Migalhas de Peso

Dos deveres de imparcialidade e equidistância aplicáveis aos membros da CPI da covid-19

Atentemo-nos, portanto, para que as regras sejam respeitadas tanto em favor de aliados, como em favor de não aliados. As regras são ou não são para todos?

14/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente, escrevi artigo sobre a inviabilidade constitucional de convocação do presidente da República, e dos governadores e prefeitos pela CPI da covid-19 para deporem como suspeitos ou testemunhas. Para cada categoria, fiz uma abordagem constitucional pontual (clique aqui).

Por oportuno, faço um breve adendo, relativo a um ponto que não abordei no texto pretérito, e que, mesmo assim, não muda minha conclusão anterior: mesmo que se defenda que a lei 1.579/52, em seu artigo 2º, autorize a convocação de governadores e prefeitos, creio que esse dispositivo deve ser enfrentado à luz do texto constitucional vigente, considerados, portanto, os princípios federativo e da separação de poderes, exatamente como o fiz no referido artigo anterior.

Avançando ao objeto do presente artigo, li por esses dias um tuíte interessante do senador Marcos Rogério (DEM/RO), que me fez refletir sobre a necessidade de imparcialidade e equidistância dos membros da CPI da covid-19, a saber:

"O governador do Alagoas tem uma espécie de blindagem na CPI da covid-19. Assim que seu nome é mencionado vemos de imediato uma defesa do senador Renan Calheiros, que se comporta mais como advogado do que relator na CPI da covid."

Tal tuíte foi escrito com base numa fala recente do senador Renan Calheiros em sessão, que fora feita em defesa da atuação do governador do estado de Alagoas no âmbito da administração da atual crise sanitária no estado de Alagoas.

Tal ponto, genericamente, e considerados alguns pronunciamentos passados de membros da CPI em tela, que acabaram por antecipar juízos de valor negativos em relação ao governo federal, a meu ver fustiga(m) o dever de imparcialidade e equidistância que os membros da CPI devem guardar em suas atuações. E digo que isso vale tanto para oposição, quanto para a base governista. E qual é o motivo desse meu pensamento? Explico abaixo, de forma objetiva.

Se as CPIs possuem poderes investigativos típicos das autoridades judiciais, e se os procedimentos processuais se apoiam nas bases da legislação processual penal, não vejo como os membros não observarem todos os deveres impostos aos magistrados para bem resguardar a equidistância dos mesmos em relação às partes interessadas. O único interesse há de ser a aplicação da constituição e da lei, mesmo que em ambiente parcialmente político, caso da CPI.

Nesse sentido, inclusive as regras de suspeição hão de ser observadas, sob pena de nulidade dos atos praticados. Está mais do que claro que alguns membros da referida comissão, a exemplo de seu presidente e relator, emitem ou já emitiram opiniões de desvalor em relação a condutas do governo federal. Aí, pra mim, já há mácula procedimental e comportamental, sendo muito claro à sociedade qual será a proposta de relatório apresentada ao colegiado. Juiz não antecipa posicionamentos; decide nos autos em momento processual oportuno, após colhidas todas as provas possíveis.

Não se defende aqui A ou B, mas simplesmente o cumprimento das diretrizes constitucionais, legal-processuais e regimentais. Nada a mais!

Ante o acima exposto, o que se espera da CPI da covid-19 é que a mesma atue em alinhamento pleno às diretrizes constitucionais e legais, e que dê à sociedade o bom exemplo. Uma hora você é a "caça"; noutra hora, o "caçador". Atentemo-nos, portanto, para que as regras sejam respeitadas tanto em favor de aliados, como em favor de não aliados. As regras são ou não são para todos?

Alessandro Ajouz
Advogado privado. Atuou como advogado da Apex-Brasil e SESCOOP-Nacional. https://www.linkedin.com/in/alessandro-ajouz-71b214173/.

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