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Reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos e a 2ª (3ª?) onda da covid-19

Várias discussões ocorreram no meio jurídico falando de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos em razão dos efeitos da pandemia do covid-19. Mas essa revisão deverá ou poderá ocorrer em qualquer situação? É o que iremos explorar a seguir.

2/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Muito se falou no meio jurídico sobre os efeitos da pandemia do covid-19 nos contratos empresariais. Vários estudos foram feitos, os operadores do direito precisaram se valer de alguns institutos, princípios e teorias que só eram vistos nos bancos das faculdades de Direito, tudo para garantir que seus clientes conseguissem amenizar os devastadores efeitos que a pandemia e a crise econômica por ela desencadeada tiveram em seus negócios.

Um dos principais problemas que grandes ou pequenas empresas passaram a ter diz respeito aos custos nos contratos de execução continuada em decorrência do substancial aumento dos custos envolvendo insumos que são aplicados, por exemplo em obras e construção civil.

Em síntese, os então “fornecedores” alegam que quando da assinatura dos contratos e então formação dos preços, os custos dos insumos necessários às prestação de serviço tinham valores muito inferiores e em razão da pandemia, o contrato se tornou oneroso demais, necessitando ser revisitado.

Como mencionado, desde o início da pandemia alguns princípios e teorias basilares do Direito Contratual foram postos a prova e vêm sendo amplamente utilizados como meio de proteção das empresas.

Um dos princípios mais mencionados é o da boa-fé objetiva, o qual consiste em determinar que Partes possuem o dever de agir com base em valores éticos e morais da sociedade. Tal princípio norteia todas as relações jurídicas entre as partes e está muito bem posto no Código Civil no art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Já com relação as teorias temos a Teoria da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva, as quais tem condições e situações específicas em que podem ser utilizadas, como veremos a seguir.

Os elementos da teoria da imprevisão são a superveniência de um acontecimento imprevisível, alteração da base econômica objetiva do contrato, o que desemboca na onerosidade excessiva, permitindo assim a revisão dos contratos para que ocorra o equilíbrio econômico financeiro.

O art. 478 do Código Civil prevê que nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.

Nesse sentido, no momento em que a covid-19 surgiu e foi considerada uma pandemia (março/20) ela tornou-se um exemplo claro acerca da necessidade de aplicação da Teoria da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva aos contratos de prestação continuada, tendo em vista que Partes de forma alguma conseguiriam imaginar que viveríamos uma situação como essa. 

Em razão disso, o Judiciário foi bastante acionado durante o ano de 2020 e entendeu que em razão da pandemia não ter sido prevista e nem esperada, seus efeitos na economia como inflação, variação cambial, escassez de matéria prima, redução das importações e exportações, etc., não podem passar batidos.

O posicionamento majoritário é que os conflitos econômicos decorrentes da crise sanitária podem ser resolvidos com repactuação de acordos, porém os juízes não devem atender automaticamente aos pedidos de empresas sem demonstração real de desequilíbrio financeiro.

Isso significa dizer que, se a Parte provar que foi impactada de forma negativa em razão da pandemia e das circunstâncias que a ela se vinculam, os contratos podem ser revistos como forma de reequilibrar a relação que se tornou desfavorável para uma das Partes.

Já quando pensamos nos contratos firmados com a pandemia já em curso, as questões envolvendo os custos dos insumos devem ser vistas com um pouco mais de cautela, tendo em vista que se levarmos em conta a experiência vivida pela Europa, era bastante previsível que enfrentaríamos uma segunda onda e que a economia seria novamente, ou melhor, ainda mais afetada.

Assim, podemos afirmar que há um entendimento majoritário no meio jurídico, no sentido de que para os contratos celebrados durante a pandemia, torna-se de incidência duvidosa a teoria da imprevisão, isto é, com a segunda onda, não seria possível, sob os mesmos fundamentos, a revisão dos contratos firmados após o início da pandemia, de modo que foi previsível que o Brasil passaria por um novo surto, como ocorreu na Europa.

Diante do exposto, entendemos que os pedidos de reequilíbrio econômico dos contratos devem ser analisados em dois blocos:

a. Contratos firmados antes da pandemia: é possível uma revisão sob o fundamento da impossibilidade de prever que a economia seria afetada de tal forma pelo vírus, fazendo com que os custos dos insumos, commodities, matéria prima em geral, chegassem aos patamares que temos visto;

Requisitos:

  1. demonstração efetiva do reajuste de valores;
  2. avaliação quanto a estabilidade dos preços;
  3. data de assinatura dos contratos: anteriores a março de 2020;
  4. os custos de alguma forma beneficiaram também o fornecedor? Ex.: testagem massiva COVID. Se sim, devem ser rateados e não repassados.

b. Contratos firmados durante a pandemia: é também possível a revisão, mas considerando que os contratos foram assinados já com as partes cientes de que a pandemia estava em curso.

Requisitos:

  1. demonstração efetiva do reajuste de valores;
  2. avaliação quanto a estabilidade dos preços;
  3. data em que o contrato foi firmado: entendemos que os contratos assinados após novembro de 2020 não deveriam ser renegociados, justamente pelo fato de que os efeitos já eram previsíveis e faz parte do risco do negócio do fornecedor eventual reajuste;
  4. os custos de alguma forma beneficiaram também o fornecedor? Ex.: testagem massiva covid. Se sim, devem ser rateados e não repassados.

Conclui-se portanto que é possível que haja a renegociação dos contratos de execução continuada, sempre avaliando (i) o tempo em que o contrato foi assinado e (ii) se os custos de fato sofreram impacto em razão da pandemia, cabendo sempre uma negociação para se entender qual das partes deve suportar o ônus trazido pela pandemia.

Fernanda Carlot
Advogada. Atuação na área Contratual de multinacional de grande porte. Especialista em Direito Tributário pelo IBET.

Bruna Chaves Alves dos Santos
Graduanda de Direito na Universidade Paulista - UNIP.

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