de tempo especial em comum, mas sim, direito logicamente atrelado ao primeiro.

Igualmente, Fachin argumenta que desde a edição das Emendas Constitucionais 20/1998 e 47/2005 não há mais dúvida acerca da efetiva existência do direito constitucional daqueles que laboraram em condições especiais à submissão a requisitos e critérios diferenciados para alcançar a aposentadoria. Esta é a orientação da Suprema Corte na Súmula Vinculante 33: Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.

Quanto à tese do Relator que reclama a vedação de contagem de tempo ficto nos Regimes Próprios Previdência rebateu o Ministro Edson Fachin: Entendo que a vedação à contagem de tempo ficto (CF, art. 40, § 10) não proíbe o cômputo diferenciado de tempo de serviço especial, pois de tempo ficto não se trata.

O Ministro Revisor sustenta que o art. 40, § 10, da Constituição se destina a proibir a contagem de tempo de contribuição dos períodos de férias não gozadas, licenças e demais ciclos não trabalhados (situação diferente da dos servidores expostos à condições nocivas e perigosas, regulamentada pelo art. 40, § 4º, III, da Constituição).

Em arremate, o voto divergente entendeu que nem todo servidor que exerce atividades em condições especiais terá direito ao benefício de aposentadoria especial propriamente dito. Isto por que a aquisição do direito à aposentadoria especial exige prova do trabalho com “exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais”, durante 25 anos (como regra), em caráter “permanente, não ocasional nem intermitente”, tudo demonstrado a partir de “laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.”

A seguir trechos relevantes do voto vencedor:

Tal como ressalta a d. Procuradoria-Geral da República em parecer colacionado aos autos, se, de um lado, seria anti-isonômico dar acesso à aposentadoria especial para quem não atuou na integralidade em condições hostis, de outro também o é obrigar tal indivíduo a trabalhar pelo mesmo tempo daqueles que nenhum prejuízo assumiu. A conversão surge, destarte, como consectário lógico da isonomia na proteção dos trabalhadores expostos a agentes nocivos.

Até a edição da EC 103/2019, poder-se-ia afirmar que o art. 40 da Constituição não demandava lei complementar para sua regulação. [...]

Ademais, não procede o argumento no sentido de que o fator de conversão seria uma forma de contagem de tempo ficto. Trata-se, tão somente, de um ajuste da relação de trabalho, submetida a condições especiais, calcado, como aponta a d. PGR, na mediação da premente necessidade da coletividade de certos serviços, ainda que danosos à saúde e segurança, com a proteção àquele que os exerce. Reflete, ademais, os imperativos constitucionais da valorização social do trabalho, como fundamento da República, e de redução dos riscos inerentes ao trabalho, como direito. [...]

Assim, entendo aplicável o art. 57, § 5 º, da lei 8.213/91, até porque não há motivo razoável para diferenciar, neste particular, os trabalhadores da iniciativa privada dos servidores públicos, restringindo-se aos primeiros a contagem diferenciada de tempo especial. 

A própria Constituição tem disposição específica nesse sentido, que reforça tudo o que se vem de expor. Trata-se do art. 40, § 12: Art. 40, § 12. Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Incluído pela EC  20/98).

Tese vencedora: Até a edição da Emenda Constitucional 103/19, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na lei 8.213/91 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC 103/19, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º- C, da Constituição da República.

Cascone Comenta - Análise Crítica

Com o reconhecimento da conversão do tempo especial para o tempo comum, a vida e o futuro previdenciário dos servidores pode ser significativamente impactado. Por exemplo, aos aposentados será oportunizada a cobrança do abono de permanência de maneira retroativa (a partir da revisão da data de início da aposentadoria); por sua vez os servidores da ativa poderão vislumbrar uma aposentadoria antecipada. 

Mas é preciso cautela, apesar da confirmação do entendimento favorável aos servidores públicos, João Batista Lazzari e Carlos Alberto Pereira de Castro observam que a comprovação da atividade especial é dificultada para a grande maioria dos servidores, já que muitos dos entes públicos não produziram os laudos técnicos periciais para demonstrar o exercício do labor em caráter nocivo à saúde, a exemplo do que é exigido das empresas pelo RGPS.

Por isso a comprovação de exposição à atividade especial terá de ser construída com base na documentação ambiental adequada à época da prestação do serviço. Um dos elementos de prova relevantes no representativo de controvérsia foi o fato de os servidores receberem o adicional de insalubridade e/ou periculosidade.

Para além, mesmo com o julgamento do Tema 942, seguirá pendente a regulamentação das demais aposentadorias especiais, a saber, dos servidores portadores de deficiência e dos servidores que exercem atividades de risco/perigosas. 

Em relação aos servidores portadores de deficiência, por conta da omissão legislativa, o STF entendeu através de Mandado de Injunção também ser aplicável a LC 142/13 (voltada aos trabalhadores PcD’s do RGPS) aos servidores públicos.

Seguimos na luta para garantir o pleno reconhecimento de todo tempo de serviço e/ou contribuição, especial e/ou comum, dos servidores públicos municipais, estaduais, distritais e federais. A valorização do serviço público é a valorização do estado democrático de direito e das garantias à proteção social, à vida e ao trabalho.

Claudia Caroline Nunes da Costa
Advogada previdenciária associada do escritório Cascone Advogados Associados. Bacharel em Direito pela PUC-Campinas. Pós-graduada em Prática Processual Previdenciária.

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