Migalhas de Peso

Gestão estratégica fiscal em tempos de recuperação judicial

De mero coadjuvante a pilar de reestruturação de empresas.

27/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Períodos de crise econômico-financeira normalmente trazem um cenário de descontrole fiscal das empresas, provocado muitas vezes pela necessidade de escolha do que pagar frente a tantas obrigações cotidianas que o caixa deve suportar, sendo que, não é raro, infelizmente, as imposições tributárias ficarem em segundo plano. Isto é um sinal claro da necessidade de reestruturar e recuperar a rentabilidade da empresa nos pilares comercial, operacional e financeiro onde exploraremos a importância de se ter uma gestão estratégica fiscal ativa e passiva bem executada.

Esse contexto, inevitavelmente, vai ocasionar um passivo tributário a ser administrado, sobretudo, para as empresas que possam buscar na recuperação judicial um caminho para solucionar sua momentânea dificuldade econômica, pois o adimplemento dessas exigências deverá estar no radar dos administradores que se prestam a buscar a luz no fim do túnel por meio da recuperação judicial, ferramenta jurídica de enorme valia para os tempos de tribulação.

E assim, mais cedo e não o mais tarde possível (retardar o enfrentamento não resolve a questão), o empresário e seus assessores precisarão mapear o passivo tributário e decidir como gerenciá-lo. Esta providência passou a ser ainda mais vital para sobrevivência da empresa, conforme adiante se comentará. As obrigações podem ser de naturezas diversas e apresentarem-se em estágios variados, pois em uma federação como a brasileira, os tributos são devidos à todas as esferas de governo, cada qual com a sua forma e ritmo próprios de operacionalizar as respectivas cobranças.

As dívidas podem ser recentes, simples pendências ainda nos sistemas das Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal, ou mais avançadas, já inscritas em dívida ativa e passíveis de execução fiscal com todos os seus prejuízos, tais como protestos, penhora sobre ativos financeiros, bloqueio de bens etc. Além dessas caracterizações, as dívidas podem ser oriundas de tributos declarados nas obrigações acessórias do contribuinte, mas não pagos, revelando automaticamente uma inadimplência fiscal, assim como, também, podem ser originadas de autos de infração lavrados pela Administração Tributária que continua o funcionamento normal sobre empresas em crise econômico-financeira.

Olhar para esse quadro completo e decidir como administrá-lo para superar uma crise é sobremaneira importante, aspecto sensível e que pode determinar o sucesso ou não de um projeto de recuperação judicial. Neste ponto aparece a preocupação que estamos buscando evidenciar, a necessidade de uma correta gestão fiscal em tempos de crise econômico-financeira, notadamente no âmbito de uma recuperação judicial, uma vez que o novo texto legal em vigor, lei 14.112/20, permite que o fisco entre com pedido de falência de empresa em recuperação judicial na situação em que descumprir parcelamento fiscal ou acordo. Portanto, gerenciar e planejar proativamente o passivo tributário é uma necessidade MANDATÓRIA,

É de conhecimento geral que a legislação trouxe recentemente, em 2020, novidades relativas ao tratamento de dívidas fiscais para as empresas em recuperação judicial. Existem opções de composição do passivo tributário por meio das denominadas transações ou por meio, também, de parcelamentos comuns aplicáveis à realidade da empresa e de suas dívidas, devendo cada obrigação ser analisada e corretamente enquadrada na melhor opção de pagamento que a lei lhe permite possuir. Todas essas opções contam com previsão legal e regulamentação em atos normativos dos órgãos públicos atrelados à Administração Tributária, são muitos detalhes e regras que necessitam de criterioso olhar para uma detida verificação da pertinência de aplicação a cada grupo de pendências fiscais.

No entanto, essa primeira análise é importante para as dívidas classificadas indubitavelmente devidas e com capacidade de gerar estragos em curto ou médio prazo.

Tributos pequenos, ainda não inscritos em dívida ativa, podem ser provisionados para pagamento mais rápido a fim de diminuir a lista de pendências. O mesmo raciocínio vale para dívidas estaduais e municipais sem boas opções de parcelamento ou transação tributária, revelando-se mais urgente do que pendências aptas a inclusão em um plano mais longo e tranquilo de pagamento.

De outro lado, contudo, também devem ser consideradas as dívidas com opções de defesa.

Isto porque o processo administrativo tributário, exercido logo que o lançamento é notificado ao contribuinte, materializa um importante instrumento de gerenciamento do passivo fiscal, o que ocorre, simplesmente, pelo fato de possuir o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário. A manutenção da suspensão da obrigação tributária ajuda muito na administração de um passivo que certamente levará longo tempo para quitação integral, possibilitando provisionar valores para o futuro ou começar a pagar esses débitos antes suspensos quando outros já estiverem quitados, aliviando o caixa e permitindo um respiro à empresa em recuperação judicial.

O processo judicial também pode atingir essa finalidade. Conforme a controvérsia existente sobre a dívida, mecanismos de suspensão na esfera judicial podem ser ventilados para conferir esse fôlego temporário.

E não se trata apenas de instrumentos de postergação, se bem manuseados são capazes – processos administrativo e judicial – de trazer relevantes ganhos com redução de exigências ou até mesmo cancelamento da obrigação. Inúmeros argumentos e artefatos processuais estão presentes nas impugnações administrativas, recursos administrativos, ações judiciais, defesas em execução fiscal entre outras possibilidades.

Portanto, no que tange ao passivo fiscal, decidir a respeito do que será objeto de pagamento, imediato ou em futuro próximo, o que será inserido em programas de transação e parcelamentos, bem como aquilo que será alvo de defesas e impugnação, é etapa indispensável para o sucesso do projeto de recuperação judicial.

Obviamente, não paramos nessa etapa. O surgimento de uma crise aciona a luz de alerta que incentiva um debruçar analítico sobre o trato de questões tributárias na companhia. Será que um mergulho profissional na operação a fim de se produzir um planejamento tributário adequado não faria diferença no futuro do negócio? Será que as inúmeras receitas de uma empresa estão sofrendo a melhor opção legal de incidência tributária? A utilização de ações judiciais e entendimentos dos órgãos fazendários para diminuir tributos ou recuperação de valores eventualmente pagos a maior que o devido não poderia melhorar o resultado da atividade empresarial? Essas perguntas são abertas, meramente provocativas, servem para a continuidade da reflexão que propomos instaurar a respeito da gestão fiscal em tempos de recuperação judicial.

Atualmente, talvez mais do que em qualquer época passada, administrar tributos dentro de uma empresa é determinante para o sucesso e a tranquilidade do empreendimento. E para tanto, certamente, existem profissionais qualificados que podem ser usados de apoio ao empresário que diariamente exerce a árdua tarefa de equilibrar os pratos relativos aos incontáveis conhecimentos necessários a toda operação de mercado. Exploramos o tema se comportando no âmbito de recuperação judicial pois muitas das vezes, este tema vem em voga quando é tarde demais. A gestão estratégica fiscal deve ser relevada desde o início de vida das empresas.

Enfim, a gestão fiscal há décadas tem sido mera coadjuvante e atuando de forma passiva, administrando postergações e processos no decorrer da evolução do mercado e dos negócios. Na nossa visão, não pode ser mais exercido dessa forma e verificamos uma lacuna de entendimento e conhecimento de como uma gestão estratégica financeira que inclui o pilar fiscal é essencial para a reestruturação e perenidade das empresas. E principalmente em tempos de recuperação judicial: mais do que uma recomendação, uma necessidade premente.

Rodrigo Eduardo Ferreira
Sócio do escritório Sartori Sociedade de Advogados.

Marcelo Sartori
Sócio responsável pela coordenação geral do escritório Sartori Sociedade de Advogados. Graduado em Direito pela PUC-Campinas. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Administração de Empresas pela FAAP.

Frank Koji Migiyama
Master Business Administration pela FGV. Engenheiro formado pelo IME - Instituto Militar de Engenharia. Possui certificações em Master Black Belt em Lean Six Sigma, Kaizen Specialist Japan. Conselheiro de administração pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Sócio fundador da empresa de consultoria empresarial FKConsulting.PRO.

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