Migalhas de Peso

O fim (?) da impetração de mandado de segurança no lugar do agravo de instrumento

Decisão do STJ procura encerrar a discussão sobre o cabimento de mandado de segurança em face de decisão interlocutória não prevista no rol do art. 1.015 do CPC/15.

28/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Uma das grandes alterações promovidas pelo Código de Processo Civil de 2015 se deu quanto às hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento. Tal recurso, na vigência do CPC/73, era cabível em face de qualquer decisão interlocutória “quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação” (art. 522, lei 5.869/73).

Atualmente, contudo, o atual código dispõe de forma totalmente diversa, ao elencar um rol, no artigo 1.015, de decisões que poderão ser impugnadas por meio daquele recurso, ou seja, o legislador trouxe, aparentemente, um rol taxativo de cabimento do agravo de instrumento.

A justificação para a criação desse rol seria limitar as hipóteses de cabimento do recurso em razão deste ser um dos grandes responsáveis pela morosidade que assola os Tribunais brasileiros. O autor Daniel Assumpção não concorda com essa tese e acrescenta que a alteração só será positiva, isto é, só colaborará para a celeridade do processo, se a impugnação da decisão interlocutória em preliminar de apelação ou contrarrazões não for acolhida.¹

Com efeito, a novidade trazida pelo atual CPC fez surgir na doutrina uma discussão acerca da taxatividade do rol e suas consequências práticas. Isso porque, o rol do artigo 1.015 deixa de fora diversos temas que deveriam ser passíveis de recorribilidade imediata (a decisão sobre competência, por exemplo).

Nesses casos, em que a parte não poderia aguardar para discutir em sede de apelação, qual seria a solução? A doutrina começou a cogitar na possível popularização do mandado de segurança² como consequência da deficiência legislativa.

O professor Humberto Theodoro Júnior defendia que o mandado de segurança pode ser um instrumento cabível nas hipóteses em que não for possível agravar de instrumento, uma vez que o art. 5º, inciso II, da lei 12.016/09 (lei do Mandado de Segurança) permite a sua impetração em face de ato judicial do qual não caiba recurso com efeito suspensivo³.

A “utilização em massa de mandados de segurança contra ordens arbitrárias do juízo de primeiro grau”4 também era uma preocupação do autor Fernando Rubin. E de fato, o aumento da impetração de mandados de segurança em face de decisões interlocutórias, vai de encontro à ideia de descongestionar os Tribunais.

Nota-se, pois, que o rol do art. 1.015, do CPC/15 foi alvo de várias críticas, notadamente diante da insegurança jurídica que gerou à comunidade jurídica.

Dessa forma, o tema chegou diversas vezes a ser discutido na jurisprudência, até que o Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar a norma em sede de julgamento de recursos repetitivos (REsp 1.696.396 e REsp 1.704.520), entendeu que o rol é de taxatividade mitigada, fixando essa tese no tema nº 988 dos Recursos Repetitivos.

Em breve síntese, o STJ fixou tese com eficácia vinculante pelo cabimento do agravo de instrumento, no caso concreto, independentemente de previsão expressa no rol, quando preenchido o requisito urgência decorrente da inutilidade prática. Assim, é possível a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que se vislumbrasse a inutilidade futura do julgamento do recurso diferido na apelação (ou contrarrazões).

A fixação dessa tese diminui um pouco a insegurança jurídica acerca da interposição ou não do recurso de agravo de instrumento. No entanto, não foi suficiente para acabar com as dúvidas dos advogados quando se deparam com o caso concreto.

Um exemplo disso é o caso julgado no final do ano passado pelo STJ, no RMS 63.202-MG (Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, jul.: em 01/12/20).

Nesse julgamento ficou claro como o jurisdicionado ainda tem dúvidas sobre como recorrer de uma decisão interlocutória cujo teor não está previsto expressamente no art. 1.015, do CPC.

Em resumo, a decisão recorrida naquele caso indeferia a realização de audiência de conciliação, não obstante ambas as partes tivessem se manifestado no sentido de querer a sua designação. Dessa forma, o demandado impetrou o remédio constitucional em face daquela decisão. E sabe o que o Tribunal decidiu?  O Tribunal de Justiça não conheceu do mandado de segurança sob o argumento de que a decisão interlocutória que indeferiu o pedido de designação de audiência prévia de conciliação seria impugnável por apelação.

É claro que a realização de uma audiência de conciliação, desejada por ambas as partes processuais, no início do processo, possibilitaria encerrar desde logo o litígio. Deixar para impugnar a decisão que indefere a designação daquela audiência somente em sede de apelação inutilizaria completamente o pedido. Isso porque a parte vencedora na sentença provavelmente perderia o interesse em conciliar. Ademais, a função da audiência prévia de conciliação tem por objetivo justamente evitar que uma demanda processual vá adiante, postergando a solução de um litígio que poderia ser resolvido facilmente.

Diante disso, ao Superior Tribunal de Justiça chegou o caso e foi definido não só que “A decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é suscetível de impugnação imediata” como também que “não é admissível, nem mesmo excepcionalmente, a impugnação de decisões interlocutórias por mandado de segurança após a tese firmada no tema repetitivo 988, que estabeleceu uma exceção ao posicionamento há muito adotado nesta Corte, especificamente no que tange à impugnabilidade das interlocutórias, de modo a vedar, em absoluto, a impugnação dessa espécie de decisão pelas partes mediante mandado de segurança, porque há via impugnativa recursal apropriada, o agravo de instrumento.”.

O STJ procurou acabar, de uma vez por todas com a dúvida acerca da forma de impugnação de decisão interlocutória não prevista expressamente no rol do art. 1.015, do CPC. Tentou, certamente, acabar com a impetração desnecessária e equivocada do mandado de segurança.

Portanto, diante dessa nova decisão, chegamos a duas conclusões.

A primeira é de que com o entendimento jurisprudencial atual, não se percebe relevante diferença com relação ao regramento anterior sobre o cabimento do agravo. Dessa forma, não obstante o CPC/15 tenha pretendido trazer grande novidade em relação ao tema, a jurisprudência optou por interpretar a mudança de tal forma que não se vislumbra efetivamente alguma alteração substancial na prática. Isso porque uma “decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação” (CPC/73) sempre conterá urgência em se discutir a questão de imediato; e um caso em que se note “urgência decorrente da inutilidade prática” (STJ, REsp 1.704.520) também sempre acarretaria a possibilidade de causar lesão grave e de difícil reparação à(s) parte(s).

Por fim, outra conclusão que podemos chegar é a de que não há mais dúvida para o advogado: quando a decisão precisar ser recorrida imediatamente e seu teor não estiver elencado no rol do art. 1.015, do CPC, ainda assim, caberá a interposição de agravo de instrumento. Não há que se falar, pois, em impetrar MS ou, menos ainda, que se aguardar para discutir em sede de apelação (ou contrarrazões).

É perceptível a tentativa dos Tribunais em tentar “consertar” a opção legislativa de elencar um rol pretensamente taxativo para a interposição do agravo de instrumento. Seria até impossível prever todas as hipóteses necessárias ou justas de recorribilidade imediata. Mas isso já é outra discussão.

Agora nos resta aguardar para saber se, de fato, o entendimento jurisprudencial irá se estabilizar e se o número de mandados de segurança em face de decisão judicial irá diminuir, dando lugar, de volta, à interposição do agravo de instrumento, como no regime anterior.

___________

1NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1660.

2. Ibid., p. 1660-1661.

3. THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1123.

4. RUBIN, Fernando. Cabimento do agravo de instrumento em matéria probatória. In: Processo nos Tribunais e Meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 883.

Luiza Fonseca Dutra
Advogada e Residente Jurídica na PGE-RJ. Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense; especializada em Direito Público e Privado - EMERJ; cursando pós-graduação em dir. Público - ESAP.

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