Outrora, o Leviatã de Hobbes já foi mais poderoso. Em tese, os poderes ilimitados do governante absoluto garantiam que os homens não se voltassem uns contra os outros. A História nos mostra, porém, que dotar uma pessoa de faculdades ilimitadas é um grande erro. Substituímos, então, a figura do monarca por essa ficção chamada “Estado de Direito”. Teoricamente, vivemos todos, nas nações democráticas, sob o império da lei. Nem mesmo as cabeças coroadas, nos países que optaram por manter resquícios do ancien régime, escapam da autoridade das normas.
O rule of law, no entanto, não nasceu pronto, acabado. O risco de substituir a tirania de Suas Majestades pelo totalitarismo de quem ocupasse a chefia do Estado é corrente até os nossos dias. Foi o medo da opressão que eclodiu o sistema de separação de poderes. Foi o intento legítimo de não sermos mais servos que fez surgir os direitos fundamentais. Todos esses princípios caros que tanto ouvimos falar – legalidade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa – não passam de proteção contra o arbítrio. A despeito dos avanços, o monstro nunca foi embora, só está enfraquecido, o que não significa dizer que devemos ser menos vigilantes (ainda mais nesses tempos estranhos onde flertamos com o retrocesso).
O Leviatã, contudo, não está mais sozinho. Outra besta de proporções bíblicas prosperou nos últimos anos: as chamadas big techs. Com a transferência da ágora para as redes sociais, empresas como Facebook, Twitter e Google detém o monopólio da fala. Através dos seus “termos de uso” (contrato de adesão) e de algoritmos que decidem o que cada usuário vê e publica, estas companhias moldam o nosso futuro sem nenhum tipo de regulamentação que nos proteja de eventual autoritarismo. Nesse contexto, um caso que precisa ser citado é o banimento do ex-presidente Donald Trump das redes controladas pelo Facebook por 2 anos1. Trump, um bilionário, até tentou criar sua própria rede social, mas teve que fechá-la por falta de audiência2.
Não obstante eu considerar o ex mandatário dos Estados Unidos um ser humano desprezível, o que impede que medida semelhante atinja alguém que eu admiro? Este é o ponto. O Vale do Silício se tornou grande demais. Fake news, propagadas por aplicativos como o WhatsApp (de propriedade do Facebook, não custa lembrar) interferem no resultado de eleições mundo afora3. As “bolhas” criadas por um conjunto de regras e procedimentos de computação acirram uma polaridade que inviabiliza o debate civilizado4. A exposição exagerada de investigações e medidas preventivas inverte a lógica e torna as pessoas culpadas até que se provem inocentes5. E, ainda que, já existam propostas6 que busquem solucionar a equação, falta debate público.
A eficácia, nunca é demais repetir, só se realiza quando adequada à realidade social. Avanços como a Lei Geral de Proteção de Dados (lei 13.853/19), por exemplo, nada significarão enquanto forem apenas um QR Code no caixa da farmácia, para o qual ninguém aponta a câmera do celular. Enquanto não tivermos ciência do tamanho da criatura que enfrentamos, não teremos verdadeiras armas para enfrentá-la.
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