O atual Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, declarou recentemente seu apoio à proposta apresentada pelos governos da África do Sul e Índia junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) para suspender temporariamente os direitos de propriedade industrial sobre imunizantes contra o vírus da covid-19, com o intuito de garantir acesso à informação e tecnologia a fim de impulsionar a produção e comercialização de vacinas nos países em desenvolvimento.
O Brasil não se posicionou formalmente contra ou a favor de tal iniciativa e pretende seguir uma via alternativa. A ideia seria ampliar a produção global de imunizantes, com a redução de barreiras comerciais e a identificação de capacidade ociosa em diferentes países, mas sem desrespeitar a propriedade intelectual de terceiros.
Isso porque, a grande maioria dos conhecedores do tema sustenta que, no momento, a desejada iniciativa não será eficaz para acelerar a imunização da população nos países em desenvolvimento, em decorrência da complexidade da produção de vacinas. Neste mesmo sentido, a Associação Internacional de Proteção da Propriedade Intelectual (AIPPI), no dia 12 de maio, expressou sua oposição à proposta afirmando que não há evidências de que os direitos de propriedade intelectual constituem uma barreira ao acesso de medicamentos e tecnologia relacionados à covid-19, e que “a suspensão dos direitos de proteção à PI impactariam negativamente no marco estabelecido a fim de atingir os objetivos mencionados acima (medicamentos e tecnologia relacionados ao coronavírus), a médio e longo-prazo.”
Isto é, além da suspensão temporária da propriedade industrial das indústrias farmacêuticas, cujos investimentos financeiros e de inovação possibilitaram a criação da vacina contra a covid-19 em menos de 12 (doze) meses – tal iniciativa não teria efeitos práticos, pelo menos no curto ou médio prazo, já que a tecnologia desses produtos ainda é pouco difundida e de difícil aplicação.
Vejam, independentemente da atual posição do Governo brasileiro, o modelo de licenciamento compulsório já existe na legislação brasileira (previsto na lei de Propriedade Industrial – lei 9.279/96) e já foi inclusive utilizado anteriormente, com relação a certos medicamentos contra HIV. A previsão de licença compulsória está prevista no Capítulo VII, Seção III da referida lei e, em suma, autoriza a “quebra de patente” somente nos casos de emergência nacional ou interesse público, desde que o titular da patente não atenda a essa necessidade e sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.
Assim, fica evidente o caráter excepcional da medida, já que, do contrário, resta extremamente fragilizada a credibilidade do Governo que a impôs, podendo ser, inclusive, objeto de discussão na OMC. Consequentemente, diante das dificuldades práticas para se impor tal medida das vacinas contra covid-19, faria sentido “lutar” por isso no âmbito internacional?
Necessário pois, projetar os efeitos desta proposta na atual conjuntura da saúde pública no Brasil. É certo que o país avança para a efetiva imunização da população brasileira, com a aprovação de uso emergencial de sete fórmulas de vacinas. No entanto, a desejada iniciativa de nada adiantará ante a ausência de insumos, infraestrutura de transporte e distribuição. Ademais, apesar do custo da produção de imunizantes ser um problema no longo prazo, não se apresenta como impeditivo no momento.
Atualmente, o Brasil depende do IFA fabricado no exterior para produção de vacinas e dificilmente conseguiria produzi-lo de maneira completamente independente no país no curto prazo. Portanto, de forma a preservar suas relações internacionais e possibilitar o aumento da produção de imunizantes no Brasil no médio e longo prazo, a colaboração com as grandes farmacêuticas e o pleno respeito à propriedade intelectual tende a ser o melhor caminho a ser seguido para ampliação da imunização da população brasileira.