Introdução
O presente trabalho, por meio de análise jurisprudencial, doutrinária e legal, visa adentrar à esfera da aplicação do poliamor em nosso ordenamento jurídico, para apresentar ao leitor as possibilidades de aplicação e consequências.
Além de verificar a necessidade de amparar as pessoas que vivem essa realidade de fato, mas que não tenham à seu favor a legislação vigente neste Ordenamento Jurídico.
Após conhecê-las, busca realizar análise crítica acerca do tema, demonstrando suas possíveis consequências práticas, positivas e negativas.
1. Conceito
Ao se pensar em poliamor, se pensa em quebra de padrão para a nossa sociedade que foi criada sobre um patamar cristão, e logo, monogâmico, que crê em um casamento e na constituição da “família tradicional”, com um homem, uma mulher e seus filhos.
Situação essa, que vem se quebrando aos poucos, porque muitos optam por não selar casamento com a pessoa que partilham a vida, acabando por serem enquadradas nos termos da união estável, muitas vezes sem nem ao menos terem consciência do vínculo que se formou, para além do namoro vivido pelas partes.
Além disso, sofremos influências, pela noção do que nos é passado como romântico e correto sobre a ideia de um relacionamento ideal, com base em filmes, em livros, em novelas, em tradições familiares e outros, que no Brasil, em maioria, representam relações monogâmicas.
Poucos são os casos em que vemos relação que aceita mais de duas pessoas, independente do sexo, que estão dispostas a compartilhar a vida “amorosa”, ao se comparar à quantidade de relações monogâmicas existentes no país, registradas ou não.
Diante a isso, acho importante destacar que por mais que tenhamos enraizados em nossa cultura a aceitação da monogamia e uma repulsa, por grande parte das pessoas, à relação que envolva mais de dois indivíduos, o poliamor, poliamorismo, amor plural ou ainda poliafetividade, como são denominados, são realidades presentes em nossa sociedade fática, que não podem ser ignoradas, por não serem parte do considerado padrão.
Em certo momento, foi o que ocorreu com as relações homoafetivas, que, por um enorme período, não possuíam amparo jurídico, mas que sempre existiram de fato.
Todas essas denominações englobam as relações que são expansivas afetivamente, ao comparadas com a monogamia que é praticada por apenas dois indivíduos.
Já nas relações expansivas, todos os envolvidos praticam troca afetiva, como qualquer outro casal monogâmico. Porém, com maior número de envolvidos.
Se diferenciando da poligamia, que é vetada em nosso ordenamento jurídico, com previsão até penal para quem a praticar (Bigamia) formalizando as relações com casamento, pelo qual apenas um dos envolvidos na relação, mantém relacionamento com outros e com estes se casa, ou tenta manter relações estáveis, constituindo família, com filhos e outros.
Exemplo muito corriqueiro é o das relações muçulmanas, em que um homem possui liberdade para ter diversas esposas, mas estas não se relacionam com outras pessoas e nem ao menos entre elas, a relação é firmada pelo ato do casamento. É bem aceita onde ocorre, pois é vinculada à religião islã e aos costumes locais, sendo a monogamia, algo incomum onde há grande número de muçulmanos, pois não compartilham deste hábito.
Outro exemplo corriqueiro é aquele em que a pessoa mantém famílias simultâneas, com o conhecimento de ambas.
Um caso famoso no Brasil de união entre uma única pessoa com outras, seria o do Mc Catra, falecido cantor de funk, que se relacionava e vivia junto com três mulheres, com as quais constituiu família, as sustentava de forma total, de forma pública, contínua, estável e mantinha relação de afeto como se casado fosse com todas, sendo casado apenas com uma delas em cartório, pelas proibições normativas de se realizar um segundo casamento quando já se é casado. Com seu falecimento, duas delas ficaram desamparadas quanto aos efeitos sucessórios, por conta de normas ultrapassadas como esta. Outros exemplos podem ser vistos nas comunidades mórmons dos E.U.A., no interior da Tanzânia.
Em outros, podem também ser vistos casos de poliandria. Onde a mulher mantém relacionamento com diversos homens em um mesmo período, bem como ocorre na poligâmia, mas uma versão em que a mulher figura como o polo central da relação e não o homem. Na Índia, Nepal e outros, esse tipo de relacionamento é comum e aceito.
No Brasil, é famoso o livro de Jorge Amado “Dona Flor e seus dois maridos”, de 1966, que já retratava situação como estas, mesmo que de forma fantasiosa, e ainda o filme “Eu, Tu, Eles”, que conta história, baseada na realidade de uma brasileira que vivia com seus maridos.
Além disso, conforme estudos, algumas tribos indígenas brasileiras, como a dos tupinambás, mantém e mantinham no território nacional relações poligâmicas.
Todos esses exemplos, deixam claro que o ser humano se relaciona de forma plural, cada qual da sua forma, a fim de atender seus costumes e buscar sua ideia de felicidade, o que não podemos restringir à um padrão, e que isso não acontece apenas nos dias atuais. Como pode ser visto, mesmo que no Brasil não seja algo corriqueiro, comparado à relações monogâmicas, estas outras formas de se relacionar existem há muito tempo e em diversas localidades.
Cumpre destacar, que o multiculturalismo é realidade no Brasil e portanto, no País se encontram pessoas que vivem a realidade do pluralismo nas relações, mesmo que sem registro destes, por vedação legal.
Cumpre ainda destacar que no poliamor, diferente da poligamia e da poliandria, mais de duas pessoas se relacionam, com intuito de união, sexual ou não, abarcando inúmeras formas de afeto e ligações pessoais, sem colocar estes relacionamentos. Todos se relacionam com todos, não havendo essa diferenciação entre os envolvidos. Não é o homem que mantém relação com outros, como figura central daquele núcleo familiar ou a mulher, mas se há 3 pessoas envolvidas, todas se relacionam entre si, têm afeto e vontade de estar nesse relacionamento.
É entendido atualmente que o poliamor, é uma relação mais estável entre as partes, que pode ser ilustrado por relação entre três mulheres que decidem viver conjuntamente e constituírem família, e não aberta como o amor livre, em que as partes não mantêm vínculo certo com ninguém, apenas com contato breve, como espécie de namoro e às vezes nem isso.
Tendo acesso inicial aos conceitos, passamos à análise dos motivos de não termos regulação jurídica específica a estes aspectos, que lhes sejam favoráveis.
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