Naquela oportunidade, além de outros fundamentos jurídicos/legais, reforçamos o direito a prorrogação do crédito rural com base no Manual do Crédito Rural (MCR), onde constava no capítulo 2, seção 6, item 9, a normatização do direito a prorrogação da dívida, com os mesmos encargos financeiros de normalidade, desde que comprovado a incapacidade de pagamento decorrente de: a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.
Por sua vez, o Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão competente para disciplinar o crédito rural, editou as Resoluções 4.883/20 e 4.905/21, modificando capítulos, seções e itens do MCR, que dentre outras alterações, mudou o capítulo 2, seção 6, item 9, que tratava do direito a prorrogação, e passou a ser normatizada no capítulo 2, seção 6, item 4.
Ocorre, porém, que as sobreditas Resoluções do CMN, que passaram a viger no mesmo dia (1/5/21 – Resolução 4.883/20, art. 2º - Resolução 4.905/21, art. 7º), trouxeram redações e alterações diferentes ao item 4, da seção 6, do capítulo 2 do MCR.
Para se ter uma ideia da modificação ocorrida, elaboramos o seguinte quadro comparativo da redação anterior com as atuais redações preconizadas pelas Resoluções 4.883/20 e 4.905/21, com destaque para as diferenças, confira-se:
De início, curiosamente, constata-se a sobreposição de normas regulamentadoras quanto ao direito de prorrogação, dispondo de maneira diferente, e até certo ponto conflitantes, sobre o mesmo assunto e com vigência na mesma data.
A referida antinomia entre as normas acima declinadas, resolve-se pela solução apresentada pelo § 1º, do artigo 2º do decreto lei 4.657/421 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), onde a lei posterior revoga a anterior quando regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, definindo assim, como vigente, a redação estabelecida pela Resolução 4.905, de 29 de abril de 21, por ser, teoricamente, a lei mais nova a tratar da prorrogação do crédito rural.
Resolvido este conflito aparente de normas, numa rápida olhada nas alterações, percebe-se que a nova redação do MCR, naquilo que pode ser mais impactante ao setor agropecuário, fala que “a instituição financeira esta autorizada”, e não mais que “é devida a prorrogação da dívida”.
Embora possa parecer pela interpretação literal do item 4, da seção 6, do capítulo 2 do MCR, que doravante o direito de prorrogação seja uma faculdade discricionária a ser concedida pela instituição financeira, é certo que a interpretação sistemática de todo o sistema legal do crédito rural, incluindo aí a Constituição Federal (art. 187, I), a lei 4.829/65 e a lei 8.171/91, além da Súmula 298 do C. STJ2, nos permite advogar que o direito a prorrogação do financiamento rural, não é uma faculdade, mas sim um direito do produtor rural, do qual decorre, uma obrigação para a instituição financeira de prorrogar o crédito rural, desde que atendidos os requisitos legais.
A segunda alteração trazida pela nova redação do item 4, seção 6, capítulo 2 do MCR, refere a obrigação do produtor rural (mutuário) comprovar a dificuldade temporária do pagamento, com fundamento em uma ou mais das situações referentes a (i) dificuldade de comercialização dos produtos; (ii) frustração de safra por fatores adversos; e, (iii) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações, o que tecnicamente, já era realizado pela apresentação de laudo de frustração de safra.
Igualmente, com as modificações preconizadas pela Resolução 4.905/21 do CMN, incluiu-se agora, a obrigação da instituição financeira, em atestar a necessidade da prorrogação e demonstrar a capacidade de pagamento do mutuário, o que pode ser realizada mediante a apresentação de um laudo de capacidade de pagamento, entregue pelo produtor rural ou elaborado pela própria instituição financeira, que demandará estrutura administrativa e pessoal qualificado, hoje inexistente na maioria das agências que operam com crédito rural.
A sobredita Resolução 4.905/21 do CMN, também apontou modificações específicas na forma de prorrogação dos financiamentos com recurso oriundos do FUNCAFÉ, ou distribuídos através do PRONAFE ou ainda com recursos do BNDES, referindo que ficará a critério da instituição a concessão da prorrogação com exigências diferenciadas para cada modalidade, bem como, de que deverá ser comprovado a intensidade da situação que gerou a prorrogação, o percentual de redução de renda e o tempo estimado para que a renda retorne ao patamar previsto no projeto de crédito rural.
De todo modo, apesar das modificações ocorridas no MCR, entendemos e defendemos que, uma vez comprovado a ocorrência de alguma das situações preconizadas no MCR, continua sendo garantido ao produtor rural, o direito a prorrogação do crédito rural, tendo em vista que suas finalidades e objetivos encontram-se bem definidos nas leis, representando uma modalidade de empréstimo diferenciada, com nítido e inegável caráter especial, que lhe rendem um tratamento diverso por meio de normas de ordem pública e de observância obrigatória, visando basicamente a preservação da atividade e da produção agropecuária, e consequentemente, do produtor rural como principal agente do agronegócio.
Isto porque, a atividade agropecuária, é inegavelmente uma verdadeira indústria a céu aberto, disposta a ser afetada por casos fortuitos e de força maior, consistente em eventos naturais e climáticos, que escampam ao controle e vontade do produtor rural, interferindo na produção e na receita, razão pela qual, necessita da prorrogação como condição de continuidade da atividade.
Contudo, se as instituições financeiras que operam no crédito rural, agirem como se tivessem o poder subjetivo e discricionário na concessão da prorrogação do crédito rural, impondo o pagamento a qualquer custo, até mesmo sob ameaça de execução da violenta garantia fiduciária de imóvel, restará ao produtor a judicialização da demanda, para que seja garantido seu direito e prorrogação e preservado o seu patrimônio.
Neste contexto, recomendamos, que o pedido administrativo de prorrogação, continue sendo realizado para o agente financeiro do crédito rural, preferencialmente antes do vencimento do financiamento, com a devida comprovação da frustação da safra e da capacidade de pagamento por meio de laudos técnicos.
______________
1 Art. 2º: § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
2 Súmula 298 do STJ: O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.